Brasil

Existe pena de morte no Brasil?


 
Por Marco Aurélio Garcia
 
Nesse início de 2017, que eu espero que seja um ano muito bom, bem melhor do que o que passou, eu queria começar fazendo uma pergunta: – Existe pena de morte no Brasil?
É, as pessoas razoavelmente informadas vão dizer, não, não existe, a lei não prevê. Mas eu vou dizer que é falso. Existe. E ela foi aplicada a sessenta prisioneiros no dia 1º. do ano, em Manaus. Hoje, nesse domingo 8 de janeiro, parece que mais quatro ou cinco foram submetidos a essa pena de morte. E ela foi depois, dois dias depois do primeiro do ano, ela foi aplicada também a 33 presos em Roraima.
Todos esses presos, eles têm algo em comum. Eles são pobres, quase todos negros ou pardos e cerca de um terço deles não tinham nenhuma condenação. Não estavam condenados. Não estavam com culpa formada. Isso já tinha havido no massacre do Carandiru aqui, também. Onde muitos, inclusive, já haviam cumprido a pena e só não tinham sido soltos porque a Vara de Execuções Criminais não tinha tido tempo para resolver esse problema.
Esse fenômeno brutal, de qualquer maneira, não é tão, tão inusual. As estatísticas oficiais mostram que um preso por dia, em média, é morto numa prisão brasileira.
Isso significa que nós temos, portanto, 365 execuções desse tipo por ano no nosso país.
E o que têm de comum essas execuções, eu insisto: jovens (quase todos), negros (na grande maioria) ou pardos, pobres. Independentemente dos crimes que tenham cometido – e alguns cometeram crimes bárbaros.
De qualquer maneira, o que essas execuções expressam é algo mais impactante, algo mais profundo. Expressam a desigualdade da sociedade brasileira. Uma sociedade na qual alguns vivem segundo a lei, outros vivem acima da lei e outros vivem abaixo da lei.
O país ficou estarrecido, evidentemente, com os acontecimentos de Manaus e de Boa Vista. Nós projetamos no mundo uma imagem horrível. Basta olhar a repercussão nas televisões e nos principais jornais do mundo desse acontecimento, que lançou mais sombras sobre a imagem do Brasil no exterior.
E essa imagem catastrófica do país, ela está ligada não só ao fato em si, ao massacre, à barbárie, mas também à reação dos nossos governantes.
O governador do Amazonas, o que que ele declarou? Declarou, vejam bem, que os que morreram lá não eram nenhum santo. Depois se ficou sabendo que parece que quem não é muito santo é ele mesmo. Porque estão chovendo acusações de ligações dele com o crime organizado, com o fato de ter sido apoiado, entre outras coisas, por facções criminosas para sua eleição.
O Ministro da Justiça, mentiu. Mentiu porque disse que não era verdade que a governadora de Roraima tinha pedido auxílio para ele. E depois terminou-se constatando que sim, que tinha pedido. Entre outras coisas porque o documento com o pedido de auxílio apareceu.
Bom, teve também esse aspecto patético do jovem Secretário da Juventude que numa declaração bem desinibida disse que deveria haver uma dessas chacinas por semana, para terminar com a criminalidade. A coisa foi de tal ordem que o governo teve que demiti-lo.
Mas, de qualquer maneira, mostra que tipo de pessoas ocupam funções tão relevantes no governo como a de Secretário da Juventude.
E como se não bastasse tudo isso, depois de um silêncio ensurdecedor de três dias, o presidente Temer, ao se pronunciar publicamente sobre o massacre, o qualificou de pavoroso acidente.
Muita gente tá achando que pavoroso acidente é ele ocupar a presidência da República. Isso é um pavoroso acidente. Isso é, porque demonstra que frente a um tema central da sociedade brasileira, que é o tema da violência, da criminalidade, o que nós verificamos é uma absoluta insensibilidade do primeiro magistrado da nação.
Uma última observação que eu acho que não se pode deixar passar em branco: a gestão da prisão de Manaus – eu falo aqui gestão porque é uma palavra que está muito em moda aqui em São Paulo. Afinal nós não temos mais prefeito, nós temos um gestor da prefeitura.
A gestão da prisão de Manaus estava a cargo de uma empresa privada. No momento em que a privatização, a terceirização se transformou num must no Brasil, nós começamos a descobrir que essa empresa que ironicamente se chama Umanizzare (isso é fantástico, só no Brasil se poderia pensar que uma empresa vinculada a uma catástrofe, a uma tragédia como esta ainda se chamasse Umanizzare), essa empresa cobra mais de R$ 4.500,00 por preso. O que está bem acima dos custos de manutenção dos presos nas prisões públicas.
Enfim, tem um ganho bastante importante. Tão importante esse ganho que depois se descobriu, e hoje tudo se sabe, que essa empresa contribuiu com 2 milhões de reais para a campanha eleitoral do governador do Amazonas.
Portanto, estamos todos entre amigos.

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