Brasil

Uma infância confiscada pela ditadura militar


Quando cheguei, fui recebido com um café fresquinho e logo pude identificar a inconfundível voz do cantor cubano, Carlos Puebla. Com um sotaque arrastado para espanhol, mesmo vivendo no Brasil há mais de 20 anos, Zuleide Aparecida do Nascimento me recebeu em sua casa em Osasco, região metropolitana de São Paulo.
Aposentada, Zuleide leva uma vida tranquila junto com Henrique, seu filho de 14 anos, que, interessado por fotografia, acompanhou toda entrevista ao lado da câmera. Leciona aulas de espanhol em uma escola perto de sua casa, e, quando tem um tempo livre, gosta de ir ao cinema e de dançar, desde salsa até forró e sertanejo.
Apesar de parecer levar uma vida tranquila, Zuleide guarda um passado que poucos conhecem: aos quatro anos de idade foi presa pela ditadura militar, taxada de subversiva e obrigada a deixar o país junto com seus irmãos e sua avó, também conhecida como “A Tia”, que participava da guerrilha fazendo roupas e comida para os rebeldes .
Ficou quinze dias presa dentro de um quarto em uma casa desconhecida junto com seus irmãos. Ela não se recorda muito do que aconteceu naqueles dias, mas lembra do tratamento que recebeu enquanto ficou presa: “Uma senhora levava comida e água, trancava a porta e sumia”.
Em seguida, foi encaminhada ao Juizado de Menores, onde passou um mês, quando foi envolvida na troca de presos políticos trocados pelo embaixador alemão Ehrenfried Anton Theodor Ludwig von Holleben, que foi sequestrado.
Passou um mês na Argélia e foi encaminhada para Cuba, onde viveu por 16 anos e teve a oportunidade de ser criança, como ela conta: “nós éramos crianças, mas não sei de que forma entendíamos aquela situação. Com quatro anos de idade me escondia atrás da porta com um pau na mão. Quando cheguei a Cuba tive todas as condições para ter uma infância, foi um alívio depois de tudo que eu passei”.
Proibida de regressar ao Brasil, se formou no ensino básico público cubano, criou laços de amizades e, ao lado da avó e dos irmãos, teve a oportunidade de recomeçar a vida que tinha sido roubada, uma infância que tinha sido adiada.
Regressou ao Brasil em 1986 com a esperança de encontrar um país mais justo. “As notícias que chegavam era do surgimento do PT, da CUT, aquele levante, e eu pensei que a revolução estava acontecendo, mas estou chorando desde o impeachment da Dilma. Como um ser humano pode sentir duas vezes a mesma situação? A vestimenta é diferente, mas é a mesma situação! Eu estou sofrendo de novo por um golpe!”.
Hoje, ainda com o coração dividido entre Cuba e Brasil, ela não se conforma com a atual situação política e social do Brasil e continua na rua, protestando, mas acredita que a história da ditadura militar está esquecida, e que se antes o golpe era escancarado, hoje é travestido pela legalidade. “Eu sofri, fui perseguida porque meus pais ousaram lutar contra a ditadura e essa é uma história que fica escondida e a sociedade não sabe o que aconteceu. Realmente existiu a ditadura, massacres em ordem de defender a pátria, mas houve também a resistência contra ela!”.

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  1. Avatar

    Ela tem razão , a esquerda ficou acomodada e deixou de lado a luta de classes , sendo assim ficou muito parecida com a direita e os fascistas perceberam isso, o PT deixou de fazer a regulação da mídia e deu espaço para o a maior inimiga que o povo brasileiro tem que é a famigerada Rede Globo, o erro da esquerda foi subestimar essa horda de fascista que são a elite brasileira , não há conciliação com essa gente , eles não querem largar um osso de 518 anos.

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