Brasil

Evangélicos serão maioria na metade da próxima década. Isso fortalece Bolsonaro.

O abandono do estado, o fim da Teologia da Libertação e a dificuldade de atuação dos movimentos populares nas comunidades carentes provocaram um vácuo, que é ocupado pelos pastores evangélicos. Mantido o atual ritmo de crescimento, a população evangélica será maioria no Brasil, já na metade da próxima década.

A última pesquisa Datafolha confirmou que a base de sustentação do bolsonarismo é a população evangélica. No último censo do IBGE, realizado em 2010, os evangélicos somavam pouco mais de 22% dos brasileiros. Menos de dez anos depois, o Datafolha e pesquisadores do IBGE calculam que houve um crescimento desse segmento para quase 30%. Os demógrafos que estudam o assunto estimam que, a continuar esse ritmo de crescimento, em meados na próxima década os evangélicos serão maioria no país.

O crescimento da população evangélica não ocorre nas confissões tradicionais de origem estrangeira, como a Igreja Batista, cujos fiéis mantém comportamento político próximo do cidadão brasileiro comum. A expansão explosiva acontece no chamado novo pentecostalismo, criado e comandado por pastores brasileiros, que começaram a sua atuação em ambientes populares das grandes metrópoles e, daí, expandiram a sua influência pregando a chamada teologia da prosperidade. 

Um estudioso do assunto, o professor Campos Machado, do Núcleo de Religião, Gênero, Ação Social e Política, da Escola de Serviço Social da UFRJ, explica que “os evangélicos vão para onde o Estado não atende às necessidades básicas daqueles que mais precisam”. Além disso, ele acredita que pastores e líderes evangélicos estão mais próximos do povo do que a liderança da Igreja Católica. 

O padrão descrito pelo professor Campos Machado ajuda a entender o motivo pelo qual a influência dos pastores e bispos é tão forte nos segmentos evangélicos. As igrejas pentecostais criam comunidades de autoajuda nos lugares desassistidos e avançam para outros espaços sociais, onde os cidadãos sentem-se desamparados pela crise que torna o seu mundo cada vez mais hostil.

Essa equação estatística indica que, aliado às lideranças evangélicas, o bolsonarismo pode crescer, ao longo do tempo, escorado na expansão do novo pentecostalismo. 

Extinção da Teologia da Libertação deixou um vácuo

Há dois motivos principais, para explicar o fenômeno do crescimento da população evangélica.

Um deles foi a ascensão do Papa João Paulo II à chefia da Igreja Católica. O cardeal Wojtyła, que veio a se tornar João Paulo II, sempre foi um ferrenho antissocialista e dedicou seu papado principalmente ao combate das manifestações populares na Igreja. Na América Latina ele combateu, perseguiu e puniu os adeptos da renovação católica, que inspirados pelo Concílio Vaticano II, levaram a Igreja a uma maior aproximação com fiéis, principalmente os pobres.

Os abalos sísmicos de modernização do catolicismo, desencadeados pelo Concilio Vaticano II e apoiados pelos papas João XXIII e Paulo VI, atingiram o mundo inteiro. Na América Latina o movimento foi organizado e impulsionado a partir da Segunda Conferência Geral do Episcopado Latino-americano, realizada em Medellín, na Colômbia, no período de 24 de agosto a 6 de setembro de 1968. A partir desse encontro surgiu a Teologia da Libertação, que parte da premissa de que o Evangelho exige a opção preferencial pelos pobres e especifica que, para concretar essa opção, os missionários devem usar também as ciências humanas e sociais.

A opção preferencial pelos pobres revitalizou o catolicismo e moveu milhares de jovens religiosos católicos para viver e trabalhar nas comunidades mais carentes. Esses religiosos foram duramente perseguidos pelas ditaduras em toda a América Latina, muitos foram presos, torturados e assassinados. Porém o golpe mais duro contra a opção preferencial pelos pobres foi a instalação no papado do cardeal polonês Carol Wojtyła, um conservador radical. 

Wojtyła se aliou aos expoentes máximos da regressão social neoliberal, para perseguir todas as manifestações modernizadoras e humanistas da Igreja Católica. Na América Latina, o polaco proibiu as práticas da Teologia da Libertação, censurou, perseguiu, puniu e excomungou padres e freiras. 

Os missionários da opção preferencial pelos pobres, perseguidos e sem apoio, foram aos poucos abandonando o trabalho nas comunidades vulneráveis, seja nas favelas das grandes cidades ou nas selvas da Amazônia, entre muitos outros lugares. 

Eles deixaram um vácuo religioso e material, que acabou sendo ocupado pelos pastores da Teologia da Prosperidade. Segundo essa doutrina, enriquecer é o desejo de Deus e a fé, o discurso positivo e as doações para os pastores cristãos irão sempre aumentar a riqueza material do fiel. É uma doutrina que preza o individualismo e o sucesso pessoal, rejeitando as alternativas coletivas e populares. 

Como pouquíssimas pessoas obtêm sucesso financeiro nas comunidades, além dos pastores, é fácil perceber a fragilidade da proposta, que prospera somente porque não encontra concorrência. 

Sem estado, os pastores não têm concorrência

A outra causa provável do crescimento do novo pentecostalismo nas comunidades carentes é a ausência da esquerda nesses ambientes. O foco dos partidos populares continua sendo o ativismo sindical (em um momento no qual os paradigmas do trabalho passam por profundas transformações) e os movimentos populares de maneira pontual, sem entrar de forma massiva e determinada nos grandes bolsões de vulnerabilidade social, que são as favelas e periferias das grandes cidades. Nesses espaços, os bispos evangélicos atuam sem competição e muitas vezes se aliam ao narcotráfico, para ameaçar a concorrência das crenças de origem africada e outras.

Finalmente, há o erro estratégico dos governos progressistas de Lula e Dilma, que atuaram com competência, para melhorar as condições materiais dessas populações, entretanto nunca fizeram com que programas importantes, como Minha Casa Minha Vida, Bolsa Família e Mais Médicos – entre outros –  fossem acompanhados por um necessário trabalho de base e de relacionamento político com as comunidades. 

(*) Evilázio Gonzaga Alves é jornalista, publicitário e especialista em marketing e comunicação digital.

 

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