Raimundo Rodrigues Pereira e Rogério Pacheco Jordão – Nocaute https://controle.nocaute.blog.br Blog do escritor e jornalista Fernando Morais Thu, 04 Jun 2020 23:22:21 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=5.4.2 https://nocaute.blog.br/wp-content/uploads/2018/06/nocaute-icone.png Raimundo Rodrigues Pereira e Rogério Pacheco Jordão – Nocaute https://controle.nocaute.blog.br 32 32 [ESPECIAL] A polícia que mais mata: Finalmente, chegamos ao que chamamos de “local do crime” – Capítulo 4 https://nocaute.blog.br/2020/06/04/especial-a-policia-que-mais-mata-finalmente-chegamos-ao-que-chamamos-de-local-do-crime-capitulo-4/ Thu, 04 Jun 2020 22:56:45 +0000 https://nocaute.blog.br/?p=66748 É terça-feira, 26 de maio, último dia de nossa reportagem no Alemão. Estamos no final da rua Guadalajara, esquina com uma ruazinha curta chamada Mexicale. Para um morador do local, que está ali há décadas, a viela que dá continuidade à Mexicale ainda faz parte da rua.

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É terça-feira, 26 de maio, último dia de nossa reportagem no Alemão. Estamos no final da rua Guadalajara, esquina com uma ruazinha curta chamada Mexicale. Para um morador do local, que está ali há décadas, a viela que dá continuidade à Mexicale ainda faz parte da rua. Ele nos mostra buracos de bala nas paredes de uma das casas da esquina para confirmar que, sim, ali ocorreu um tiroteio pesado. A casa do outro lado tem três pisos e está em construção. Tem uma placa: “Vende-se”. Estivemos neste local muito rapidamente na sexta, dia 22, como já dissemos anteriormente nesta série, em busca do chamado local do crime, onde teria ocorrido a chacina na qual morreram pelo menos dez pessoas.

3) Esta é uma imagem de satélite, do Alemão de hoje. No centro da imagem está uma espécie de retângulo, com um contorno azul de ruas regulares: é o Loteamento, no qual se pode ver, inclusive, na sua parte norte, um retângulo preto, que é o campo de futebol ao lado da casa do Diminho. A direita e à esquerda dessa área organizada estão as duas grandes favelas, a Nova Brasília e a Parque Alvorada.

Depois de tentativas na quarta, 20, e na quinta, 21, também como já dissemos “meninos” tinham nos prometido, depois negado, “autorização” para subir a pé pela Guadalajara. Na quinta à noite subimos pela Guadalajara usando o street view do Google Earth, o mecanismo de busca da gigante da internet que disponibiliza, além de imagens de satélite das ruas desse nosso insensato mundo, imagens feitas do chão, do piso das vias. E nos dá também, de tempos em tempos, a altura do piso da rua em relação ao nível do mar. Por essas informações, percebemos que a Guadalajara é uma espécie de linha demarcatória, uma rua digamos assim, normal, que cerca pelo leste a enorme favela Nova Brasília.

De nossas viagens pelo Alemão, e com nossos mapas, percebemos que poderíamos chegar ao final da Guadalajara pelo lado oposto ao usado na caminhada detida pelos “meninos”: a partir do norte, pela Rua Nova, que aparece como o limite da favela Nova Brasília na sua parte alta. E foi o que fizemos na sexta, 22. Saímos da Itaoca pela Estrada  do Itararé, que leva à Penha e deixa a Serra da Misericórdia à esquerda logo adiante. Antes entramos, também à esquerda, pela rua Nova, em direção à estação Itararé. Já no alto paramos numa delegacia, a 45a delegacia de polícia civil do Rio de Janeiro. O delegado que nos atendeu, quando lhe explicamos que buscávamos o local onde teria havido o confronto mais pesado da quinta feira 15, nos disse que estávamos no rumo certo. Era seguir em frente e, mais adiante, na descida, a partir de uma segunda pracinha do caminho acharíamos o tal local.

A essa altura contratamos como guia um mototaxista do lugar que, para nossa sorte, sabia exatamente onde tinha ocorrido o grande tiroteio da manhã do dia 15 e disse que poderia nos levar inclusive à casa do famoso Diminho, que moraria bem perto. Só será melhor, se for verdade, pensamos.

O mototaxista nos levou da rua Nova  por uma ruazinha curta, chamada Travessa Mexicale até o final da rua Guadalajara. No mapa, a Mexicale é o extremo norte de um conjunto que nas fotos aéreas e nos mapas da região se destaca por seu formato retangular, de ruas certinhas, ao contrário do arruamento das favelas, e é chamado pelos moradores da região de Loteamento. Todas as suas ruas e travessas têm nomes mexicanos. As ruas – Guadalajara, Monterrey, Yucatan e Guanajuato – se sucedem nessa ordem numa espécie de descida para o fundo do vale que separa os morros das duas estações: o do Itararé e da Favela Nova Brasília e o das Palmeiras e das favelas Nova Alvorada e Fazendinha. Nesse Loteamento pelo noticiado nos jornais e da internet, ocorreram 4 das 10 mortes.

Na nossa incursão do dia 22 um morador tinha nos dito ter visto três corpos na laje de um prédio em construção na entrada do beco. Imaginamos então que os tais corpos poderiam ser de três dos cinco que a polícia disse ter levado para o hospital no dia 15. “E os outros dois?” perguntamos então. “Estavam ali em baixo” ele respondeu. E imaginamos que esses dois estavam na mesma construção e que com os outros três tinham sido os levados pelos policiais, conforme a nota  do porta-voz da PM já citada. E os outros cinco que moradores levaram até a esquina da Guadalajara com a avenida Itaoca,  na parte baixa do Alemão, seriam de áreas próximas.

Do beco da Mexicale com a Guadalajara, o mototaxista nos levou no dia 22 ao que seria a casa do Diminho, tido como o chefão da droga. Era uma casa grande, alta, com três pavimentos. Fica ao lado do Campo do Loteamento, uma area para futebol: não futsal, futebol mesmo, área grande, com grama sintética, nos disse o guia. Evidentemente, se a polícia investigava – e há oito meses – a vida do tal Diminho, sabia onde ele morava. Nós, mal chegados no Alemão, já sabíamos.

Era uma conclusão espantosa. Por que a polícia teria feito uma operação espetacular, anunciando que buscava o chefe da droga no Alemão se ele tinha uma casa de endereço sabido até por jornalistas novatos no pedaço como nós?

A casa que o mototaxista nos apresentou seria mesmo do tal Diminho? Hoje, 26, quando encerramos nossa investigação jornalística, quatro dias depois da nossa “descoberta” ficamos na dúvida. No dia 22 passamos pelo local meio assustados e apressadamente. Por isso, voltamos. Para, como diz parte do mote da polícia, uma checagem (deixamos o vasculhamento de lado). Voltamos ao beco da aparente entrada da Mexicale no final da Guadalajara. Da viela, de um dos pisos da construção na entrada do beco, a polícia levou três feridos? O morador entrevistado hoje, terça 26, nos confirma o que foi dito por outro morador na nossa passagem por aqui, na sexta, 22.

Em seguida fomos em busca da confirmação de que a casa, na rua Yucatan, duas ruas abaixo da Guadalajara, ao lado do campo de futebol de grama sintética, no chamado Loteamento, de fato era do Diminho. Descemos do final da Guadalajara pela Mexicale, entramos pela Yucatan, passamos da casa de três piso á direita e logo em seguida, antes do campo de futebol vimos uma entrada lateral larga, usada aparentemente para encontros. No muro dessa entrada, no lado oposto à da parede lateral da casa está pintada uma cena com uma imagem do busto do Diminho e uma inscrição que o recomenda para o reino dos céus. No local, uns dez rapazes nos ouvem falar de nosso propósito, como jornalistas, de construir uma versão mais verdadeira dos fatos já narrados, a nosso ver de modo torto, pela polícia. Dissemos também que nossa ideia era conversar com a mulher do Diminho, cujo nome vimos na internet, nos muitos votos de condolências para ela, de pessoas que se diziam amigas do casal. Nenhum dos presentes nos disse nem sim, nem não. E nos retiramos, dando nossa versão de fatos básicos e estranhos dessa história como confirmados. Ou seja: a polícia, por método ou por incompetência, não prendeu Diminho seguindo os protocolos da lei indo à sua casa com mandado de prisão etc. Deveria saber que ele não estava ali, mas por perto. Por isso saiu dando um bordejo, como se diz? A sua operação dita como de checagem e vasculhamento era também de busca e destruição. A presença do Bope era para garantir o sucesso de operação desse tipo; era para atrair os “bandidos”? A postagem de um vídeo, aparentemente por admirador do Dilminho, na sexta, 15, dia da operação, tem uma música de 29 segundos que diz:

“Quer adiantar confronto / vem/ Mas não fica de bobeira/ os pitbul do Oliveira/ tão soltinho da coleira/ o M18 está na reta/ Com carregador de 100”.

Ou seja, Diminho tinha os seus soldados. Eles perceberam que a polícia queria o confronto. E podem ter topado a parada. Do lado da polícia, dizemos nós, como não se tratava de uma operação policial, mas do que o governo considera uma “guerra contra as drogas e o crime”, guerra é guerra, não tem essa de seguir os protocolos, é na base do vale tudo. A polícia não isolou os locais onde ocorreram os confrontos que levaram às dez mortes: no seu comunicado ao público, descreve um clima de guerra com granadas e tiros que dispensaria essas formalidades e, aparentemente, de fato ocorreu. Uma pesquisa rápida pela internet nas informações que a população colocou  desde bem cedo para avisar do trajeto do Bope e seu “caveirão” mostra que uma dessas viaturas passou pela travessa Durango do loteamento próximo à casa do Diminho, bem cedo. Diálogo entre dois  moradores pelo site do Voz da Comunidade, uma associação social local, nesse horário: “O caveirão esta aqui na rua Durango, neste momento. Cuidado, gente”. A Durango é uma travessa que une a Guanajuato à Yucatan, a rua na qual fica a casa que nos foi mostrada como a do Diminho e que acreditamos seja, de fato dele. “Ainda?”, pergunta o outro. “Desceu agora,” responde o primeiro.

A polícia apreendeu os cadernos de contabilidade de Diminho, revelou o jornal O Globo: ele teria muito dinheiro, movimentara 5 milhões de reais em seis dias úteis de maio até a quinta, véspera de sua morte. A defensoria pública do estado, acha – com razão, como mostramos no capítulo 1 de nossa história – que a polícia do Rio mata gente demais. No caso, além disso, essa polícia atraiu uma moçada,  com uma excursão inventada, com um trajeto estudado de modo a atrai-los, para matá-los? Ela não deve tem autorização legal para esse tipo de prática, é certo. Mas lembramos que na primeira guerra do Alemão a polícia obteve na justiça um tipo mandado de busca e apreensão coletivo. Uma polícia com disposição para matar bandidos sempre acha um juiz disposto a criar a autorização legal adequada.

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[ESPECIAL] A polícia que mais mata: O orgulho dos meninos do Alemão e suas credenciais – Capítulo 3 https://nocaute.blog.br/2020/06/03/especial-a-policia-que-mais-mata-o-orgulho-dos-meninos-do-alemao-e-suas-credenciais-capitulo-3/ Wed, 03 Jun 2020 23:07:09 +0000 https://nocaute.blog.br/?p=66682 Começamos nossa investigação na segunda-feira, dia 18, pelo Complexo da Penha, na face norte da Serra da Misericórdia. Por ali, em fins de novembro de 2010, no final do segundo governo Lula começou o que seria a primeira grande guerra de combate ao comércio de drogas e à violência na região, realizada em conjunto por forças do Exército, da Marinha e das polícias do Rio.

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Começamos nossa investigação na segunda-feira, dia 18, pelo Complexo da Penha, na face norte da Serra da Misericórdia. Por ali, em fins de novembro de 2010, no final do segundo governo Lula começou o que seria a primeira grande guerra de combate ao comércio de drogas e à violência na região, realizada em conjunto por forças do Exército, da Marinha e das polícias do Rio.

2) Este é um detalhe do mapa mais recente e mais detalhado que usamos na reportagem. Nele aparece o Loteamento, com todas as suas ruas nomeadas, inclusive a Guadalajara e a Tv (de travessa) Mexicale de cujo encontro sai o beco no qual ocorreram três das mortes da sexta, dia 15. A Praça do Conhecimento e as duas estações, do Itararé e das Palmeiras, estão improvisadas no mapa pelos repórteres. Na avenida Itaoca, uma seta indica o ponto onde foram colocados, pelos moradores, mais cinco mortos.

Na época, comentaristas menos avisados, num auge de entusiasmo, saudaram a operação como uma espécie de libertação do povo da área, comparando a derrota dos traficantes à dos nazistas, na libertação de Paris pelas forças aliadas, no final da II Guerra Mundial. Nossa narrativa da época começa na Vacaria, uma espécie de várzea entre o Parque Proletário da Penha e a Serra da Misericórdia. Conta o episódio da morte e do enterro de um menino, um “soldado do tráfico”, como se diz, que fugiu quando as Forças armadas invadiram o bairro, usou uma escada para escalar o muro que separa a rua de moradores da área de mato da Serra e foi alvejado pelas costas pelos seus perseguidores, da força conjunta invasora. As Forças Armadas decretaram o bloqueio da região, uma tia do menino implorou para que a deixassem entrar para pegar e enterrar o corpo e só obteve a autorização dois dias depois, quando porcos e urubus já o tinham mutilado.

Nesse nosso novo capítulo das guerras do Alemão, desde o primeiro dia da nossa investigação, a segunda-feira, 18,, começamos a perceber que a grande “limpeza” feita no final de 2011 para “libertar” seu povo do tráfico e da violência, não tinha funcionado. Muitas áreas ainda são controladas pelos traficantes. Barras de ferro estão enterradas nas ruas para impedir o tráfico em velocidade maior. Deve-se dirigir com o pisca-alerta ligado, como nos foi recomendado por moradores. Isso serve para avisar aos donos do pedaço, chamemos assim, de que estávamos em missão de paz. E nas várias conversas para esta reportagem, em três delas, meninos, em torno de 15 anos diríamos, portavam o que nos pareceram rifles de repetição. E pelo menos numa dessas ocasiões, percebemos o que pode ser um certo orgulho nesses meninos, de serem de onde são. Na Fazendinha, numa banca com quatro deles, onde fomos pedir informações e um mototaxista, o aparente líder do grupo nos interrompeu quando começávamos a fazer perguntas, dizendo: “Isso aqui é o Alemão, moço”. Como que sugerindo: “aqui é o nosso pedaço, não é lugar para ficar respondendo a perguntas de estranhos”. Chamou o motoboy que levou o repórter para a Praça do Conhecimento, como ele lhe havia pedido.

Na abertura do capítulo 1 de nossa história dissemos que o teleférico unia as estações no alto dos morros do Complexo do Alemão. Unia, porque não une mais: instaladas a partir de 2012, as cinco estações foram desativadas há quatro anos, porque suas receitas, com o movimento de turistas e moradores, segundo o governo do estado, não cobriam mais do que 10% de seus custos. Por sua vez, a Praça do Conhecimento, que fica como que no pé da Favela Nova Brasília e é onde começa este penúltimo capítulo de nossa história, é parte do projeto de recriação do Alemão após a prevista “limpeza” com o afastamento dos “bandidos” do final de 2011. O governo programou para a área oito Unidades de Polícia Pacificadora, nome escolhido para significar que se buscava um novo tempo. A polícia viria para pacificar, não no velho estilo de atirar primeiro e perguntar depois. Duas UPPs foram inauguradas no Alemão em medos de 2012. E ainda em dezembro de 2011 foi inaugurada a Praça do Conhecimento, com um cinema e uma  grande construção que abrigaria equipamentos para aprendizado das técnicas da informática e atividades culturais patrocinadas pelo governo do Estado. O projeto das UPPs não funcionou. Muitas foram criadas e depois desativadas. A Praça do Conhecimento serve para vários outros fins comerciais, que não vamos detalhar. Como centro de renovação da cultura local para combater a cultura da violência e do comércio de drogas, está desativada, é nossa conclusão.

Nossa primeira ida à praça foi na terça, 19. Uma informação dos jornais do fim de semana anterior dizia que, para a incursão policial do dia quinze, cujos disparos começam a ser ouvidos por moradores a partir das seis da manhã, soldados teriam passado a noite na Unidade de Polícia Pacificadora das Palmeiras. É uma construção moderna, destacada, ao lado da imponente estação Palmeiras do projeto do Teleférico. Tentamos falar com o primeiro policial fardado que encontramos mas foi em vão. Queríamos saber os locais nos quais teriam acontecido os confrontos que o noticiário sugeria e ele, que evidentemente não queria nos dar informação alguma, disse que tínhamos perguntado uma coisa muito mais ampla, queríamos saber “o que tinha acontecido no Complexo do Alemão”. Houve um curtíssimo bate boca porque o repórter que fez a pergunta disse que tinha 55 anos de jornalismo e seria absurdo ter feito a pergunta que nos atribuiu. Mas logo fomos perguntar em outras freguesias, depois de saber, de um segundo policial que nos atendeu, que a UPP se transferiu para a estação do teleférico há algum tempo.

Das Palmeiras descemos para a Fazendinha ao norte da estação, em busca da Associação dos Moradores da Fazendinha, da Favela Alvorada e da Favela Nova Brasília. A associação fica ao lado do “Campo do Seu Zé”, uma área cercada para futebol. Não havia ninguém a aquela hora, nove da manhã na sede da associação. E, a poucos metros dali acabamos chegando à banca com os quatro meninos que batizamos, algumas linhas atrás, como representantes do “orgulho alemão”, e que nos levou ao mototaxista com o qual chegamos à praça do Conhecimento.

Na praça, numa banca, perguntamos a um casal de jovens mascates se a polícia tinha tido um grande confronto com bandidos ou se, de fato, como imaginávamos então, tinha saído com uma lista de endereços para uma operação do tipo “busca e destruição” na qual teriam ocorrido as treze mortes. O mais velho nos disse, apontando para uma parede de loja numa esquina. “Quer saber o que aconteceu no Alemão? Veja aquele bagulho laranja pregado ali”. Vimos. Estava escrito no “bagulho laranja”, um cartaz: “A guerra do governo não é contra o vírus. É contra o povo. Deixe aqui a sua indignação”.

Voltamos à Praça na quarta, dia 20, depois de estudar nossos mapas e de pesquisar na internet as publicações dos moradores sobre a incursão da polícia no dia 15. Os mapas são antigos e, no mais detalhado que parece ser o mais recente, aparecem a Favela Parque Alvorada, a Favela Nova Brasília e a rua Nova Brasília que dá na Praça, como descobrimos a pé, descendo por ela até a Avenida Itaoca, já citada, que fica na parte baixa do Alemão. Mas a rua Nova Brasília termina e a praça não consta.

Mas, nesse mapa está também, partindo da Itaoca, para o alto, um conjunto de ruas que depois viríamos a saber que se chama Loteamento e que terá um papel destacado na nossa versão da história sobre a operação do dia 15. Esse Loteamento sobe da avenida Itaoca, logo em seguida á rua Nova Brasília, vai para a parte alta Alemão, passa perto da Praça do Conhecimento e no mapa termina tendo do lado leste a Favela Nova Brasília, que desce do morro onde fica a estação Itararé e do lado oeste, depois de um vale, a Favela Parque Alvorada que desce do morro onde fica a estação Palmeiras. Ainda tínhamos na cabeça a ideia de que a operação da sexta teria sido do tipo “busca e destruição” para atacar traficantes em locais já investigados e conhecidos pela polícia. E vimos pelo estudo de nossos mapas já velhos, que não conhecíamos a praça direito. Fizemos um esboço dela no seu ponto final e voltamos para lá na quarta-feira, dia 20 para conhecer melhor o local.

Se não tinha havido um grande confronto, como era então a nossa hipótese, queríamos achar pelo menos algum ponto no qual tivesse ocorrido algum dos muitos confrontos menores. A Praça do Conhecimento, sabemos agora, é uma espécie de parada a partir da qual, para o alto, termina o planejamento urbano e começa a favela Nova Brasília, a partir dos anos 1960, logo após a inauguração de Brasília. Da praça saem, para o norte, as quatro vielas que formam a estrutura básica de arruamento da favela – Vista Alegre, Santa Catarina, Alto da Boa Vista e Santo Antônio, segundo informou um morador. Para subir pelas escadarias das vielas da Praça até a rua da estação Itararé que é o final de todas elas, são mais de quinhentos degraus, disse um morador antigo.

E logo a seguir, com um outro morador, quando perguntamos sobre locais do confronto da sexta dia 15, ele foi enfático. “Se o senhor quer saber de onde vieram os mortos, suba por aquela rua ali” e apontou para uma saída da praça, a oeste, para onde nos dirigimos imediatamente, animados.

A rua, viemos descobrir, depois, ao final de nossa reportagem, é a Guadalajara, a última do Loteameno, no lado leste. Na sua parte baixa, na esquina dela com a avenida Itaoca está o ponto no qual moradores, carregando em lençóis, depositaram, na tarde de sexta-feira, os corpos de cinco mortos, além dos cinco que a polícia diz ter “encontrado” feridos no seu comunicado divulgado após a operação.

Saindo da praça como indicado pelo morador se chega a uma farmácia. A moça que nos atende confirma que no alto da rua de fato houve um confronto. E subimos, a pé. A subida é relativamente íngreme. Tendo subido perto de 200 metros aproximadamente, vimos um menino que nos fez sinal para parar. Ao lado dele vimos outro menino com um fuzil de repetição, deduzimos. Apresentamos nossos documentos de jornalista, dissemos o que queríamos, eles consultaram alguém por telefone e nos disseram para voltar à praça onde seríamos atendidos por outra pessoa que se identificaria. Voltamos à praça demos uma volta, a certa altura vimos um rapaz que exibia uma arma como a dos meninos da subida, que nos pareceu um cartão de identidade, e fomos conversar com ele. Ele pegou as credenciais, fotografou. Falou com alguém que imaginamos ser um superior dele. E disse que alguém nos veria no dia seguinte, ao meio dia, nesse mesmo lugar onde ele tinha nos recebido.

Como combinado, no meio dia da quinta estávamos lá. Depois de espera de uma hora, a decepção: o rapaz que chegou e nos atendeu naquela “lojinha de negócios”, digamos assim, para simplificar, disse que não nos levaria ao local que pretendíamos. E que os “amigos” queriam esquecer o que tinha acontecido e não me ajudariam. Reclamar, com quem? Como se diz: com o bispo. Mas não foi o nosso caso.

Eles não contavam que nós teríamos a ajuda da internet e de outros meios para fazer o percurso que pretendíamos. É o que contaremos no último capítulo.

Ilustação: Fernando Carvall

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[ESPECIAL] A polícia que mais mata: Ela diz que foi apenas “checar e vasculhar” – Capítulo 2 https://nocaute.blog.br/2020/06/02/especial-a-policia-que-mais-mata-ela-diz-que-foi-apenas-checar-e-vasculhar-capitulo-2/ Wed, 03 Jun 2020 00:06:29 +0000 https://nocaute.blog.br/?p=66606 É sexta-feira, 22 de maio. Estamos no Rio de Janeiro, zona norte, no chamado Complexo do Alemão, área com cerca de 70 mil moradores, uma das mais pobres da cidade. Mais precisamente, estamos entre as duas últimas estações do teleférico que unia a ferrovia Central do Brasil, em Bonsucesso, aos pontos mais altos da região: os morros do Adeus (131), da Baiana (72), do Alemão (167), do Itararé (98) e das Palmeiras (126). Os números entre parênteses são, em metros, as alturas desses morros em relação ao nível do mar.

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É sexta-feira, 22 de maio. Estamos no Rio de Janeiro, zona norte, no chamado Complexo do Alemão, área com cerca de 70 mil moradores, uma das mais pobres da cidade. Mais precisamente, estamos entre as duas últimas estações do teleférico que unia a ferrovia Central do Brasil, em Bonsucesso, aos pontos mais altos da região: os morros do Adeus (131), da Baiana (72), do Alemão (167), do Itararé (98) e das Palmeiras (126). Os números entre parênteses são, em metros, as alturas desses morros em relação ao nível do mar.

1) Este é um mapa antigo, de antes dos anos 1960. As atuais favelas Nova Brasília e Alvorda são ainda projetos dos loteamentos NOVA BRASÍLIA E PARQUE ALVORADA. O projeto do que é hoje o Loteamento, local de grandes confrontos na chacina do Alemão é ainda uma reserva, dentro de uma linha pontilhada, entre esses dois projetos, acima da Avenida Itaoca.

Entre as estações do Itararé e a das Palmeiras buscamos a parte mais pobre dessa área pobre: a região das favelas Nova Brasília, Alvorada e Fazendinha, vielas de becos e casas de pedra, tijolo e concreto pregadas nos morros. Nessa área, há exatamente uma semana, na sexta dia 15, dez pessoas foram mortas num confronto com a polícia. O número de mortos pode ser maior: 13, disseram manchetes de jornal do sábado, dia 16. Na quinta, 21, a polícia divulgou uma lista com os nomes de 11 mortos. Queremos saber onde e como as mortes ocorreram.

Por que essa busca? Porque a história contada para explicar essas mortes, em comunicados oficiais e através de entrevistas de dirigentes da polícia aos jornais, não convence. O que diz a polícia?

A assessoria de imprensa da Polícia Militar disse em nota, na sexta 15, que as mortes estavam ligadas a uma incursão conjunta do Bope, seu Batalhão de Operações Especiais, com a Desarme, Delegacia Especializada em Armas, Munições e Explosivos. O objetivo da incursão seria  “checar denúncias sobre o paradeiro de um criminoso apontado como liderança do tráfico de drogas local e verificar informações sobre a localização de uma casa usada como esconderijo de fuzis na comunidade”. Diz ainda a nota: “Durante a movimentação dos policiais pelas comunidades Nova Brasília e Fazendinha, criminosos armados atiraram e lançaram diversas granadas contra as equipes do BOPE em diferentes pontos da comunidade. Houve reação aos ataques feitos pelos criminosos nestes locais e ocorreram múltiplos confrontos, o que dificultou o vasculhamento em algumas áreas. Na ação, oito fuzis foram apreendidos e cinco criminosos foram encontrados feridos. Também houve apreensão de 85 granadas e entorpecentes”.

A polícia disse também que os cinco feridos foram levados a um hospital na Penha, onde vieram a falecer. E disse ainda que na tarde da mesma sexta, cinco pessoas mortas foram trazidas por moradores da área onde ocorreram os confrontos e deixadas na Avenida Itaoca, uma das principais do Alemão, que fica na parte baixa ao sul da linha do teleférico. Como as autoridades explicam essas outras cinco mortes? O coronel Mauro Fliess, porta-voz da PM, diz que as equipes ficaram reduzidas quando os primeiros cinco baleados começaram a ser transportados. “Com isso, quem ficou para trás acabou não conseguindo chegar aos demais baleados. Eram muitos tiros, granadas sendo lançadas pelos próprios comparsas. Havia a noção de que poderia haver mais feridos, mas as equipes não conseguiam alcançar os locais onde eles estavam, porque havia reação”. E “com a equipe menor não havia como chegar aos tais locais”, disse o coronel.

As explicações da polícia esbarram em alguns fatos e também têm algumas contradições. A operação é definida como de checagem e vasculhamento. Pode ser que isso tenha sentido no jargão policial. A nosso ver, em bom português, checar é uma coisa, vasculhar é outra, muito diferente. Checar se pode fazer à distância ou com grampos, infiltrações e outras técnicas menos invasivas. Vasculhar já é mexer em tudo, significa não deixar pedra sobre pedra sem exame. Para checar não é necessário colocar na rua dois carros blindados – dois caveirões, como os batiza a população, em sua sabedoria – e uma tropa de algumas dezenas de policiais. Além do mais, porque a operação, diz a polícia, era o resultado de “80 dias” de investigações. Depois de tanto tempo investigando, porque a tropa não saiu com objetivo mais preciso e sim para “vasculhar” diversos lugares?

A nota não diz o nome do chefe do tráfico da área do Alemão, mas a polícia já o sabia, com certeza. Sua ficha, como procurado pela polícia por tráfico de drogas, está na internet: Leandro Nascimento Furtado, “vulgo Diminho”, ou “Oliver”, nome que se pode ver gravado nas armas apreendidas. Tinha 36 anos. Foi preso em 2008 por envolvimento com o tráfico de drogas. Solto em 2011, já em 2015 teve três mandados de prisão expedidos pela Justiça porque seria chefe do comércio de drogas no Parque Proletário da Penha, uma área próxima, na face norte da Serra da Misericórdia, em posição oposta à das favelas do Complexo do Alemão, do lado sul.

A nota da PM sugere que a operação não foi em busca de um local determinado. A tropa estaria se movimentando “pelas comunidades” nas suas atividades de checagem e vasculhamento quando teria sido atacada e teria reagido. Onde teriam ocorrido esses ataques? A nota oficial não diz: “Criminosos armados atiraram e lançaram diversas granadas contra as equipes do BOPE em diferentes pontos da comunidade”. Aqui a nota fala em comunidade no singular. Qual delas, qual das três citadas no início da nota atacou a tropa liderada pelo temido Bope, em algum dos diferentes pontos não definidos?

A nota diz também que “cinco criminosos foram encontrados feridos”. Não diz quem os feriu, embora, do contexto, a impressão que fica é a de que eles foram feridos pela polícia. Diz ainda que a polícia os levou a um hospital na Penha, onde morreram. E sugere que a polícia gostaria de ter carregado os outros cinco feridos na operação, feridos e possivelmente mortos por ela mesma. Esses foram localizados mortos no mesmo dia 15 e carregados pelos moradores para um local visível, o encontro de uma rua conhecida na área, a Guadalajara, com a avenida Itaoca, na parte baixa do Alemão.

Para agravar os problemas da versão oficial, o delegado Marcus Amin, chefe de uma das duas forças participantes da operação, a Desarme, destacou o que teria sido a tentativa de prisão, não do procurado Diminho, mas de Leonardo Serpa, vulgo Leo Marrinha, o líder do tráfico de drogas noutra região, no morro do Pavão Pavãozinho, na zona sul do Rio. “Uma equipe entrou na casa onde eles estavam, mas eles (Marrinha e um segurança) saíram pelos fundos, bateram com outra equipe, que fazia o cerco, trocaram tiros, se evadiram e foram encontrados no hospital. Tanto o Leo Marrinha quanto o segurança dele”.

Vejam bem: a polícia “encontra” cinco feridos; leva os cinco para um hospital; e encontra, no mesmo hospital, um chefão das drogas, o Marrinha, e seu segurança, que tinham se evadido do cerco da mesma operação dessa mesma polícia? Não faz sentido – é claro.

Nós estivemos, depois de algumas peripécias, como se verá, no local onde, tudo indica, a polícia matou ou de onde carregou para o hospital pelo menos três das cinco primeiras vítimas de sua operação “de checagem e vasculhamento”. E nossa história é outra.

Ilustação: Fernando Carvall

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