Brasil

Expectativa de vida de transexuais é de 35 anos

*Com informações da reportagem de Larissa Bortoni/Agência Senado 
Marroni levou 18 facadas. Samilly foi baleada, assim como Gaby. Hérica morreu de tanto apanhar e ser jogada do alto de um viaduto. Depois de agredida com murros, pedradas e pauladas, Dandara levou dois tiros. Essas são algumas das 54 transexuais brasileiras assassinadas entre janeiro e maio de 2017.

Henrique Guedes, pai de Christian Guedes, vítima de crime de ódio (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)


O Brasil é o líder mundial de violência contra transgêneros.
Entre janeiro de 2008 e dezembro de 2014, foram registrados 1.731 homicídios.
E a expectativa de vida das travestis e das mulheres trans é de 35 anos. A média nacional, segundo dados do IBGE, é de 75,5 anos.
A reportagem da Agência Senado encontrou algumas mães de vítimas da transfobia. Uma delas é Patricia dos Santos Pereira, de Gravataí (RS), de 36 anos. Ela perdeu a filha Gabrielle Marchiori, de 19. O corpo da jovem foi encontrado em chamas.
— Meu sofrimento é pela crueldade da forma como ela foi morta. Se tivessem me dito que ela tomou um tiro e morreu, seria mais fácil, não ter de lidar com a perda, mas aceitar. Eu sofro muito a ausência dela e o meu coração está envenenado com ódio, porque eu penso como um ser humano consegue chegar ao ponto de queimar uma pessoa, carbonizar uma pessoa, sendo que aquela pessoa tem uma mãe. Eu dizia para as amigas dela: “Nunca esqueçam, vocês têm uma mãe em casa esperando”.
Patrícia conta não ter tido dificuldades com a decisão do até então Gabriel de mudar o gênero. A maior preocupação, porém, era justamente com a segurança da filha. Antes do assassinato, Gabrielle sofreu outras formas de violência, inclusive com facadas.
— A gente tinha muita dependência uma da outra. Ela podia ir para o mundo, as festas dela, as viagens dela, mas sempre voltava para o meu colo — afirma.
Já Francisca de Vasconcelos é mãe da transexual Dandara Kathelin. Dandara morava com a mãe, mulher simples da periferia de Fortaleza que se refere à filha como ele. E não busca muitas explicações para a transformação de Cleilson em Dandara. Aos 42 anos, sua filha foi agredida e levada até uma rua deserta, onde atiraram nela. O ato foi gravado e ganhou a internet. Francisca decidira não ver.
— Mas, uma ou duas semanas depois que o crime tinha acontecido, fui almoçar na minha cama e assistindo 190 [programa policial de TV]. Aí eu vi meu filho sentado no meio do sol quente no calçamento, esperando socorro, algum filho de Deus para socorrer ou então esperando a morte. Bem calmo, sem nenhuma reação. Cada pancada que ele pegava na cara ou na cabeça ele passava a mãozinha. Aí, pronto. Eu fechei a televisão. Não vi mais nada.
Gabrielle e Dandara foram vítimas de crime de ódio. Assassinadas por serem diferentes. Brutalmente mortas somente por serem pessoas que não se identificam com os corpos com os quais nasceram. Ou seja, se reconhecem como sendo do sexo oposto.
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Além do homicídio, as vítimas relatam outras forma de agressão. A secretária de Comunicação Social da Rede Nacional de Pessoas Trans e professora da rede pública de Minas Gerais, Sayonara Nogueira, garante nunca ter sido discriminada por alunos ou pais.

No Facebook, Sayonara aderiu à campanha pelo uso do nome social


Mas, no mesmo ambiente escolar, Sayonara viveu agressões. Quando escolhida para diretora da escola, foi acusada de assédio por um aluno. As investigações provaram que a denúncia era falsa e o estudante confessou ter sido pressionado pela antiga direção do colégio a delatar injustamente a professora.
Outra agressão aconteceu em uma rua de Uberlândia (MG), quando Sayonara foi abordada por três homens.
— Eu estava voltando de uma casa noturna às 11h da noite. Três rapazes mexeram comigo, achando que eu era uma mulher cis. Mas, quando eles perceberam que era trans, me agrediram, me arrastaram por cerca de 100 metros no asfalto pelo cabelo e levaram a minha bolsa com todos os pertences — relata.
Tatiane Aquino, presidente da Rede Nacional de Pessoas Trans e conselheira nacional de combate à discriminação LGBT, afirma que o Estado precisa cumprir a sua parte.
— Em países vizinhos há princípios de inclusão ainda incipientes no Brasil. Na Argentina, a lei já garante a alteração do prenome para as pessoas trans, mas o Brasil ainda patina nesse tipo de legislação — afirma.
A professora Sayonara conta também que, apesar de já ter feito a transição para o gênero feminino, os colegas e diretores da escola onde trabalhava insistiam em se referir a ela com o nome do registro civil. Era uma mulher chamada por um nome de homem.
Em abril de 2017, pouco antes de ser afastada da Presidência, Dilma Rousseff assinou o Decreto 8.727/2016, permitindo o uso do nome social de transexuais e travestis na administração pública da União.
O nome social deve estar nos documentos oficiais, como crachás, fichas e publicações do Diário Oficial da União. Nos formulários e sistemas de registro de informações também devem constar o campo “nome social”.
Fazer a operação de mudança de sexo pelo Sistema Único de Saúde (SUS) é outro desejo da comunidade trans. Desde 2008, o procedimento é oferecido pela rede pública, mas Sayonara diz que a fila é enorme e ela aguarda sua vez há nove anos. Na rede particular a operação pode custar até R$ 20 mil.
— Eu vivo à base de antidepressivos e ansiolíticos porque não consigo me olhar de frente no espelho. A alma dói. É sobretudo uma questão de alma — diz.
 
 
 

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