Brasil

Eu fui à guerra em Curitiba, e nunca mais serei a mesma.

A jornalista Nicole Briones, paulista, passou em Curitiba os 580 dias em que Lula esteve na cadeia. Nesta memória escrita para o Nocaute, ela conta que chorou, que teve esperanças, que se animava com a incansável Vigília Lula Livre. Levou broncas, deixou contas de águas mineral e café penduradas no Zambrano, contraiu sarampo e se curou. “É como quem foi à guerra e voltou vivo”, diz ela, “mas a tropa está reunida”.

Fecho os olhos e não consigo dormir. A adrenalina não baixa desde sexta-feira. 580 dias. Já foi pra guerra e voltou? A gente nunca mais é o mesmo. Fecho os olhos e me vejo subindo a ladeira da Guilherme Matter e aquela masmorra no alto. É isso. Ele tá lá dentro. O que foi que aconteceu de nós? Fecho os olhos e me vejo entrando em sua cela. Camiseta, bermuda e chinelos. O colchãozinho que parecia de criança. A abertura travada da janela, a luz alógena hostil. Seus livros e seus pendrives. As fotos na parede. Da dignidade. O esporro quando argumentei em defesa da remição de pena. Eram mais de 50 livros. Mas sentença falsa não se reconhece.

Fecho os olhos e a Vigília tá fazendo vaquinha pra comprar meu sabugueiro. Simpatia de urucum pra curar meu sarampo. Da cafeteira da Regina, presente pra acolher nossa mudança. Dos encontros em companhia tão leve do Xixo, que nos fazia esquecer por minutos onde estávamos e por que. De todas as águas e cafés pendurados no Zambrano que esqueci de pagar. Das copas de duas araucárias fincadas no maior palco de resistência que esse país já testemunhou.

Fecho os olhos e vejo o Manoel abrindo o caderninho de garranchos. Contando causos. Dizendo de novo que, não, mas dessa vez foi mesmo a visita mais emocionante.

Fecho os olhos e lembro da gente sentada no toco do estacionamento, à espera. Esperamos. Pensávamos que iam ser sete dias. Depois 30. Depois um ano. 580 dias. Janja lutando pra gente não desanimar.

Fecho os olhos e lembro de cada língua que vimos virar aquela catraca. Cada bandeira. Cada fé. Cada luta que se somou à dele. O mundo que coube dentro de uma cela. Das cartas pra levantar a cabeça e das malcriadas. Dos dias de depressão. De quando não tinha Intercept. Das tantas vezes que não vimos o horizonte. Do desespero. De como nos educamos para não criar expectativas.

Quinta-feira foi a primeira vez que, definitivamente, não criamos. Agora estou de volta a São Bernardo e não consigo dormir. Já foi pra guerra e voltou? A gente nunca mais é o mesmo. Ainda bem que agora a tropa está reunida.

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