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[ESPECIAL] A polícia que mais mata: Finalmente, chegamos ao que chamamos de “local do crime” – Capítulo 4

É terça-feira, 26 de maio, último dia de nossa reportagem no Alemão. Estamos no final da rua Guadalajara, esquina com uma ruazinha curta chamada Mexicale. Para um morador do local, que está ali há décadas, a viela que dá continuidade à Mexicale ainda faz parte da rua. Ele nos mostra buracos de bala nas paredes de uma das casas da esquina para confirmar que, sim, ali ocorreu um tiroteio pesado. A casa do outro lado tem três pisos e está em construção. Tem uma placa: “Vende-se”. Estivemos neste local muito rapidamente na sexta, dia 22, como já dissemos anteriormente nesta série, em busca do chamado local do crime, onde teria ocorrido a chacina na qual morreram pelo menos dez pessoas.

3) Esta é uma imagem de satélite, do Alemão de hoje. No centro da imagem está uma espécie de retângulo, com um contorno azul de ruas regulares: é o Loteamento, no qual se pode ver, inclusive, na sua parte norte, um retângulo preto, que é o campo de futebol ao lado da casa do Diminho. A direita e à esquerda dessa área organizada estão as duas grandes favelas, a Nova Brasília e a Parque Alvorada.

Depois de tentativas na quarta, 20, e na quinta, 21, também como já dissemos “meninos” tinham nos prometido, depois negado, “autorização” para subir a pé pela Guadalajara. Na quinta à noite subimos pela Guadalajara usando o street view do Google Earth, o mecanismo de busca da gigante da internet que disponibiliza, além de imagens de satélite das ruas desse nosso insensato mundo, imagens feitas do chão, do piso das vias. E nos dá também, de tempos em tempos, a altura do piso da rua em relação ao nível do mar. Por essas informações, percebemos que a Guadalajara é uma espécie de linha demarcatória, uma rua digamos assim, normal, que cerca pelo leste a enorme favela Nova Brasília.

De nossas viagens pelo Alemão, e com nossos mapas, percebemos que poderíamos chegar ao final da Guadalajara pelo lado oposto ao usado na caminhada detida pelos “meninos”: a partir do norte, pela Rua Nova, que aparece como o limite da favela Nova Brasília na sua parte alta. E foi o que fizemos na sexta, 22. Saímos da Itaoca pela Estrada  do Itararé, que leva à Penha e deixa a Serra da Misericórdia à esquerda logo adiante. Antes entramos, também à esquerda, pela rua Nova, em direção à estação Itararé. Já no alto paramos numa delegacia, a 45a delegacia de polícia civil do Rio de Janeiro. O delegado que nos atendeu, quando lhe explicamos que buscávamos o local onde teria havido o confronto mais pesado da quinta feira 15, nos disse que estávamos no rumo certo. Era seguir em frente e, mais adiante, na descida, a partir de uma segunda pracinha do caminho acharíamos o tal local.

A essa altura contratamos como guia um mototaxista do lugar que, para nossa sorte, sabia exatamente onde tinha ocorrido o grande tiroteio da manhã do dia 15 e disse que poderia nos levar inclusive à casa do famoso Diminho, que moraria bem perto. Só será melhor, se for verdade, pensamos.

O mototaxista nos levou da rua Nova  por uma ruazinha curta, chamada Travessa Mexicale até o final da rua Guadalajara. No mapa, a Mexicale é o extremo norte de um conjunto que nas fotos aéreas e nos mapas da região se destaca por seu formato retangular, de ruas certinhas, ao contrário do arruamento das favelas, e é chamado pelos moradores da região de Loteamento. Todas as suas ruas e travessas têm nomes mexicanos. As ruas – Guadalajara, Monterrey, Yucatan e Guanajuato – se sucedem nessa ordem numa espécie de descida para o fundo do vale que separa os morros das duas estações: o do Itararé e da Favela Nova Brasília e o das Palmeiras e das favelas Nova Alvorada e Fazendinha. Nesse Loteamento pelo noticiado nos jornais e da internet, ocorreram 4 das 10 mortes.

Na nossa incursão do dia 22 um morador tinha nos dito ter visto três corpos na laje de um prédio em construção na entrada do beco. Imaginamos então que os tais corpos poderiam ser de três dos cinco que a polícia disse ter levado para o hospital no dia 15. “E os outros dois?” perguntamos então. “Estavam ali em baixo” ele respondeu. E imaginamos que esses dois estavam na mesma construção e que com os outros três tinham sido os levados pelos policiais, conforme a nota  do porta-voz da PM já citada. E os outros cinco que moradores levaram até a esquina da Guadalajara com a avenida Itaoca,  na parte baixa do Alemão, seriam de áreas próximas.

Do beco da Mexicale com a Guadalajara, o mototaxista nos levou no dia 22 ao que seria a casa do Diminho, tido como o chefão da droga. Era uma casa grande, alta, com três pavimentos. Fica ao lado do Campo do Loteamento, uma area para futebol: não futsal, futebol mesmo, área grande, com grama sintética, nos disse o guia. Evidentemente, se a polícia investigava – e há oito meses – a vida do tal Diminho, sabia onde ele morava. Nós, mal chegados no Alemão, já sabíamos.

Era uma conclusão espantosa. Por que a polícia teria feito uma operação espetacular, anunciando que buscava o chefe da droga no Alemão se ele tinha uma casa de endereço sabido até por jornalistas novatos no pedaço como nós?

A casa que o mototaxista nos apresentou seria mesmo do tal Diminho? Hoje, 26, quando encerramos nossa investigação jornalística, quatro dias depois da nossa “descoberta” ficamos na dúvida. No dia 22 passamos pelo local meio assustados e apressadamente. Por isso, voltamos. Para, como diz parte do mote da polícia, uma checagem (deixamos o vasculhamento de lado). Voltamos ao beco da aparente entrada da Mexicale no final da Guadalajara. Da viela, de um dos pisos da construção na entrada do beco, a polícia levou três feridos? O morador entrevistado hoje, terça 26, nos confirma o que foi dito por outro morador na nossa passagem por aqui, na sexta, 22.

Em seguida fomos em busca da confirmação de que a casa, na rua Yucatan, duas ruas abaixo da Guadalajara, ao lado do campo de futebol de grama sintética, no chamado Loteamento, de fato era do Diminho. Descemos do final da Guadalajara pela Mexicale, entramos pela Yucatan, passamos da casa de três piso á direita e logo em seguida, antes do campo de futebol vimos uma entrada lateral larga, usada aparentemente para encontros. No muro dessa entrada, no lado oposto à da parede lateral da casa está pintada uma cena com uma imagem do busto do Diminho e uma inscrição que o recomenda para o reino dos céus. No local, uns dez rapazes nos ouvem falar de nosso propósito, como jornalistas, de construir uma versão mais verdadeira dos fatos já narrados, a nosso ver de modo torto, pela polícia. Dissemos também que nossa ideia era conversar com a mulher do Diminho, cujo nome vimos na internet, nos muitos votos de condolências para ela, de pessoas que se diziam amigas do casal. Nenhum dos presentes nos disse nem sim, nem não. E nos retiramos, dando nossa versão de fatos básicos e estranhos dessa história como confirmados. Ou seja: a polícia, por método ou por incompetência, não prendeu Diminho seguindo os protocolos da lei indo à sua casa com mandado de prisão etc. Deveria saber que ele não estava ali, mas por perto. Por isso saiu dando um bordejo, como se diz? A sua operação dita como de checagem e vasculhamento era também de busca e destruição. A presença do Bope era para garantir o sucesso de operação desse tipo; era para atrair os “bandidos”? A postagem de um vídeo, aparentemente por admirador do Dilminho, na sexta, 15, dia da operação, tem uma música de 29 segundos que diz:

“Quer adiantar confronto / vem/ Mas não fica de bobeira/ os pitbul do Oliveira/ tão soltinho da coleira/ o M18 está na reta/ Com carregador de 100”.

Ou seja, Diminho tinha os seus soldados. Eles perceberam que a polícia queria o confronto. E podem ter topado a parada. Do lado da polícia, dizemos nós, como não se tratava de uma operação policial, mas do que o governo considera uma “guerra contra as drogas e o crime”, guerra é guerra, não tem essa de seguir os protocolos, é na base do vale tudo. A polícia não isolou os locais onde ocorreram os confrontos que levaram às dez mortes: no seu comunicado ao público, descreve um clima de guerra com granadas e tiros que dispensaria essas formalidades e, aparentemente, de fato ocorreu. Uma pesquisa rápida pela internet nas informações que a população colocou  desde bem cedo para avisar do trajeto do Bope e seu “caveirão” mostra que uma dessas viaturas passou pela travessa Durango do loteamento próximo à casa do Diminho, bem cedo. Diálogo entre dois  moradores pelo site do Voz da Comunidade, uma associação social local, nesse horário: “O caveirão esta aqui na rua Durango, neste momento. Cuidado, gente”. A Durango é uma travessa que une a Guanajuato à Yucatan, a rua na qual fica a casa que nos foi mostrada como a do Diminho e que acreditamos seja, de fato dele. “Ainda?”, pergunta o outro. “Desceu agora,” responde o primeiro.

A polícia apreendeu os cadernos de contabilidade de Diminho, revelou o jornal O Globo: ele teria muito dinheiro, movimentara 5 milhões de reais em seis dias úteis de maio até a quinta, véspera de sua morte. A defensoria pública do estado, acha – com razão, como mostramos no capítulo 1 de nossa história – que a polícia do Rio mata gente demais. No caso, além disso, essa polícia atraiu uma moçada,  com uma excursão inventada, com um trajeto estudado de modo a atrai-los, para matá-los? Ela não deve tem autorização legal para esse tipo de prática, é certo. Mas lembramos que na primeira guerra do Alemão a polícia obteve na justiça um tipo mandado de busca e apreensão coletivo. Uma polícia com disposição para matar bandidos sempre acha um juiz disposto a criar a autorização legal adequada.

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