Brasil

A falsa indignação da direita brasileira

Ao ignorar o movimento de um amplo arco de forças políticas e sociais que defende o impeachment de Bolsonaro, a direita brasileira, que insiste em apoiar a política econômica suicida do governo, revela seu egoísmo e falta de compromisso democrático.

Vivemos momentos de imprevisibilidade e instabilidade agravados por uma crise humanitária e, no caso do Brasil, por uma profunda crise política institucional, social e econômica. O golpe de 2016, a Lava Jato, o governo Temer e a vitória de Bolsonaro representaram o fim do pacto constitucional de 1988. Rasgado única e exclusivamente pela oposição de direita, com apoio da mídia monopolista, conivência da Suprema Corte e sinal verde dos militares que não vacilaram em vetar o habeas corpus para Lula.

Assim, nossas elites políticas, empresariais, militares e judiciais criaram as condições para a vitória de Bolsonaro e para sua própria derrota, tudo em nome de seus interesses expressos hoje na politica econômica, se é que se pode chamar assim, de Paulo Guedes, o ultra liberalismo tardio, o desmonte do Estado Nacional e de Bem Estar Social.

O mais grave é que persistem na mesma toada, buscam saídas com Bolsonaro, com Mourão, se recusam a apoiar seu impedimento apesar do desastre humanitário à vista. Uma tragédia nacional com mais de 50 mil mortos e 1 milhão de infectados.

Mesmo neste cenário de guerra, nada faz nossas elites abandonarem seus privilégios e interesses de classe. O adversário, para elas, não é o risco de um golpe ou o desastre em todas frentes do governo Bolsonaro e sim a esquerda e sua provável ou possível volta ao governo.

Bolsonaro segue acuado, mas atacando. Perdeu as ruas e seu isolamento cresce a cada dia. Daí a pergunta que é feita por todos: por que o PSDB se opõe ao impeachment, seguido pelo silêncio do DEM e MDB? A resposta é simples. Estes partidos querem se livrar de Bolsonaro, até porque avaliam que a seguir no seu ritmo ele levará novamente a esquerda ao poder, mas não querem assumir nenhum compromisso democrático, social ou econômico.

Questão de fundo

Há uma questão democrática de fundo. O PSDB não aceitou o resultado das urnas de 2014 e, na prática, não aceita uma alternativa de governo de esquerda, seja do PT ou de outro partido. A causa desse veto é que, com um governo de esquerda, não há espaço para suas políticas neoliberais e de Estado mínimo, espoliação máxima dos trabalhadores e concentração da renda sob a batuta do capital financeiro. 

E o cenário internacional, com a gravidade da crise que se avizinha pós pandemia, também mostra-se desfavorável às políticas que sustentaram até aqui o ideário tucano.

Os acontecimentos recentes no Chile, no Equador, na Colômbia; a vitória de candidatos de esquerda no México e na Argentina; os movimentos de protesto e resistência nos Estados Unidos são sinais de alerta para os partidos brasileiros de direita. São sinais de que a roda na história não parou e de que as classes trabalhadoras não aceitarão sem luta a continuidade do capitalismo real brasileiro, um dos de maior concentração de renda, riqueza e propriedade do mundo. É o fantasma de Lula que os assombra.

Se dependesse dos militares e de Bolsonaro, a esquerda já estaria excluída da vida institucional do país. A nossa direita liberal não fica atrás: faz de conta que não há uma interdição política a Lula e uma constante criminalização do PT e tentativas de fazê-lo com a luta social, de classes.

Esse equilíbrio instável e imprevisível que vivemos será rompido via impeachment ou cassação da chapa por pressão pelas ruas assim que a pandemia permitir. Nessa hora, a questão que se colocará é quem conduzirá a ruptura e a transição e qual será o seu caráter e duração e saída – provavelmente nas eleições de 2022.

Correlação de forças

Hoje, a correlação de forças não favorece as esquerdas, seus partidos políticos e movimentos sociais, com o MST à frente pelo maior poder de mobilização e apoio. Vamos lembrar sempre que Haddad obteve no primeiro turno de 18,32 milhões de votos, que as classes médias, sejam progressistas ou conservadoras, sairão às ruas depois da pandemia e que os setores mais explorados dos trabalhadores se mobilizam e já estão nas ruas. Poder de fogo que não coloca as esquerdas na liderança, mas é o suficiente para explicar o jogo de cena e de sombras ensaiado pela oposição de direita, o apoio explícito do centrão ao governo e as decisões constitucionais e de direito da Suprema Corte, que buscam colocar limites a Bolsonaro, como se isso fosse possível, de preferência chegar até 2022 com ele enquadrado.

Há uma variante, para além da alternativa de esquerda, que perturba os sonos e sonhos de nossas elites — o fantasma de Geisel, o Pro Brasil, o papel do Estado. É bem verdade que todos os indícios são de que os militares aderiram ao ultra liberalismo tardio, mas, por sobrevivência política e pragmatismo, podem optar por uma outra política econômica. 

As esquerdas vivem seus dilemas. PDT, PSB, REDE, PV e Cidadania optaram por uma aliança de centro-esquerda. Foram os primeiros a pedir o impeachment e, nitidamente, se afastam do PT, apesar da ação conjunta na Câmara e no Senado e entre as fundações partidárias e da luta comum pelo impedimento do presidente com o PT, PC do B, que está mais próximo deles, PSOL, PSTU, PCO e PCB.

Para o PT, o Fora Bolsonaro e o impeachment são o centro da luta. Mas a ausência das ruas e das mobilizações e o inaceitável impediento de Lula, com seus direitos políticos suspensos por uma condenação que deve e precisa ser anulada, coloca o PT, junto com toda esquerda, na defensiva. Isso abre espaço para que a direita liberal, com apoio da mídia e de seu peso institucional e econômico, busque saídas de compromisso com os militares e Bolsonaro.

O aprofundamento da crise sanitária, fruto da política genocida do governo e seus aliados; o crescente isolamento do Brasil no mundo com reflexos imediatos no comércio exterior e nos investimentos; a insuportável incompetência e ineficiência em todas frentes, sanitária, ambiental, educacional, cientifica, cultural, agravada pelos gravíssimas denúncias contra os filhos e a família de Bolsonaro; e as investigações e inquéritos sobre os crimes cometidos pelo presidente na campanha de 2018 e no governo compõem o cenário dramático que envolve o presidente da República. E, tudo indica, o obrigará a um acordo o que não condiz com a natureza e os objetivos autoritários de seu governo.

Em que país vive a elite?

A direita brasileira parece viver em outro pais, o que revela seu egoísmo e sua falsa indignação com Bolsonaro. Insiste com a imediata retomada da austeridade, das privatizações, das chamadas reformas, da manutenção do teto de gastos, regra de ouro, já fala em superávits em 2021 e 2022.

Para as classes trabalhadoras propõe mais sacrifícios e mais privações de seus direitos e espera que não aconteça nada. Ledo engano, haverá luta e grandes batalhas.

Sem compromisso democrático e sem nenhum aceno de mudanças na política econômica suicida, o que esperar? Nada além de um acordão que exclui uma saída democrática como foi a campanha das Diretas Já, onde havia um compromisso que desaguou na Constituinte de 1988. Um acordão que ignora a classe trabalhadora e o povo pobre do nosso país, que solapa seus direitos trabalhistas, sociais e de cidadania.

A oposição a Bolsonaro no país é ampla geral e irrestrita. Basta ver os manifestos, o apoio das entidades ao STF e em defesa da democracia. A oposição já está nas ruas e forma um amplo arco de forças sociais e políticas. Quem não ouve o país e essa maioria é a oposição de direita que se recusa a evitar o pior e abraçar já o impeachment.

Essa é a única escolha que nos impõe nossa consciência moral e responsabilidade política, custe o que custar. Com todos riscos, devemos lutar sem tréguas pelo fim do governo Bolsonaro.

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