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Em cem dias, Zema ainda não descobriu onde está

O apelido de “Italiano” é maior novidade dos 100 dias do governo Zema, o único cargo importante eleito pelo partido Novo, em todo o Brasil. Muitos empresários e políticos mineiros apostam que o novo governador não chega ao final do mandato – as opiniões somente divergem se ele renunciará por inapetência ou será afastado.  

Por Maria Heliodora Bocaiuva Alquimin, escritora

O Italiano

O assunto mais comentado pelos mineiros, nos 100 primeiros dias do governo Romeu Zema, em Minas Gerais, não foi nenhuma de suas obras e realizações – inclusive porque nada aconteceu, em termos de gestão pública, nas montanhas e cerrados mineiros, nos três meses e dez dias que abriram o ano de 2019. O que dominou as conversas no estado foi a ação da justiça italiana, que cassou o passaporte do governador mineiro, sob a acusação de que Zema havia comprado a cidadania italiana por R$ 30 mil.

O caso até hoje ainda não foi convenientemente esclarecido.

Além dos problemas com a justiça italiana, o empresário que se meteu a ser governador colecionou problemas com a quase totalidade dos mineiros. Zema revela a cada dia que não conhece absolutamente nada de gestão pública e parece não ter muita noção de que o estado que governa tem o porte de um país do tamanho da França e um PIB maior do que a maioria dos países do mundo.

Factóides tentam esconder a falta de projetos

Segundo um arguto observador da política mineira, o ex-vice-prefeito de Belo Horizonte Roberto Carvalho, que também foi vereador na capital mineira e deputado estadual, nem mesmo ideias Zema apresentou. De acordo com Carvalho, o novo governador não ofereceu nenhuma proposta para qualquer um dos grandes problemas do estado.

Carvalho avalia que Zema vive em um mundo à parte, sem compreender o que se passa na realidade, e se preocupa mais em produzir factoides infantis, do que em governar de verdade. Segundo o político esses factoides são ingénuos, grosseiros e produzem despesas desnecessárias para o erário mineiro.

Como exemplo de grosseria, ele lembra a desnecessária exibição de fotos oficiais do seu antecessor. Para Roberto Carvalho, Zema tentou criminalizar uma prática natural nos governos, que é inclusive prevista pela constituição. A exposição sem noção pode ter custado barato, mas foi feita com dinheiro e tempo de funcionários públicos, que poderiam estar em atividades mais úteis para os cidadãos mineiros.

Outra atitude, que revela falta de noção do governador foi o aluguel de uma mansão nas proximidades da Cidade Administrativa, lembra o ex-vice-prefeito de BH. “Ao anunciar que não iria residir no Palácio das Mangabeiras, endereço oficial de todos os governadores mineiros, desde Juscelino Kubitscheck, Zema obrigou a Polícia Militar, responsável pela segurança do governador a gastar os parcos recursos do estado, para mudar toda a logística de proteção das autoridades do estado”, denuncia Roberto Carvalho.

No gargarejo do café da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, alguns deputados mineiros dizem que a mudança de endereço não tem, na verdade, a intenção de economizar, como alega o governador. Para os deputados, o novo governador do Novo pretende se instalar o mais perto possível do Aeroporto de Confins, para facilitar as suas constantes fugidas para Araxá, sua cidade natal.

Até mesmo o projeto de reforma política, segundo Roberto Carvalho, é um factoide, visto que não traz nenhuma mudança substancial. “Por exemplo, os cargos que Zema pretende eliminar, na prática não existem, visto que não são ocupados, portanto não resultam em nenhuma economia”, explica Carvalho.

Zema confunde o público com o privado

Enquanto manobra essas ideias vazias, Zema mistura as bolas e confunde o papel de um gestor da iniciativa privada com o de um gestor público, acusa Carvalho. Para o ex-vice, os gestores da iniciativa privada miram no dinheiro e nos lucros, e estão certos, pois é a natureza dos negócios particulares; mas os gestores públicos têm que colocar seu foco é nas pessoas. O estado existe é para atender os cidadãos e Zema não entende isso, lamenta Roberto Carvalho.

Com isso, denuncia o ex-vereador de BH, o governador do Novo começou a fazer cortes que penalizam os cidadãos mineiros, principalmente os mais pobres. Roberto lembra que Zema anunciou que vai extinguir vários órgãos imprescindíveis para o bom funcionamento do estado. Entre eles, a Escola de Saúde, responsável pela formação em alto nível de profissionais para atender à população; o ensino integral, o que vai penalizar milhares de famílias; e a Universidade Estadual de Minas Gerais, UEMG.

Para Zema um estado não precisa de uma universidade.

Também está na mira do governo Zema, a eliminação de inúmeros postos de saúde em todo o estado, alerta Carvalho. Segundo o ex-deputado, além de ameaçar o sistema público de saúde, o governador do Novo também deixou de enviar recursos para os hospitais filantrópicos. Pelos cálculos do político, o governo mineiro deve mais de R$ 200 milhões, para a Santa Casa de Belo Horizonte, o maior hospital filantrópico de Minas Gerais.

Segundo o ex-deputado, Zema não se preocupa nem mesmo com a sua própria cidade, Araxá, onde a Santa Casa está em processo de encerramento de atividades.

Sem compreender a diferença entre os papeis do gestor público e do privado, Zema tem como propósito principal vender todo o patrimônio dos mineiros. Para isso não hesitou em trazer, para ser o Secretário da Fazenda de Minas Gerais, o contador Gustavo Barbosa, que foi o secretário de Finanças e Planejamento do Estado do Rio de Janeiro, na gestão Pezão. Além de ser ligado às figuras suspeitas que governaram o Rio de Janeiro, Barbosa operava a tentativa de saquear a população fluminense, com a privatização da CEDAE e é um dos responsáveis pela maior crise econômica já enfrentada por aquele estado.

Olhos fechados para o povo, mas bem abertos para os ricos

Em vários momentos Zema demonstra que fecha os olhos, para ver a população mineira, mas enxerga muito bem os interesses empresariais. Por exemplo, na crise de Brumadinho, Zema se comportou quase que como um advogado da Vale e não como defensor da população que o elegeu, lamenta o ex-deputado. Roberto lembra que nessa crise, que espalhou seus efeitos atingindo a economia de vários municípios mineiros, não se viu nenhuma ação concreta do governador. As cidades foram abandonadas à própria sorte.

É sem surpresa que Roberto Carvalho vê o desprezo de Zema pelos cidadãos e seu alinhamento com os interesses das grandes empresas. Segundo ele, esse DNA está na própria origem política do novo governador.

“Zema é de Araxá, município onde está localizada uma das maiores minas de nióbio do mundo, um mineral raríssimo e caro. Em uma série de transações suspeitas, Aécio Neves permitiu que o banco Itaú assumisse o controle da mineração do nióbio na cidade mineira. O partido Novo é uma iniciativa do banco Itaú. Como qualquer pessoa pode ver, a direção do partido inscrita na ata de fundação do Novo é totalmente preenchida por funcionários ou sócios do banco Itaú. Não é preciso muito exercício mental, para compreender que houve dedo do banco Itaú na construção desse personagem, que até uns oito meses atrás era um ilustre desconhecido, até mesmo na sua cidade”, sugere o ex-vice-prefeito.

Porém, Carvalho aponta que o apoio do novo governador aos grandes interesses privados do empresariado mineiro também é confuso. Ele lembra que Minas Gerais tem a sua economia, em grande parte, dependente da exportação de minérios e do agronegócio. “Mas Zema não se posiciona em defesa dos interesses do estado, que são ameaçados, quando o Governo Federal ataca os maiores importadores dos principais produtos mineiros, a comunidade dos países islâmicos e a China”, dispara o ex-deputado.

Muitos apostam que Zema não descasca o abacaxi

Zema tem se mostrado absolutamente desastrado no relacionamento com os deputados estaduais e federais, dos quais ele depende para governar. Várias histórias de dos seus atropelos já circulam nos meios políticos, como anedotas.

Uma delas conta que um grupo de deputados federais, que havia conseguido recursos em Brasília para a Santa Casa de Belo Horizonte, tentou marcar uma audiência com o governador, a fim de convida-lo para participar da solenidade de entrega do dinheiro desesperadamente necessário à instituição. A intenção dos deputados era levantar a bola para Zema. A resposta que receberam do Secretário Geral do Governador, Igor Mascarenhas é que Zema não iria recebe-los e que qualquer assunto com o governo do estado, eles deveriam tratar com os deputados estaduais. O líder do grupo mineiramente retrucou ao secretário, que estava tudo bem, eles pretendiam colocar o governador em uma agenda positiva, mas como ele não se interessava, os deputados fariam a cerimônia de entrega e ficariam com todos os bônus da boa ação. Só então, a ficha do assessor do governador caiu e Zema acabou participando da entrega do dinheiro.

Casos como esse são comuns nas mais altas esferas do novo governo mineiro. Com isso, o governador se tornou motivo de chacota entre políticos e empresários. No circuito que liga a Assembleia Legislativa e a Fiemg (a Federação das Indústrias de Minas Gerais), Zema é conhecido como “Italiano”, em uma homenagem aos seus imbróglios com a justiça italiana.

A opinião corrente nos meios políticos e empresariais é que Zema não chega ao final de seu mandato. O próprio pai do novo governador parece concordar com este veredito. Uma das histórias, que circulam em Minas, conta que um amigo da família ligou para o pai do novo governador, para cumprimenta-lo pela eleição do filho. O pai respondeu: “é, o Romeozinho pegou um abacaxi e não vai conseguir descascar”.

Roberto Carvalho explica que, nos meios políticos, corre a versão de que o projeto de Romeo Zema era ser o prefeito de Araxá. “Ele não pensava em ser governador, segundo o ex-deputado, a intenção era tornar seu nome conhecido, para a disputa à prefeitura, em 2020. Mas o assassinato da política, que ocorreu para a infelicidade do Brasil, levou figuras sem noção como Zema, ao poder”, lamenta Roberto.

O mundo político e empresarial mineiro também ressalta a incapacidade de Zema, para tomar decisões. Com o velho jeito mineiro, políticos empresários, comentam que Zema lembra um antigo governador do estado, que se tivesse que escolher entre dois banheiros costumava ter que mandar suas calças para a lavanderia.

Sem esperança de sair do buraco

Piadas à parte, os primeiros 100 dias não prometem esperança para que Minas possa sair da profunda crise que penaliza todos os mineiros. Sem saber o que fazer, Zema leva para o governo os mesmos tucanos responsáveis pelo mais triste período de destruição do estado, como o secretário de governo Custódio Matos ou a assessora especial Renata Vilhena, secretária do planejamento na era aecista e figura importante na pilhagem que foi promovida em Minas Gerais pelo grupo de Aécio Neves.

Outra decisão absurda do governador, anunciada ainda durante o desastre ambiental e humano de Brumadinho, é a extinção da Secretaria do Meio Ambiente e a sua incorporação à Secretaria de Agricultura.

O passado e o presente de Zema revelam que ele sempre demonstrou o mesmo preconceito das elites endinheiradas brasileiras e da classe média contra o povo. Em toda a sua trajetória empresarial ou política, ele defendeu as causas mais perversas do neoliberalismo mais selvagem. O governador apoia a reforma da previdência mais cruel e nada fala em geração de empregos ou na melhora das condições de vida do povo mineiro, com mais investimento na saúde, na educação, na habitação, no saneamento, na segurança e tudo o mais que afeta a vida do cidadão comum.

Mas as comparações que apontam Zema como uma espécie de Bolsonaro não são corretas.

O capitão que se tornou presidente, por causa de um acidente social que ocorreu no Brasil, é um sujeito com debilidades cognitivas, sempre apresentou um discurso violento, ficou quase 30 anos inúteis na Câmara Federal e é suspeito de ligação com o crime violento.

Zema parece mais com o sujeito que pegou o trem errado, como se diz em Minas Gerais.

Toda a elite mineira, que foi surpreendida com a vitória do comerciante de Araxá está perplexa com a desarticulação, a incompetência e o desconhecimento absoluto do estado, não somente no que se refere à máquina pública, mas também dos aspectos humanos, geográficos, econômicos e culturais de Minas Gerais.

Zema parece o dono de uma lojinha, que de repente se viu no governo de um estado, que tem a dimensão de um país. Não vai dar certo.

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