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James Green: “Bolsonaro é dez vezes pior do que Trump”.

Em entrevista exclusiva ao Nocaute, o brasilianista e professor da Brown University, nos Estados Unidos, falou sobre o exílio de Jean Wyllys, o início do governo Bolsonaro, a nova política externa do Brasil que pode levar a uma guerra na Venezuela e a prisão do ex-presidente Lula.

“O Bolsonaro é um pessoa totalmente incompetente para ser presidente, com um projeto medieval que vai levar o país para o passado”. É assim que James Green, brasilianista da Brown University, nos EUA, descreve o governo Bolsonaro em uma entrevista exclusiva para o Nocaute.

Em um restaurante libanês no centro de Washington DC, Green, também pesquisador do movimento LGBT no Brasil, comentou os recentes episódios políticos no país, como o exílio de Jean Wyllys e o início do governo Bolsonaro.

Para o professor, o governo Bolsonaro será muito prejudicial ao Brasil por ser um projeto extremamente conservador conduzido por uma pessoa que foi eleita sem ir ao debate com a oposição para mostrar quem realmente é. “Eu sempre digo para os americanos que não conhecem muito o Brasil que Bolsonaro é dez vezes pior do que Trump. Bolsonaro tem um programa no qual acredita e ele está ideologicamente comprometido em implementar esse programa. O Trump está preocupado em se promover, ele nem sabia se poderia ser eleito, ele se lançou como candidato para promover marketing, o que é a marca registrada dele”.

Green acredita que o Brasil vai perder o protagonismo internacional de intermediador construído no anos de governos petistas, que, segundo ele, foi essencial para fortalecer a política externa brasileira. “Imagino que se o Lula fosse presidente ele teria resolvido a questão da Venezuela, teria negociado uma saída pacífica e evitaria uma possível invasão norte-americana, colombiana ou brasileira na Venezuela. Lula sempre foi um mediador”.

Para ele, Jean Wyllys foi obrigado a sair do país devido às constantes ameaças que sofre e que o deputado vai tornar seu exílio um ato de resistência. “Ele vai poder conversar com a comunidade internacional para falar sobre o tipo de governo que está instalado agora, as ameaças a setores sociais mais vulneráveis”.

O professor ressalta que o ataque aos direitos LGBT é um problema muito antigo no Brasil e que o movimento será um grande opositor ao governo de Jair Bolsonaro. “A parada gay deste ano pode ser a maior da história do Brasil. O movimento LGBT vai ser uma vanguarda de resistência devido ao jeito com que é tratado pelo governo”.

Com um grupo de intelectuais, Green organizou a “Rede nos Estados Unidos Pela Democracia no Brasil”, que reúne acadêmicos, ONGs e outros setores preocupados com o que está acontecendo no Brasil. O projeto já tem adesão de 1500 pessoas e até março pretende ter 50 organizações filiadas. A ideia é organizar seminários, disponibilizar conteúdo em inglês sobre o contexto político brasileiro e ainda criar um escritório central em DC que sirva como um espaço de advocacia a favor dos setores progressistas.

O que o senhor analisa do exílio de Jean Wyllys?

James Green: Ele foi eleito pela terceira vez e a conjuntura mudou rapidamente. Ele está realmente ameaçado e foi obrigado a sair do país.

Acredito que ele vai cumprir um papel muito importante no exílio. Claro que não é a mesma coisa, é uma tarefa diferente, mas eu acho que ele vai aproveitar ao máximo e tornar o exílio um ato de resistência, o que foi uma doutrina dos exilados durante a ditadura militar. Ao invés de ficar sofrendo e com saudades, eles tornaram o exílio outro espaço de resistência contra a ditadura militar.

Acho que o Jean Wyllys vai tornar o exílio dele um ato de resistência contra o governo. É muito importante que pessoas com legitimidade, como ele, que foi eleito três vezes, possam conversar com a comunidade internacional para falar sobre o tipo de governo que está instalado agora, as ameaças a setores sociais mais vulneráveis.

Eu conheço bastante o Jean e tenho certeza absoluta que ele vai fazer o possível para resistir. A parada gay deste ano pode ser a maior da história do Brasil. O movimento LGBT vai ser uma vanguarda de resistência devido ao jeito com que é tratado pelo governo”.

O que podemos prever em relação ao governo Bolsonaro?

Será que o discurso da campanha de Bolsonaro vai mudar após ele ter sido eleito?  Até agora acho que não, ele está tentando viabilizar todas as promessas que fez durante a campanha. As indicações de ministro são um desastre, por exemplo, o chanceler (Ernesto Araújo)  que ele indicou. Me disseram que ele juntou pela primeira vez na história do Itamaraty monarquistas, conservadores, liberais e a esquerda que reprovam sua indicação.

O fato do Bolsonaro querer se aproximar ao governo Trump é cheio de problemas. Primeiro que o governo Trump está muito fraco, sua política externa está um desastre e todo o mundo está reconhecendo isso e eu nao sei se ele vai ser reeleito. Do outro lado, os democratas sabem que foi eleito um cara no Brasil parecido com Trump, então, para eles toda essa tentativa de aproximação não vai adiante, ao contrário, eu acho que setores progressistas que podem ser eleitos na próxima eleição devem ter uma política hostil em relação a política nacional e internacional de Bolsonaro.

A política de mudar a embaixada brasileira para Jerusalém, que foi uma reivindicação dos evangélicos cristãos, e não da comunidade brasileira judaica, é outro exemplo de um desastre em termos internacionais, porque ele está rompendo com uma tentativa do Brasil de ser um intermediador entre o povo israelense, o povo palestino e o povo árabe. Essa mudança pode ser um desastre, o Brasil tinha possibilidade de exercer o papel de interlocutor.

Sua política sobre meio ambiente, que é voltada aos brasileiros, porque as primeiras pessoas a respirarem o ar da Amazônia são os brasileiros e depois o resto do mundo, vai secar os pulmões brasileiros, e depois os pulmões do resto do mundo. Essa política é um desastre para mundo.

Eu não vejo nenhuma política de Bolsonaro que deve favorecer o povo brasileiro. Não sei se ele vai se sustentar durante esses quatro anos, mas acho que ele indicou um general como vice como uma salvaguarda, as pessoas vão manter ele no poder porque não querem um militar. Mas pode ser que não aconteça uma crise econômica e talvez ele mantenha um apoio das classes médias e do setores empresariais que possibilite que a direita fique no poder por até 12 anos.

Após dois anos do governo Trump o Congresso americano foi à esquerda. Isso não aconteceu no Brasil porque muitas pessoas que foram eleitas, que apoiam o Bolsonaro e o MDB, têm ligações orgânicas com poderes locais que fazem com que eles se mantenham no poder.

É possível fazer uma comparação entre Trump e Bolsonaro?

Eu sempre digo para os americanos que não conhecem muito o Brasil que Bolsonaro é dez vezes pior do que Trump. Bolsonaro tem um programa no qual acredita e ele está ideologicamente comprometido em implementar esse programa. O Trump está preocupado em se promover, ele nem sabia se poderia ser eleito, ele se lançou como candidato para promover marketing, o que é a marca registrada dele. Ele foi eleito e resolveu aproveitar esses quatro anos para ganhar mais popularidade e ficar mais rico. Ele favorece os ricos, o sistema tributário favorece ele e seus pares e está fazendo leis para favorecer empresários e prejudicar direitos trabalhistas. Ele está muito empenhado em acabar com as leis que prejudicavam os seus negócios.

Bolsonaro tem uma visão consolidada reacionária e conservadora, uma aliança explícita com as igrejas evangélicas, que têm um programa reacionário e moralista.

Trump apoiava a legalização do aborto e depois mudou de opinião para alinhar o seu discurso com o do partido. A questão dos imigrantes e do muro e só um jeito de mobilizar a base dele porque ele sabe  que nesse momento, com a ameaça de seu impeachment, ele vai precisar manter uma base em torno de 40%, porque para ser impedido ele precisa de dois terços do Senado. Ele não tem uma convicção ideológica tão forte como Bolsonaro, por isso que Bolsonaro é mais perigoso.

Existe um rompimento democrático no Brasil quando impedem Lula de ser candidato?

Quando Dilma foi reeleita com uma diferença de voto muito pequena, eles perceberam que o governo passava por um momento de fraqueza e as as manifestações de junho de 2013 comprovaram que havia a possibilidade de mobilizar a direita. Depois das eleições eles inventaram qualquer pretexto para aprovar o impeachment dela. Com Lula foi um processo muito rápido. A rapidez com que o condenaram para impedir sua participação nas eleições, sendo que as acusações finais contra Lula não têm uma prova concreta de que o apartamento era dele.

Ele foi condenado a 12 anos de cadeia por uma mentira. O fato de não deixarem ele ir ao enterro do irmão, quando durante a ditadura militar Lula foi autorizado a ir ao velório de sua mãe. Isso é um exemplo da politização do judiciário. Quantos presos, assassinos, não foram liberados para ir ao velório de familiares?  Estão fazendo isso com ele por ser uma figura política. Ele é um preso político. Procuraram um pretexto para ele não ser candidato pois sabiam que ele seria eleito.

Haddad cresceu muito rápido após ser oficializado candidato a presidente, era o caso de algumas semanas a mais para ele virar o jogo. Enquanto isso, Bolsonaro, com a desculpa de seu acidente, não compareceu aos debates para que as pessoas não soubessem quem ele realmente é. Isso enfraquece a democracia. Essa eleição foi montada. Um candidato foi proibido de participar e outro se escondeu atrás de um pretexto para que o público não tivesse conhecimento de quem ele é. Além das circulações de fake news contra a esquerda. Bolsonaro é um pessoa totalmente incompetente para ser presidente, com um projeto mediaeval, que vai levar o país para o passado.

Imagino que se o Lula fosse presidente ele teria resolvido a questão da Venezuela, teria negociado uma  saída pacífica e evitaria uma possível invasão norte-americana, colombiana ou brasileira na Venezuela. Lula sempre foi um mediador. Lula abriu muita oportunidade para o empresariado brasileiro crescer, não foi socialista, ao contrário, defendia o capitalismo. Agora qual é a imagem do Bolsonaro no mundo? A imprensa classifica como um governo conservador, de ultra-direita, contra os direitos humanos, os LGBT, os negros, indígenas e o meio ambiente

 

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