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Bolsonaro atiça o povo contra governadores e prefeitos para justificar golpe

Com apoio dos militares à sua política contra o isolamento social para conter a pandemia, Bolsonaro joga a população contra governadores e prefeitos e quer criar o caos social que venha a justificar um autogolpe ou mesmo um golpe. Temos que cerrar fileiras pelo seu impeachment.

Dois fatos — como dizia dr.Ulysses, o senhor fato —, a demissão do breve ministro da Saúde e o artigo do vice-presidente general Mourão, indicam que Bolsonaro tem apoio militar e avança na ofensiva para desmontar na marra, acima da ciência e da lei, a política universalmente comprovada como necessária do isolamento horizontal. 

Em relação à pandemia, a novidade é a palavra “guerra” que comprova o objetivo de Bolsonaro — acirrar os ânimos entre os que não podem trabalhar e estão desamparados, para que estes se levantem contra os governadores e prefeitos que estabelecerem medidas de isolamento social para conter a propagação do vírus. O auxílio concedido pelo governo federal, além de não atender a todos que dele necessitam, é insuficiente: pesquisa mostrou que 77% dos trabalhadores gastaram a primeira parcela em comida.

Já o artigo do general Mourão, publicado no jornal O Estado de S. Paulo, não deixa margens a dúvidas, ao contrário da leitura feita por alguns. Trata-se de um apoio expresso à política de Bolsonaro no que diz respeito à pandemia e de críticas ao Congresso, ao Supremo, à oposição e à imprensa. 

O que levou certos analistas e políticos a buscarem entender o real propósito do general Mourão com seu artigo é o fato de ele estar na linha direta de sucessão. Assim, poderia ser uma manobra não para apoiar Bolsonaro, mas para provar que não está conspirando com a oposição liberal de direita que sonha com uma transição por cima. Tanto que até agora não propôs o impeachment, nem pediu a abertura de processo a partir dos muitos pedidos protocolados na Câmara dos Deputados.

Não tenhamos ilusão. O caráter militar do governo e os riscos de um retrocesso — mesmo que não seja um autogolpe ou um golpe — estão se consolidando. E são agravados pelo medo das elites financeiras e empresariais de um cavalo-de-pau nacionalista que estaria embutido no pacote Pro Brasil, anunciado por um outro general do governo, Braga Neto.

Empate

Na verdade, há um empate. O país está dividido. Bolsonaro tem sido contido pelo Congresso Nacional e pela Suprema Corte. Mas a oposição mais forte a ele vem da mídia liberal, apoiadora de Guedes e tradicional parceira dos golpes de Estado, como o de 1964, e do golpe parlamentar contra Dilma.

É evidente que Bolsonaro passou dos limites, para dizer o mínimo. Mas tem apoio e não é só do estamento militar (pelo menos até agora). Na Câmara dos Deputados, não há maioria para seu impedimento e ele acaba de cooptar o centrão. No entanto, Rodrigo Maia conseguiu reunir em seu apoio a coalizão PSDB-DEM-MDB, mais SD, Podemos, Cidadania e Verde. Não suficiente para se sentir encorajado a abrir o processo de impeachment, já que a sua aprovação requer 342 votos.A esquerda PT-PSB-PDT-PSOL-PCdoB e Rede tem 130 deputados. 

Apesar do desgaste de Bolsonaro, de seu isolamento político e do crescimento da oposição – seja reprovando o governo seja a favor do impeachment -, há um empate, repito. Sem mobilização popular, sem apoio na Câmara e na oposição liberal de direita é improvável uma saída institucional já ou a médio prazo, sempre considerando que o governo Bolsonaro pode simplesmente se auto inviabilizar conforme o agravamento da crise sanitária, econômica e social. 

Caos social

A gravidade da ofensiva de Bolsonaro e de seu vice, para além da tragédia humana a que ela conduz, é que busca o caos social como razão para um autogolpe legal via GLO (Garantia da Lei e da Ordem) ou estado de sítio.

Nós, da oposição de esquerda, não temos força social e institucional para destituir sozinhos Bolsonaro. Neste momento, nos cabe defender a Constituição e denunciar as arbitrariedades do governo e seu caráter autoritário nos bairros, nas redes, no Parlamento e nos tribunais, para buscar uma solução ao impasse em que o país vive. O que vemos no campo liberal é o temor das Forças Armadas e da força social e militante do bolsonarismo, de suas milícias (armadas ou não) e de suas ligações com as PMs.

Pode ser que o limite para as elites seja a demissão de Paulo Guedes ou da ministra da Agricultura, Tereza Cristina. Não está afastado um acordo com os militares. Assim, as elites preservariam o fundamental do bolsonarismo: a tutela militar e o programa ultraliberal de desmonte do Estado nacional e das conquistas sociais das classes trabalhadoras dos últimos 50 anos.

Nada indica que os militares de hoje sejam estatistas e nacionalistas. Como no caso chileno, abraçaram o liberalismo e o corporativismo, como comprovam a privilegiada Previdência que conquistaram no Congresso Nacional e a corrida para ocupar cargos públicos e vantagens no aparelho do Estado. Sem falar na submissão da soberania e autonomia nacional aos Estados Unidos, expressas na política externa e nos acordos militares.

O empresariado nacional, a burguesia, com raras exceções para não ser injusto, inexiste como força política e institucional.  As entidades da indústria e do comércio, cevadas no imposto sindical e no Sistema S, quando se manifestam é para defender seus interesses setoriais e corporativos, ainda que legítimos, mas projeto para o Brasil só o apoio irrestrito a Paulo Guedes e mesmo a Bolsonaro. Nenhuma voz contra as ameaças à democracia e às liberdades. 

A tendência é Bolsonaro ir fechando o regime ou, então, uma transição negociada por cima comandada pelos de sempre. 

Unidade para vencer

Para enfrentar este cenário, as esquerdas precisam se unir, inclusive nas próximas eleições, sem o que não seremos protagonistas como o indicaram o fim da ditadura e o impeachment de Collor.

É preciso que apresentemos ao país um programa radical de mudanças estruturais que, por sua vez, depende de uma mobilização e organização das classes trabalhadores, das entidades populares, sindicais, agrárias, ambientais, dos povos da floresta e das águas, das periferias das grandes cidades, dos intelectuais, artistas, cientistas, e dos que entendem que o Brasil não pode continuar a ser o país de maior concentração da renda, riqueza e propriedade, inclusive da terra, do mundo.

Os bens da natureza — o ar, a água, as florestas — não podem ser propriedade privada. São bens comuns a todos. E as terras devem ter uma função social. Se não usadas, sua propriedade se torna ilegítima. 

Para nós, a saúde e a educação devem ser gratuitas, públicas e universais; o acesso ao saneamento e à habitação, garantido pelo Estado; a proteção do meio ambiente e das riquezas naturais do país, um imperativo legal; a segurança e a paz das famílias, um direito. O Estado e todos os serviços públicos devem se submeter a controles não só estatais, mas, também, por parte da sociedade.

A construção desse programa deve envolver todos partidos de esquerda e entidades. Sua formulação tem que ser feita de baixo para cima, com ampla participação popular. Se queremos realmente mudar o Brasil e retomar o fio da história, devemos cerrar fileiras pelo impeachment de Bolsonaro, pela democracia, sem abrir mão de nosso legado e compromisso com as classes trabalhadoras e com o socialismo.

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