Assim que foi anunciado o nome da poeta americana Elizabeth Bishop como homenageada da próxima edição da maior feira literária do país, a Flip, na segunda-feira (25), o bombardeio começou. Os primeiros tiros partiram das redes sociais e, no dia seguinte se espalharam pelas páginas dos principais jornais do país. Bishop, que viveu no Brasil durante vinte anos – de 1951 a 1971 – e apoiou a ditadura militar de 64 tem motivos para receber críticas.
O motivo principal da raiva da galera foi o fato da poeta ter defendido a ditadura militar instaurada no Brasil a partir de 1964, chamando-a de “revolução bonita”. Na era das Fake News, espalhou-se, inclusive, a notícia de que o presidente Jair Bolsonaro, que não temos notícia de que tenha lido um livro sequer na vida e que se negou a parabenizar Chico Buarque pelo Prêmio Camões de Literatura e não se manifestou na morte de um artista da importância de João Gilberto, abriria a Feira Internacional de Literatura de Paraty, notícia prontamente negada pela organização da Flip.
Em um depoimento exclusivo ao Nocaute, Humberto Werneck, jornalista, escritor e editor sênior da Quatro Cinco Um, a revista dos livros, faz um bom apanhado da polêmica que está no ar. Leia abaixo:
“Não tenho dúvida de que Elizabeth Bishop, poeta grandíssima, é merecedora de homenagem na Flip. Inclusive por ter feito um bocado pela cultura brasileira. Traduziu apaixonadamente um de nossos clássicos, “Minha vida de menina”, de Helena Morley, e também Drummond, João Cabral, Bandeira, Vinicius, Joaquim Cardozo. E na sua poesia tem muito Brasil (por exemplo, naquele esplêndido poema sobre uma cadela sarnenta num Carnaval de rua no Rio de Janeiro, ou aquele bandido célebre, o Mineirinho, caçado e morto pela Polícia). E também na sua prosa — “To the botequim and back”, por exemplo. Escritora altíssima.
Sim, gostou do golpe de 64 – suponho que um pouco porque era essa a posição de sua mulher, Lota de Macedo Soares, amicíssima de Carlos Lacerda, de quem foi braço direito na execução das obras no Aterro do Flamengo. Um bocado de gente boa foi, no começo, simpatizante (e até mais) do golpe, mas depois mudou de lado – caso do próprio Lacerda. De Márcio Moreira Alves, que acabaria sendo o estopim para a decretação do AI-5. Muitos simpatizantes da primeira hora abriram os olhos e caminharam na direção oposta – e cabe perguntar se Bishop, que viveu no Brasil até 1974, também não teria, com o tempo, abandonado a posição inicial, ou mitigado sua simpatia pelo regime militar.
Não creio, porém, que seu nome tenha sido uma escolha oportuna, neste momento em que a ênfase nas posições políticas da poeta pode levar água para o moinho bolsonarista. Teria sido melhor deixar para depois – e não só por isto.
Antes dela, conviria homenagear autores brasileiros. João Cabral, que em 2020 faria 100 anos. Antes de qualquer estrangeiro, por melhor que seja, seria necessário contemplar Cecília Meirelles, Pedro Nava, Rubem Braga (em cuja pessoa se estaria homenageando também um gênero com cara muito brasileira), Sérgio Buarque de Holanda, Murilo Mendes, Oswald de Andrade, Érico Veríssimo, Jorge de Lima, etc. João do Rio, mulato e homossexual, um grande da crônica e talvez o pioneiro da reportagem no jornalismo brasileiro. O primeiro estrangeiro da Flip poderia ser um português – Fernando Pessoa”.
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