Em entrevista à agência de notícias da Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa (Fenae), o economista Ladislau Dowbor afirma que os bancos privados não cumprem nenhum de seus papéis para o desenvolvimento do país. Segundo ele, para reduzir a agiotagem financeira no Brasil, os bancos públicos são fundamentais. “Só é possível optar por um instrumento de concorrência na estrutura bancária através da Caixa e do Banco do Brasil”, conclui Dowbor.
Economista e professor titular de pós-graduação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), nas áreas de economia e administração, Ladislau Dowbor é doutor em Ciências Econômicas pela Escola Central de Planejamento e Estatística de Varsóvia, na Polônia. Atua como consultor em agências das Nações Unidas, governos e municípios, além de várias organizações do sistema “S” (Sebrae e outros). É também conselheiro no Instituto Polis, Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), Instituto Paulo Freire, Conselho da Cidade de São Paulo e outras instituições, sendo ainda autor e co-autor de cerca de 40 livros e de numerosos artigos.
O economista fala sobre a privatização da Caixa que está na mira do novo governo. Recentemente, o presidente da entidade, Pedro Guimarães anunciou um acelerado cronograma de fatiamento, que combina a venda de ativos com maior liquidez e menos resistência política. Essa operação quer entregar à iniciativa privada os produtos e serviços mais rentáveis, de modo a enfraquecer o banco público e torná-lo mais deficitário. Nessa primeira etapa, os principais alvos são as áreas de seguros, gestão de ativos, loterias e cartões. Saiba mais.
Dowbor opina que, para reduzir a agiotagem financeira no Brasil, os bancos oficiais são fundamentais. “Só é possível optar por um instrumento de concorrência na estrutura bancária através da Caixa e do Banco do Brasil”, admite.
Confira a entrevista.
Como o Sr. avalia a declaração do atual presidente da Caixa de que a abertura de capital de subsidiárias de seguro, loterias, cartões e gestão de ativos é uma medida necessária para bloquear a corrupção no Brasil?
Quando se faz abertura de capital no sistema financeiro público, a opção é por privatizá-lo. A Caixa Econômica Federal, em termos políticos, tem peso grande. O portfólio de financiamento da instituição, como no segmento da casa própria para a população de baixa renda, é imenso e torna a capilaridade do banco relevante para o desenvolvimento social e econômico do país.
Na Caixa, conforme as declarações do atual presidente (Pedro Guimarães) deixam evidentes, a privatização está ocorrendo pelas bordas. Isso é uma farsa. Trata-se, essencialmente, de passar recursos públicos para o sistema financeiro privado.
Desregular leva ao crescimento da Caixa como banco público, social e múltiplo ou não? O que mostram as experiências pelo mundo?
Existem exemplos, no Brasil e pelo mundo, de diversas empresas que se desestruturaram com a desregulamentação. Isso não funciona. Muitos países estão optando por um processo contrário à entrega do patrimônio público para a iniciativa privada. Na China, onde o sistema financeiro funciona e produz resultados positivos, a estrutura bancária é controlada pelo Estado e atua para atender demandas da população.
Há experiências de que, no caso das atividades bancárias, as políticas adotadas levaram a que o dinheiro fosse aplicado de forma produtiva. A Alemanha é um exemplo disso. Os alemães aplicam seu dinheiro em caixas municipais, que investem os recursos em melhorias na própria cidade, gerando emprego e renda locais.
É uma receita de dona de casa. Amplia-se a capacidade de renda da população e aumenta-se a demanda, o que gera crescimento da atividade econômica e emprego. Isso faz com que sejam criadas riqueza e receitas para o Estado, através de impostos sobre o consumo, ajudando a cobrir o que o Estado investiu na base da população.
A crise de subprime é decorrente de uma desregulamentação que querem fazer no Brasil?
Nos Estados Unidos tivemos a desregulação de 1999 (governo Clinton) com a liquidação da lei que regulava o sistema financeiro, inclusive internacional. A partir daí, por exemplo, foi gerado um sistema de especulação financeira e agiotagem, que levou à crise de 2007/2008.
Na Europa, com base na experiência alemã, há exemplos que se baseiam em uma outra lógica. Na Alemanha, o modelo de caixas municipais permite que cada cidade tenha autonomia para investir em políticas sociais, com financiamento de casas e no setor de saneamento. Isso possibilita uma capilaridade muito grande.
Se a venda de ativos da Caixa é um bom negócio, como propaga Pedro Guimarães à imprensa, por que os bancos privados não estão seguindo esta estratégia?
A venda de ativos é privatização. Isso é uma apropriação por interesses privados. Quando se vende ativos o objetivo é transformar o patrimônio do banco público em favor do sistema financeiro privado. Isso é feito em nome de uma racionalidade econômica. Com isso a Caixa, que estava servindo à população, passará a servir aos grupos financeiros privados.
Quem ganha com o enfraquecimento da Caixa no desenvolvimento do Brasil?
Claramente se quer aparelhar a Caixa para o caminho da privatização. A cultura no banco é de serviço à população. Para se contrapor a esse processo de enfraquecimento em vigor, os bancos públicos devem priorizar projetos que gerem riqueza e renda para o país e a sociedade. Se não houver uma política de regulação no sistema financeiro brasileiro, os bancos privados tendem a tomar conta de toda a economia. Para reduzir a agiotagem financeira no Brasil, os bancos oficiais são fundamentais. O sistema financeiro chupa o dinheiro público e trava a expansão da economia e de políticas públicas. Com isso se esteriliza parte muito significativa da capacidade do governo de financiar mais infraestrutura e políticas sociais. No Brasil, só é possível adotar um instrumento de concorrência na estrutura bancária através da Caixa e do Banco do Brasil.
