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O que se sabe do coronavírus

Especialmente com vistas ao atendimento dos atuais 3 milhões de atingidos pela covid-19.

Falta saber muita coisa sobre o coronavírus, responsável pela doença chamada de covid-19, disse a médica Patrícia Rocco, professora titular e chefe do Laboratório de Investigação Pulmonar, do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em artigo recentemente publicado no diário O Globo. Nas iniciais em letras maiúsculas de seu nome de batismo, SARS-CoV-2, está dito em inglês severe acute respiratory sindrome, em português, síndrome respiratória aguda grave. Ou seja, se diz que o alvo principal do vírus são as vias respiratórias, especialmente o pulmão, daí o fato de um dos equipamentos hospitalares básicos para o atendimento dos pacientes serem os ventiladores mecânicos, que auxiliam na respiração. Mas, diz Patrícia, o piloto no uso dos equipamentos é sempre o médico e, do que já se sabe, eles precisam ficar atentos não só para o pulmão mas também para o cérebro, os rins e o coração. Ela resume:

  • Tudo indica que o vírus se espalha do epitélio olfativo do pulmão, pelo sistema nervoso central, até o cérebro, causando, logo no início da doença, a perda do olfato, a anosmia, e a perda do paladar, a ageusia.
  • A partir do ataque aos pulmões, a qualidade do sangue produzido pelo paciente fica alterada e podem se formar coágulos com eventuais AVCs, acidentes vasculares cerebrais, que paralisam partes do cérebro e causam hemorragias.
  • O rim é outro dos alvos principais do vírus, diz ela: “Cerca de 20% dos pacientes internados nas Unidades de Terapia Intensiva evoluem para o estado de ‘insuficiência renal aguda’, sendo que 10% deles precisam da diálise, a limpeza extracorpórea do sangue, já que os rins, responsáveis normalmente por esse papel, funcionam mal”.
  • O ataque do vírus ao músculo cardíaco pode ser independente da insuficiência respiratória e o pior é que esse ataque ocorre “na proporção de 1 a cada 5 pacientes, levando a insuficiência cardíaca e morte”.

O que se sabe do coronavírus também não é pouco. Um dos conhecimentos essenciais: ele é um vírus de RNA, da sigla em inglês, para ribonucleic acid, ácido ribonucleico, uma das duas peças básicas no processo de reprodução e manutenção da vida. A outra peça é a mais famosa: o DNA, desoxirribonucleic acid. Desde os estudos do monge Gregor Mendel com ervilhas de cores diferentes, há mais de um século e meio, se desconfiava que características básicas dos seres vivos, como plantas e animais, são herdadas.

De início, estudos da hereditariedade foram prejudicados pelos preconceitos religiosos, raciais e de classe social, que consideravam certas raças e estamentos sociais como superiores por sua origem geográfica ou racial, pela cor da pele ou determinação dos deuses. Não se pode esquecer que doutrinas políticas como o nazismo levaram, nos anos de 1939 a 1945, às câmaras de gás e à guerra mundial que fizeram dezenas de milhões de mortos, algo estimado ao equivalente a 3% da população global da época (na data de fechamento deste artigo, 28 de abril, o SARS-CoV-2 tinha infectado 3 milhões de pessoas, das quais 207 mil tinham morrido).

Na II Guerra Mundial o papel da ciência na vida social aumentou enormemente. A primeira grande demonstração disso foram as explosões das bombas atômicas, descritas como possíveis em uma carta de Albert Einstein ao presidente dos EUA, na qual o criador da Teoria da Relatividade pedia um esforço para que os nazistas não fossem os primeiros a domesticar as energias brutais contidas nos núcleos dos átomos. Criadas nos EUA por um esforço internacional de cientistas e técnicos, duas bombas atômicas foram produzidas e jogadas pelos americanos sobre as cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki. Pouco antes, o exército soviético havia entrado em Berlim e Hitler se suicidara. E os dois eventos, as bombas e a morte de Hitler, decretaram a rendição de Alemanha e Japão e o fim da II Guerra.

Do ponto de vista ideológico, a hipótese de as instruções para a formação dos seres humanos estarem armazenadas em genes, que seriam transmitidos de geração em geração, em geral não era bem-vista por aqueles que, de boa fé, imaginavam que a cultura e a política adequadas, rapidamente poderiam produzir um homem novo, melhor.

Mas, foi o fato de as características materiais das espécies serem herdadas o que se comprovou na prática. Duas novas ciências se desenvolveram nesse período: a bioquímica e a biologia molecular. Em 1956, se descobriu que as instruções genéticas para nossa formação estavam armazenadas em 22 blocos de cromossomas, corpos microscópicos encontrados no núcleo das células. E, em 1962, o Prêmio Nobel de Medicina foi dado aos descobridores da hoje famosa estrutura física da cadeia em dupla hélice do DNA. Ela armazena e transmite as instruções herdadas com as características do ser.

Além disso, o DNA serve de molde para comandar, dentro das células, a síntese das inúmeras proteínas de que o corpo desse ser precisa. A dupla hélice do DNA abre um de seus trechos de instruções, o RNA o copia e leva a cópia às células para a produção desses nutrientes do corpo. A montagem da proteína se dá na estrutura da célula chamada de ribossomo, cuja existência, prevista desde o início dos anos 1950, foi confirmada nos anos seguintes e recebeu um Nobel de Medicina em 2009.

O corpo humano é formado por cerca de 37,2 trilhões de células. Existem aproximadamente 1,7 milhão de tipos de seres vivos; muitos deles unicelulares. As células de todos têm um núcleo com as instruções genéticas da espécie. E este núcleo é protegido, delimitado por uma membrana.

Os vírus, que, como já se disse, não são considerados seres vivos, não tem esse núcleo protegido e não tem as estruturas completas para se reproduzirem e, ao mesmo tempo, para produzirem proteínas que os alimentem. Mas têm instruções genéticas: são pedaços de RNA ou de DNA ou de ambos e são protegidos por capsídeos, envólucros formados por proteínas e também por lipídeos, substâncias que não se dissolvem em água, como óleos e gorduras. Essas cápsulas têm mecanismos de aproximação e infiltração em células de seres vivos para poderem usar, em seu próprio benefício, o aparato de reprodução e alimentação desses seres.

Como utilizar o conhecimento acumulado sobre o vírus e os seus mecanismos de reprodução e montagem de proteínas usando o nosso corpo, mas em nosso benefício e contra os vírus, os atuais e os das prováveis novas pandemias? Esse é o tema de nosso próximo artigo.

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