Brasil

Organização internacional reage à insinuação sexual do presidente da República à repórter da Folha de S.Paulo

O presidente da República sem partido, Jair Bolsonaro, está brincando com fogo. Ao insinuar que a repórter Patrícia Campos Mello queria “dar o furo a qualquer custo”, ele não esperava a repercussão negativa que veio de todos os lados. Além de vários manifestos de entidades ligadas ao Jornalismo, nesta quarta-feira (19), a International Women’s Media Foundation pediu que autoridades cessem os ataques imediatamente contra a jornalista da Folha.

A diretora-executiva da organização com sede nos Estados Unidos, que atua para fortalecer o trabalho de jornalistas mulheres no mundo, afirmou estar “profundamente preocupada” com o que vem acontecendo no Brasil. Na edição de hoje da Folha, um editorial diz que “Bolsonaro age como chefe de bando, reincide na ofensiva ao jornalismo e alveja o edifício constitucional”.

Na noite desta terça-feira (18), a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) pediu ao Ministério Público Federal (MPF), a abertura de processo de impeachment contra o presidente Bolsonaro por quebra de decoro no exercício da Presidência.

Por volta de 11 horas da manhã, o Deputado Federal Marcelo Freixo (PSOL-RJ) anunciou que vai pedir a cassação do mandato do filho do presidente, o deputado federal Eduardo Bolsonaro que, na terça-feira (18), em discurso no plenário, além de mandar uma banana para suas colegas parlamentares, disse que elas “podem gritar à vontade, mas antes precisam raspar o sovaco, porque senão é um cheiro ruim pra caramba”.

Leia a íntegra do editorial da Folha de S.Paulo.

Ao completar 99 anos de fundação, esta Folha está mais uma vez sob ataque de um presidente da República. Jair Bolsonaro atiça as falanges governistas contra o jornal e seus profissionais, mas seu alvo final não é um veículo nem tampouco a imprensa profissional. Ele faz carga contra o edifício constitucional da democracia brasileira.

Frustraram-se, faz tempo, as expectativas de que a elevação do deputado à suprema magistratura pudesse emprestar-lhe os hábitos para o bom exercício do cargo. É a Presidência que vai se contaminando dos modos incivis, da ignorância entranhada, do machismo abjeto e do espírito de facção trazidos pelo seu ocupante temporário.

O chefe de Estado comporta-se como chefe de bando. Seus jagunços avançam contra a reputação de quem se anteponha à aventura autoritária. Presidentes da Câmara e do Senado, ministros do Supremo Tribunal Federal, governadores de estado, repórteres e organizações da mídia tornaram-se vítimas constantes de insultos e ameaças.

Há método na ofensiva. Os atores agredidos integram o aparato que evita a penetração do veneno do despotismo no organismo institucional. Bolsonaro não tem força no Congresso nem sequer dispõe de um partido. Testemunha a redução de prerrogativas da Presidência, arriscada agora até de perder o pouco que lhe resta de comando orçamentário.

Escolhe a tática de tentar minar o sistema de freios e contrapesos. Privilegia militares com verbas, regras e cargos, e o exemplo federal estimula o apetite de policiais nos estados. Governadores são expostos por uma bravata presidencial sobre preços de combustíveis a um embate com caminhoneiros.

Pistoleiros digitais, milicianos e uma parte dos militares compõem o contingente dos sonhos do presidente para compensar a sua pequenez, satisfazer a sua índole cesarista e desafiar o rochedo do Estado democrático de Direito. 

Não tem conseguido conspurcar a fortaleza, mas os choques vão ficar mais frequentes e incisivos caso a resposta das instituições esmoreça. A democracia é o regime da responsabilidade, o que implica a necessidade de punir a autoridade que se desvia da lei.

Defender o reemprego de um ato que fechou o Congresso Nacional, como fez o deputado Eduardo Bolsonaro ao invocar o AI-5, não deveria ser considerado deslize menor pelos colegas que vão julgá-lo no Conselho de Ética.

As imunidades para o exercício da política não foram pensadas para que mandatários possam difamar, injuriar e caluniar cidadãos desprovidos de poder, como está ocorrendo. Dignidade, honra e decoro são requisitos legais para a função pública. O presidente que os desrespeita comete crime de responsabilidade.

Ao entrar no seu centésimo ano, a Folha está convicta de que o jogo sujo encontrará a resposta das instituições democráticas. Elas, como o jornalismo, têm vocação de longo prazo. Jair Bolsonaro, não.

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