Brasil

Voltando ao fundo dos buracos

Para entender melhor as contas externas do Brasil.

O Banco Central brasileiro, nas suas estatísticas das Contas Externas do Brasil, ao informar sobre o problema dos buracos nessas contas, causado pelas retiradas das rendas dos investimentos estrangeiros sempre em volumes superiores aos das rendas dos investimentos das companhias brasileiras no exterior, parece sugerir que o jeito é trazer novos investimentos estrangeiros para cobrir os novos buracos. Em texto anterior, dissemos que essa aparente sugestão deixa a pergunta: se foram exatamente esses investimentos que causaram os buracos, mais desses investimentos não causariam ainda mais buracos? 

Para buscar uma resposta melhor, voltemos as contas externas do primeiro ano do governo Bolsonaro-Guedes. São 31 páginas de tabelas com milhares de informações, como já se viu. Destaquemos algumas: 

  • Três das últimas páginas (26, 27 e 28) fazem um balanço do estoque de ativos – do que pessoas e empresas brasileiras têm no exterior – e de passivos – do que pessoas e empresas estrangeiras têm no Brasil – no item dos investimentos internacionais. O último resultado é do ano de 2018. O que mostra esse balanço de estoques? O Brasil tem 1,47 trilhões de dólares de passivos e 876 bilhões de dólares de ativos nesse item; um deficit, portanto, de 594 bilhões de dólares. Esse número explica bem porque as rendas dos capitais estrangeiros no Pais superam em muito as rendas dos capitais brasileiros no exterior. É que elas não são calculadas sobre o valor dos ingressos de capitais no ano, mas sobre o estoque de capitais aplicados ao longo de anos. E, como se vê, o estoque de capitais brasileiros no exterior é quase metade do estoque de capitais estrangeiros no Brasil.
  • Outra informação que tem o mesmo sentido: nossas reservas no exterior podem ser tomadas como “investimento em carteira”; elas são expressivas, de 375 bilhões de dólares e, como já vimos em texto anterior, renderam para o País, em 2019, 7,5 bilhões de dólares. E quanto renderam, em 2019, as aplicações de empresas estrangeiras localizadas no Brasil, em títulos de dívida negociados por seus braços financeiros no mercado doméstico e no exterior, papéis que, de certo modo, podem ser comparados com as reservas? Foram 15 bilhões de dólares. No ano, as entradas líquidas foram de apenas 11 bilhões de dólares. O que explica o fato de o rendimento não só ter sido positivo, apesar de a entrada líquida ter sido negativa, como também ter sido o dobro do rendimento de nossas reservas, ou seja, como sugerimos, o rendimento de nossas aplicações em carteira no exterior.

A explicação não vem só do fato de que as reservas brasileiras são um instrumento defensivo das nossas finanças; existem para dar segurança aos credores externos. E as aplicações das empresas estrangeiras em carteira são instrumentos agressivos, para buscar renda; para, como se diz, especulação no mercado. Para se ter uma ideia da especulação: apenas no ano de 2019, na rubrica investimento estrangeiro em carteira, houve uma entrada de 100,5 bilhões de dólares e uma saída de 104,5 bilhões de dólares.

Mas, o que é mais importante é uma comparação de estoques. O de papéis em carteira – ações, cotas em fundos e títulos de dívida – das tesourarias das empresas estrangeiras no Brasil, no final de 2018, o ano para o qual se tem o último balanço, era de 495 bilhões de dólares; e tinha caído muito – no final de 2017 estava em 536 bilhões de dólares. E o estoque dos chamados “ativos de reservas” do Brasil, bem menor que o de ativos de investimento em carteira dos estrangeiros aqui, tinha, no mesmo período, crescido, se bem que pouco: passaram de 374 bilhões para 375 bilhões de dólares. Mesmo assim, repita-se, as rendas dos investimentos em carteira dos estrangeiros tinha sido bem maiores que a de nossos “ativos de reservas” (o nome dado pelo BC, aliás, parece impróprio: eles parecem mais “passivos” de reservas).

Por último, vamos voltar à crítica inicial da sugestão do BC de que mais IDP – a sigla do banco para Investimento Direto no País – é a solução para os problemas criados pelos próprios IDPs. A partir da tabela 13 das Contas Externas, que apresenta a relação entre “Saldo das transações Correntes e ingressos de IDP”, de dezembro de 2012 a janeiro deste ano, se pode ensaiar uma conclusão política.

O pedido de abertura do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff foi aceito pela Câmara dos Deputados em dezembro de 2014. O Banco Central do Brasil, no primeiro mandato da presidente (2011-2013), tinha comandado um processo de dez sucessivas pequenas reduções da taxa de juros internos do País, de 13,75% para 7,25%, entre agosto de 2011 e março de 2013. Do ponto de vista econômico, isso fazia sentido, pois, após a grande crise financeira no centro do sistema capitalista com a quebra do mercado de títulos de hipotecas imobiliárias nos EUA, os juros internacionais estavam praticamente em zero.

No entanto, no Brasil, o que chamamos de o alerta vermelho da crise nas contas externas – o deficit nas transações correntes (DTC) na marca de 3% – aparecera em 2012 e 2013. E, em 2014, chegou a 4,13%. Na tabela 13 citada, o BC apresenta a evolução desse indicador de dezembro de 2014 até janeiro deste ano. O que dizem esses números? A presidente Dilma tentou contornar as objeções à sua política econômica nomeando para ministro da Economia, para seu segundo mandato, previsto para o período 2015-18, Joaquim Levy, uma pessoa de confiança do chamado mercado. Como que em resposta, o DTC melhora um pouco: cai para 3,03%. Em abril de 2016, Dilma cai e sobe Michel Temer: o DTC melhora ainda mais, vai para 1,35% em dezembro daquele ano e para 0,73% em dezembro de 2017.

O problema é que, de lá para cá, só tem piorado. Ficou dando pequenos mergulhos daquela marca até 2,2% em de dezembro de 2018. Foi para 2,69% em dezembro do ano passado. E a se crer no último balanço das contas externas do BC.

(https://www.bcb.gov.br/content/estatisticas/docs_estatisticassetorexterno/Notimp1.xlsx), chegou a um fundo de poço: 5,81% para o período janeiro-fevereiro de 2020!!!

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