Luiz Henrique Mandetta, demitido pelo presidente da República na quinta-feira, dia 16, no desempenho de suas funções como ministro da Saúde e nas muitas entrevistas à imprensa para tratar das providências tomadas em sua gestão para combater a epidemia de coronavírus, deixou a impressão de ser um homem de bem. Na comparação de sua figura com a do presidente Jair Bolsonaro ele ganha disparado.
Mandetta demonstrou “carisma e liderança”, como disse Ruth de Aquino, colega colunista de O Globo, uma semana antes de sua demissão. “A firmeza, a serenidade, a sutileza, o apego à ciência e à cultura, a visão estratégica, a consciência de sua missão. O colete do SUS em vez do terno e gravata”, escreveu ela. No dia 17, após Bolsonaro ter demitido Mandetta, Ruth, depois de ter entrevistado um psicanalista e uma psiquiatra, procurou caracterizar o presidente. “Bolsonaro não é louco”, categoria que inclui, escreveu ela, “psicóticos e neuróticos”. Bolsonaro “se encaixaria na categoria de psicopatas”, gente que tem “uma insanidade moral”; indivíduos “autocentrados”, que agem “com frieza e método”; gente que “defende torturador e condena as vítimas, publicamente, no Congresso”, disse Ruth, referindo-se, por último, ao voto de Bolsonaro na Câmara dos Deputados, em 2016, pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff, voto que ele dedicou à memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ulstra, tido, com razão, como um dos mais destacados torturadores do Exército nas prisões militares usadas na repressão a rebelados contra a ditadura militar brasileira dos anos 1964-1985.
Mandetta é um homem culto, mostrou Ruth na sua coluna. Após um de seus confrontos com Bolsonaro, Mandetta disse que tinha lido e relido “O mito da caverna” que é, como bem disse a colunista, “uma metáfora da condição humana”, um texto de Platão que nos incentiva a sair das trevas da ignorância para a luz do conhecimento. Na sua fala de despedida, no dia 16, Mandetta voltou ao tema para fazer uma espécie de apelo, conclamando pelo uso da ciência na gestão da crise do coronavírus: “a ciência é a luz, o iluminismo”, ele disse.
Como político habilidoso que mostrou ser durante a crise com Bolsonaro e com o prestígio adquirido no confronto com o presidente, ele tem futuro em Goiás por onde se elegeu deputado federal pelo bloco dos bolsonaristas chefiados pelo governador do estado, Ronaldo Caiado, do DEM. Mas sua referência ao presidente na entrevista de despedida não é um primor de, digamos assim, iluminação. Ele disse que Bolsonaro é “extremamente humanista” e que tem certeza de que “Jesus Cristo vai iluminar” o presidente e “abençoá-lo para tomar as melhores decisões”.
Bolsonaro, como diz Ruth de Aquino, está longe de ser um humanista, como supõe Mandetta. E, na escolha do homem encarregado de substituí-lo, não consta em lugar algum que tenha sido aconselhado pelos céus. Nelson Teich, o substituto de Mandetta, fazia parte de “um grupo de médicos empresários consultados com frequência por Bolsonaro”, diz artigo de O Globo, na sua edição do dia 19 passado. Aliás, já no seu discurso de posse Teich se disse um “ex-médico”. E, ao contrário de Mandetta, cuja formatura se deu em meio a uma luta dos formandos como ele, que acabou transformando um hospital privado de Goiás num hospital do Sistema Único de Saúde (SUS), Teich é empresário desde sua formatura em 1990, quando fundou uma clínica e passou a trabalhar como empresário e consultor de outros empresários.
Como disse uma comentarista que o conhece bem, porque acompanha sua carreira há tempos: quando Teich disse que não faz sentido comprar um monte de respiradores agora, que serão usados por um tempo relativamente curto e depois perderão sua utilidade, “ele estava pensando como faz há 30 anos. O investimento nesses respiradores faz sentido, do ponto de vista de um negócio? Dá lucro?”.
Não é um homem cuja preocupação central é a vida humana. “Nelson Teich é o símbolo de uma civilização que tornou tudo mercadoria capaz de ser comprada e vendida. Ele está apenas sendo coerente”, conclui a comentarista, com razão.
