Brasil

A PEC 55 nos fará retroceder a padrões sociais pré-Constituição de 1988

Vídeo 1 – PEC 55

Por Roberto Leher*

Certamente todo o país está acompanhando a edição de uma mudança constitucional, a PEC. Começa como 241, posteriormente assume o número 55, já no Senado. O objetivo é essencialmente fazer uma reforma do Estado. É muito importante que fique claro para toda a sociedade brasileira, que não se trata de uma política de ajuste fiscal. Ela não altera em nada as despesas com juros e serviços da dívida. Trata-se apenas de despesas chamadas de primárias que são os gastos com a Educação, Saúde, Previdência Social, seguridade social de uma forma geral, investimentos em infraestrutura. Em suma, os gastos públicos que não são com serviços e juros da dívida que compõem aproximadamente 45% dos tributos hoje no Brasil estão direcionados ao pagamento da dívida. A PEC não altera isso. Porque é uma reforma do Estado não consentida? Porque pra viabilizar o congelamento dos gastos públicos, um série de princípios constitucionais terão que ser alterados. O primeiro deles, a desvinculação de todos os benefícios sociais do valor do salário mínimo. Isto pra população mais explorada, mais expropriada será devastador, porque as aposentadorias que hoje mais de 40 milhões de brasileiros recebem, mantém o padrão de vida difícil, mas com dignidade em torno do salário mínimo corrigido historicamente né, tivemos inclusive uma ampliação do valor do salário mínimo nos últimos quinze anos. Houve um aumento acima da inflação e isso repercutiu positivamente com as aposentadorias e com as pensões de uma forma geral. Com a PEC 55, antes 241 não haverá mais a relação do benefício da aposentadoria com a remuneração do trabalhador da ativa. E é importante destacar que no caso de servidores públicos mesmo aposentados antes de 2003, também não terão mais vinculação da sua aposentadoria com a remuneração dos trabalhadores da ativa. Ou seja, o princípio funcional da paridade entre ativos e aposentados desaparece com a PEC.

Segundo ponto importantíssimo é que com a PEC 55 seguramente não teremos mais um sistema único de saúde universal. Já em diversas ocasiões o próprio ministro da saúde sugeriu que a universalidade não caberá no orçamento do SUS, portanto seria melhor um plano simplificado para uma parte da população. Ou seja, quebrarmos o princípio da universalidade altera toda a lógica de política de saúde. E sobretudo será uma medida que vai penalizar árdua e duramente todo o conjunto da população, da juventude, dos trabalhadores, enfim das trabalhadores mulheres que precisam do Sistema Único de Saúde. E temos convicção com todas as dificuldades que temos no SUS, ainda logramos condições muito interessantes e positivas com a existência do SUS.

Um terceiro ponto que é fundamental que a sociedade conheça, diz respeito ao futuro da educação. Os defensores da PEC afirmam permanentemente que a PEC não alterará o investimento em educação e saúde. Essa argumentação ela não se sustenta na vida real. Com a PEC 55 nós vamos ter uma redução por ano das despesas primárias da ordem de 0,5 a 0,8 por cento do PIB. Para que fique bastante preciso pra todos os que estão acompanhando essa entrevista. Hoje o país gasta vinte por cento do PIB, o equivalente a vinte por cento do PIB, com as chamadas despesas primárias; educação, saúde, seguridade, infraestrutura, etc. Se nós tivermos uma redução entre 0,5 e 0,8, num prazo de dez anos nós teremos reduzido as despesas primárias em cinco a oito por cento. Mesmo que seja em torno de cinco por cento, significa que nós teremos apenas quinze por cento do PIB pra todas as despesas primárias. Ora, o Plano Nacional de Educação prevê dez por cento do PIB para os gastos com a educação. Considerando que os Estados e Municípios não podem mais ampliar os recursos para educação, todos estão acompanhando a situação do Rio de Janeiro, Minas, Rio Grande do Sul, enfim todos os Estados da Federação, estão com muita dificuldade. Inclusive em virtude da estrutura tributária do país, é forçoso reconhecer que o país não alcançará os dez por cento do PIB, e ao contrário, nós teremos diminuição em relação aos recursos atuais que estão sendo destinados à educação pública da ordem de cinco por cento do PIB. Então vai haver uma compressão do Estado, um sufocamento dos gastos públicos que seguramente repercutem na Educação. E temas correlatos que são fundamentais pra Universidade como as políticas de Ciências e Tecnologia não terão nenhuma proteção também. Certamente teremos uma desvinculação dos recursos de educação e saúde que hoje estão assegurados pela Constituição Federal. E os ideólogos que estão elaborando essas medidas já não têm pudor e qualquer restrição à proposição de que o objetivo é acabar com a gratuidade nos estabelecimentos oficiais, iniciando pelas Universidades. Supostamente por que são instituições voltadas pra elite, obviamente hoje a Universidade Pública brasileira não é uma instituição de elite, 63 por cento de seus estudantes tem renda per capita familiar de até R$1500,00. Então, não há qualquer suporte, qualquer argumento que permita concluir que a Universidade Pública hoje é uma instituição pras elites. Ao contrário, com essa medida nós vamos ter um quadro social extremamente grave que seria justamente a retirada de uma conquista social importante que foi conquistada nos últimos anos que vem das políticas de cota, das políticas de favorecimento e fortalecimento da educação pública, e todas essas medidas terão retrocessos muito graves.

É importante destacar que depois que foi votada na Câmara a PEC 241, a PEC 55 piorou o texto da Câmara. Primeiro porque não temos mais um teto pros gastos, teremos um novo subteto. Vou explicar, a PEC 241 estabelecia que o teto de gastos se estabelecia pelo orçamento aprovado na LOA pra Saúde, Ministério da Ciência e Tecnologia etc. A nova versão a PEC 55 não é mais com o que foi votado na LOA, o orçamento, mas sim o dinheiro que foi liberado. Ora todos nós sabemos que nos últimos anos os orçamentos estão sendo fortemente contingenciados, então o teto na realidade é um orçamento contingenciado. A PEC 55 na realidade criou um subteto. E tem aspectos que são muito reveladores da natureza dessa medida, como por exemplo o fato que o Legislativo e o Judiciário poderão ultrapassar o teto por três anos desde que o que for ultrapassado do teto do Judiciário e do Legislativo seja custeado pelo Executivo. Portanto, o poder Executivo vai pagar o excesso de gastos que o Judiciário e o Legislativo terão pelo prazo de três anos. Em suma, tudo isso está indicando uma situação de mudança do Estado que nos colocara numa situação, isso eu creio que é um argumento muito importante, é um argumento muito decisivo para se pensar o que está em curso, voltaremos a uma situação pré-1988. As conquistas sociais que estão materializadas, consignadas na Carta de 88 serão derrubadas e o país voltará ao padrão de acumulação existente no período anterior à 88. E para os jovens, o período anterior à 88 corresponde ao período da Ditadura Empresarial Militar. É isso que está em jogo.

*Roberto Leher é biólogo, pedagogo, professor e o atual reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

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  1. Avatar

    Meu protesto a PEC da Morte
    Outro dia Eles chegaram
    E não foram convidados
    Uns de nós pediram
    Outros não gostaram.
    Noutro dia eles já se sentem em casa
    Tropeçam em nossos móveis
    Falam sem nos olhar nos olhos
    Riem da nossa cara.
    Ontem aprovaram a Pec55
    Sem consultar o povo
    Fizeram acordos sombrios
    Será um tipo de Ai5?
    Hoje eles planejam as amarras
    As mordaças e o chicote
    Não lhes basta o dinheiro
    Querem o nosso cangote.
    Agora eles nos expulsam de nossa casa
    Reviram nossos pertences
    Cuspem no nosso chão
    Rasgam a Constituição.
    Amanhã o que nos reserva?
    Pense pense pense pense!
    Alguém teve alguma idéia?
    Funcione Mente!
    Katia Torres

  2. Avatar
    Pietro Monteiro says:

    Na verdade, o que vai acontecer é um aumento no investimento em Educação. Hoje, o que se utiliza dos recursos (10% citados no vídeo), é o mínimo estipulado e não chega perto do que pode ser utilizado para tal. A PEC não divide porcentagem para investimentos em Saúde e Educação.
    Entendendo que o vídeo e o site apontam o desejo de uma não-execução do Projeto, quais são algumas alternativas para substituir a medida? Alternativas reais, sem falar sobre diminuição do salário dos Deputados, Senadores e Ministros (porque isso dificilmente seria aprovado).

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