Por Cristophe Ventura*
Do Velho Continente, Feliz Ano Novo.
Continuamos com nossa viagem para o novo mundo que está nascendo deste Velho Continente.
Hoje vamos falar de dois temas: o primeiro é a preparação das primárias internas do Partido Socialista ou, como eles a chamam, a Bela Aliança, porque é um pouco mais ampla que o Partido Socialista. E a partir disso vamos falar do tema da União Europeia e das propostas dos candidatos com respeito ao tema europeu, à União Europeia e à crise que vive esse modelo de integração.
As primárias socialistas terão sete candidatos, quatro dos quais do Partido Socialista, que estão com mais chances de ganhar a primária, e também outros três candidatos – uma do Partido Radical, que se chama Sylvia Pinel e outros dois que vivem, digamos, na constelação ecologista, mas ecologista liberal. Que são François de Rugy e Jean-Luc Bennahmias.
Mas os três mais fortes candidatos das primárias que acontecerão em 22 de janeiro e também 29, porque são dois turnos para esta eleição, são Manuel Valls, o ex-Primeiro Ministro de François Hollande, Arnaud Montebourg que foi também Ministro de François Hollande, da Indústria, Benoit Hamon, que foi também Ministro da Educação do governo de François Hollande, e também Vincent Peillon, que não foi ministro de François Hollande, mas que é o mais próximo de François Hollande. Vincent Peillon, que é um deputado e que representa a parte mais elitista do Partido Socialista.
Portanto, teremos um debate entre eles que terminará no dia 22 e também dia 29. E dia 29 saberemos quem será o candidato oficial do Partido Socialista para a eleição presidencial.
A verdade é que esta primária não interessa a muita gente aqui na França, nota-se de maneira muito clara que não há nenhum entusiasmo ou onda pública de participação, de debate no país. Não.
Estas primárias, principalmente, nos confirmam a crise que vive o Partido Socialista, que hoje em dia não vai bem nas pesquisas de opinião. Que está atrás, qualquer que seja o candidato que possa sair dessa primária, está no momento atrás de Jean-Luc Mélenchon e de Emmanuel Macron. Em todas as pesquisas. E que seria a primeira vez na história moderna do país que o Partido Social Democrata tem, digamos, uma crise tão importante.
O debate não interessa a ninguém, assim como nos debates na televisão, etc, não há nenhum tipo de adesão da população a esse debate porque a credibilidade do Partido Socialista e de seus candidatos – que afinal, na maior parte foram ministros do governo atual – está muito baixa, muito baixa na sociedade, e sobretudo nos setores tradicionais que votam, ou que votaram precisamente nesse Partido Socialista.
Vamos ver o que vai acontecer, mas poderíamos ter uma eleição primária com uma participação bastante baixa que não daria uma legitimidade tão forte ao candidato que sairá.
Eles tem debates sobre alguns temas, e um tema que nos interessa hoje nessa nossa conversa é o tema europeu.
É preciso saber que Manuel Valls, o ex-Primeiro Ministro francês e Vincent Peillon têm ambos uma visão de respeito, digamos assim, ‘as regras e aos tratados europeus que produzem tantos problemas para as populações, e que são tratados que organizaram o despojamento, literalmente, da democracia e da soberania popular das populações europeias. Mas eles são a favor do respeito integral às regras da União Europeia que impõem, por exemplo, aos Estados, que não possam endividar-se em seu próprio Banco Central ou ao Banco Central Europeu, mas diretamente aos mercados financeiros, pagando taxas e juros enormes, que alimentam as dívidas e mantêm esse sistema quase insustentável. Eles são a favor disso para não ter problemas com os chefes, afinal, do sistema europeu, que são os alemães, pelo menos o governo alemão que tem essa visão digamos, de uma disciplina fiscal tão forte que os Estados não podem fazer nada para investir na sociedade e no bem estar da sociedade.
O problema da União Europeia é que, obviamente, por um lado se fala de uma interação muito sofisticada, a mais avançada do mundo, (e que, em primeira análise estamos de acordo com a ideia de um destino comum europeu, porque os problemas mundiais transversais como o ambiente, a crise econômica, impõem respostas digamos continentais, obviamente), mas o problema é que essa construção europeia é precisamente uma construção que não dá soluções, mas que aprofunda os problemas. Porque a União Europeia é uma máquina que produz austeridade e neoliberalismo 100% a todos os povos que estão numa concorrência integral, sobretudo a partir do trabalho e da concorrência fiscal, e isso é insustentável para as populações europeias, e esse é o âmago da União.
O problema é que os candidatos mais importantes das eleições primárias são a favor desse sistema.
Benoit Hamon, que é o mais esquerdista, podemos dizer, está de acordo para assumir um enfrentamento mais forte com as regras europeias, mas ele não quer derrubar os tratados como tais, acha que pode trabalhar numa aliança com os outros partidos sociais-democratas europeus, para pouco a pouco mudar do interior e finalmente reformar a União Europeia.
Esta não é a posição de outros candidatos de esquerda e sobretudo de Jean-Luc Mélenchon, que propõe outra estratégia. A estratégia seria ter dois planos, um plano A e um plano B. O plano A seria negociar de maneira aberta, para sair por cima da crise europeia. Apresentar novas propostas para aprofundar e fortalecer o investimento comum, num grande projeto de transição de um modelo econômico para um modelo, digamos, de transição ecológica. Propõe também fortalecer as regras que possam fortalecer a soberania democrática dos povos, a soberania popular dentro das instituições europeias. Propõe também acabar com algumas regras econômicas absurdas, por exemplo essa regra que impede os Estados de endividar-se diretamente com seu próprio Banco Central, por exemplo, e terminar com as regras de proibição de ter um déficit fiscal, etc, etc. Seria o plano A, mas ele assume que poderia também ter um plano B se não se pode ter as respostas que queremos, ou as respostas que quer o povo francês, através desse outro, que seria desobedecer literalmente os tratados europeus, tomando digamos, medidas unilaterais do Estado francês, para romper, assumir uma ruptura com as regras europeias, até à possibilidade de sair literalmente da União Europeia. Porque a União Europeia tem como resposta à sua própria crise uma proposta. A proposta é: a União Europeia, você a ama assim ou a deixa? Esta é a resposta da União Europeia hoje. Que vai radicalizar seu próprio sistema para não deixar a possibilidade de uma mudança.
E a proposta de Mélenchon é outra. É que, se você pode mudar a União Europeia, então assuma deixá-la e trabalhar outras configurações com mais cooperação, mais solidariedade e mais eixos complementares entre países que querem sair do neoliberalismo, que tem outro nome aqui na Europa, União Europeia.
Estes são os termos do debate que temos e que vamos ter aqui durante a eleição, de um Partido Socialista que estará a favor do status quo, do consenso atual, e de Mélenchon, à esquerda, que propõe uma ruptura mais assumida com os tratados e a União como tal.
Até logo, Nocaute!
* Christophe Ventura é jornalista, redator-chefe do site “Mémoire des luttes” (www.medelu.org) e autor do livro “L’éveil d’un continent – Géopolitique de l’Amérique latine et de la Caraïbe” (Editions Armand Colin, Paris).
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