Marcílio Godoi
Marcilio Godoi nos apresenta mais uma vez, versos vindos da sua safra de palavras escolhidas a dedo e com esmero. O resultado pode ser a frente e o verso, o vírus e o antídoto.
Corona
Eu vos coroo, ó, meus súditos
com mais esta carga nas costas
com mais este vírus de bruços
a tal doença coronariana.
Vós que tanto vos sufocais
ao longo de toda a jornada
pelas vias superiores,
nasais, respiratórias, mas sem ar,
eu vos dou agora a licença
pela qual vós tanto imploráveis
para que enfim todos possais
morrer definitivamente em paz.
Antídoto
Sobrevive agora, alegra-te,
entre canteiros de alecrim e sálvia.
Salva-te com mudas caladas
de suculenta e espinheira santa.
Cata os cocos, os cactos, os caquinhos
e teu palavreado mais insubordinado.
Livra-te do que não te respeita.
Conhece e exercita teu corpo.
Pratica o bondiismo, o boatardismo
e o boanoitismo, com todos a teu redor.
Tem sorriso ostensivo, confia
e ressoa o feminino
como alguém que leva
uma submetralhadora à tiracolo.
Anda desarmado.
Trata de teus ancestrais,
teus mortos, vivos em ti,
não falo só de avós.
De índios e macacos também.
Debulha e semeia os grãos
da micropolítica por onde passares.
Conversa, argumenta, ajuda.
Tem compaixão.
Junta grupos, dos mais heterogêneos
aos mais orgânicos.
Faz cafuné num bicho bebê
e inicia a tua compostagem.
Sem tantas postagens.
Promove organizações sindicais
conhece as abelhas nativas sem ferrão
vindas da África
ou do vale do arco-íris.
Come chipa com queijo minas, angu, chuchu,
quiabo e purê de banana da terra.
Toma bastante chá de ursinho e te introduz
nas técnicas sustentáveis de bioconstrução.
Ri. Namora. Goza.
De novo.
Respeita a autodeterminação dos povos.
Faz saudação ao sol, sente o cheiro das flores.
Faz pranayamas, piracaias,
dá beijinhos pra sarar e promove
a revolução já, exigindo em cada gesto
a imediata tomada dos meios de produção.
Guia tuas escolhas pela força da intuição
acredita no afeto, aposta nele
nas coisas sem preço nas sem valor algum
expresso em cifras e nas de incalculável monta.
Conta histórias, ouve mais ainda.
Reúne e seleciona o lixo
recicla, desacumula, desapega, reusa.
Ocupa e resiste. Incendeia um pneu no manifesto.
Saiba que tua essência será sempre
incontornavelmente mais política do que religiosa.
Mas respeita quem ora, procura entender
e até ora junto, como quem canta junto, e ascende.
Toma teu desespero e faz dele uma canção tribal,
num ritual de tolerância, sintonia, harmonia, amor.
E Ama. Sabe esse antídoto que te nutre de saúde.
E mata a sede de justiça, cura a doença do ódio
e a falsidade das máscaras que estiverem a teu redor.
