Brasil

Os vírus, os Bolsonaros e a China

A propósito do último balanço da pandemia do coronavírus e das ações da gangue dos quatro.

Até 28 de abril, a pandemia da covid-19, segundo os registros da Universidade Johns Hopkins, dos EUA, tinha infectado 3 milhões de pessoas e causado 207 mil mortes. O país mais afetado eram os americanos, com 979,1 mil infectados, 55,6 mil mortes, seguido por países como Espanha, Itália, França, Alemanha, Reino Unido e Turquia. A China era o oitavo país da lista, com 88,4 mil infectados e 4,6 mil mortos.

Cerca de quatro meses atrás, a 31 de dezembro, o governo de Wuhan, cidade de 11 milhões de habitantes no centro da China, tinha divulgado que 27 pessoas estavam internadas com uma pneumonia de origem desconhecida. E, alertado, o governo central, em Pequim, informou a OMS. Segundo o porta-voz do Ministério de Relações Exteriores da China, Hua Chunying, seu governo informou os EUA em 3 de janeiro; e o governo americano informou a seus cidadãos que estavam em Wuhan doze dias depois, em 15 de janeiro.

Já em 7 de janeiro, a China identificou o genoma do vírus, o código genético com as instruções de sua replicação, e o distribuiu a laboratórios em todo mundo. Tratava-se de um vírus com as características da família coronavírus, já conhecida dos chineses em função de um surto ocorrido no país em 2003. O vírus da época foi batizado de SARS-CoV. Sars, do inglês severe acute respiratory sindrome, síndrome respiratória aguda grave, que indica a doença; Cov, de coronavírus. No caso da pandemia atual, o vírus é o SARS-CoV-2; a doença, é a covid-19, do inglês coronavirus disease.

A família dos coronavírus é conhecida há tempos, desde os anos 1960. Cerca de 30 espécies da família já teriam sido identificadas, diz um trabalho especial do semanário britânico The Economist, na edição de 12 de março último. Duas delas, diz a revista, são responsáveis por 15% a 30% dos resfriados comuns. O Sars-Cov2, que provoca uma doença bem mais grave do que resfriados, se espalhou de sua origem, também na China, para 12 países em 2002, onde infectou cerca de 8 mil pessoas, causando 800 mortes.

O SARS-CoV-2 se mostrou muito mais violento. Até 20 de janeiro havia apenas 3 mortes em Wuhan. Nos 10 dias seguintes, já eram 170 óbitos, espalhadas pela China. E a reação do governo chinês foi igualmente rápida e impressionante: no dia 23 de janeiro, com transmissão pelo Youtube, foi iniciada a construção de dois grandes hospitais na cidade, para mil e 1,6 mil leitos, por uma força tarefa de 4 mil operários, 95 escavadeiras, 160 caminhões basculantes. Em 3 de fevereiro, os primeiros pacientes deram entrada no primeiro hospital. O segundo ficou pronto dez dias depois.

As ações no campo social também foram dramáticas. A cidade de Wuhan entrou em quarentena total e ficou isolada. No resto do país, segundo o The New York Times, as medidas para conter as interações sociais foram aplicadas de modo mais brando do que em Wuhan, mas quase a metade da população, cerca de 760 milhões do 1,4 bilhão de chineses, ficou confinada, com remédios e comida entregues em suas casas.

Ao mesmo tempo, os médicos e cientistas chineses abriram seus estudos e pesquisas sobre a doença e seu tratamento para o mundo inteiro. Como disse o canadense Bruce Aylward, líder da equipe da OMS que foi a Wuhan nessa época: “Foi absolutamente crucial na parte inicial dessa epidemia ter acesso total a tudo que fosse possível, ir até lá e trabalhar com os chineses para entender isso.” 

Depois de tudo isso, é impressionante ver o que dizem sobre a China e a pandemia os bolsonaristas do seu núcleo duro e seus inspiradores, dirigentes do governo do presidente americano, Donald Trump.

No dia 20 de março, em entrevista à Fox News, o secretário de Estado americano, Mike Pompeo, declarou que os chineses tinham perdido “dias valiosos” depois de identificar a nova doença, a Covid-19, permitindo que milhares de pessoas deixassem a cidade de Wuhan, onde ela primeiro se manifestou, e viajassem para o exterior.

No final de fevereiro, o presidente Jair Bolsonaro, seu filho, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, e uma caravana de cerca de 40 pessoas foram a um encontro com Donald Trump em Mar-a-Lago, uma grande propriedade do presidente americano, situada perto de Miami. Àquela altura, o coronavírus já era amplamente conhecido e o papel central da China na história da origem do vírus, também.

Na volta, no dia 18 de março, foi a vez de Eduardo, em nome do bloco bolsonarista seguir o modelo americano e atacar a China. Eduardo é o filho “02” da gangue dos quatro: Jair, o pai, presidente; Flávio, o filho “01”, senador; Eduardo, filho “02”, deputado federal; e Carlos, o filho “03”, vereador na cidade do Rio de Janeiro. Eduardo tinha discursado em Mar-a-Lago dizendo que votaria em Trump se fosse americano e que apoiava a construção do muro na fronteira com o México, porque não iria para os EUA de forma ilegal. Na época, o chefe de sua turma ainda mantinha aberta a sua indicação para embaixador do Brasil nos EUA.

Talvez entusiasmado com a perspectiva, depois de sua volta ao Brasil, Eduardo declarou no dia 18 de março sobre a pandemia, pelo Twitter:  “Quem assistiu Chernobyl vai entender o q ocorreu. Substitua a usina nuclear pelo coronavírus e a ditadura soviética pela chinesa. Mais uma ditadura preferiu esconder algo grave a expor tendo desgaste, mas q salva é a liberdade.”

O coronavírus, que não é um ser humano, como se sabe, não está nem aí. E continua agindo – no Brasil, não na China, um país comunista, é claro – com ampla liberdade. Dias depois da volta do presidente e sua caravana, se soube que cerca de metade da turma que foi ver Trump para a lambança em Mar-a-Lago tinha contraído a covid-19.

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