Cultura

Os inesquecíveis verões de Iacanga

Com direção de Thiago Mattar, o filme “O Barato de Iacanga”, que registra os festivais de música no interior de São Paulo, chega ao Netflix e ao Canal Curta.

O festival de Woodstock, realizado em 1969, numa fazenda perto de Nova York, entrou para a história. Foram três dias de sexo, drogas e rock and roll, numa época em que o sonho dos hippies estava apenas começando. E deu filhotes aqui no Brasil.

Em 1975, o estudante Antônio Checchin Junior, o Leivinha, tinha um sonho, o de realizar algo parecido em terras brasileiras. E a fazenda da família, a Santa Virgínia, localizada em Iacanga, interior de São Paulo, foi o lugar escolhido para juntar música e malucos de todas as tribos. Mesmo sem Internet, no boca a boca, mais de 30 mil jovens baixaram lá pra curtir O Terço, Moto Perpétuo, Mitra, Tibet, Som Nosso de Cada Dia, Apokalypsis e outras aventuras.

O que ficou na lembrança de quem viu ou participou, foi reunido num documentário que mostra uma época como nunca houve outra. Registros em vídeo, fotos, apresentações, depoimentos de fãs, de vizinhos, foi com esse material que Thiago Mattar foi criando um verdadeiro quebra-cabeça para mostrar que loucura foi aquela, em plena ditadura militar. O filme chegou agora ao Netflix e ao Canal Curta.

Mas o Festival de Iacanga, também conhecido como Festival de Águas Claras, não ficou em apenas uma edição. Se o primeiro, o de 1975, foi feito na base do improviso, na marra, no grito, os outros, realizados em 1981, 1983 e 1984, já tiveram uma estrutura melhor. O documentário de Thiago Mattar reúne matéria-prima de todas as edições, inclusive os mais organizados.

O de 1975, só Deus sabe como foi feito. Numa época sem redes sociais, a notícia foi circulando e as pessoas foram chegando e se acomodando. O ingresso custou 35 cruzeiros, o equivalente a 76 reais atualmente, com direito a muito som e diversão. Só dava cabeludo e maluco beleza, quase todos usando roupas coloridas, colares e pulseiras artesanais. Assim, eles eram a mais perfeita tradução de uma época de paz e amor.

O regime militar chegou quase censurar o primeiro festival, considerado depravado demais. “Polícia proíbe festival de hippies” foi uma das manchetes da época. Com um calor que passava fácil dos 30 graus, misturado com fortes pancadas, o clima era até parecido com Woodstock.

Armando Falcão, aquele que não tinha nada a declarar, ministro da Justiça na época, acabou declarando que “entorpecentes, bebidas alcoólicas e atos imorais foram abertamente praticados”. E alertou os governadores para evitar novas aglomerações ao ar livre.

Pelos depoimentos que estão no filme, nota-se claramente que aquele primeiro festival foi uma declaração de independência. Com o sol à pino, muitos iam ficando à vontade, completamente nus, sem o menor pudor.

Assista ao trailer:

Nos anos 1980, os três festivais foram mais organizados, mas mesmo assim, guardaram a essência paz e amor, flower power da época. Conseguiu reunir nomes como Gilberto Gil, Jorge Mautner, Luiz Gonzaga, Hermeto Paschoal, Paulinho Boca de Cantor e até mesmo um comportado João Gilberto, de terno e gravata, no meio daquela lama, sentado no banquinho e com o seu violão cantando “Chega de Saudade” .

Notícias relacionadas