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Psicologia da Manipulação

Em uma seita, qualquer coisa é aceitável e justificável, desde que seja direcionada contra o que quer que seja percebido como o inimigo “real” do grupo, aquele elemento com capacidade de alavancar as ansiedades desarticuladas de seus membros.

Já reparam como toda conversa com apoiadores do Bolsonaro segue o mesmo padrão? A coisa pode até começar de forma civilizada. Mas, invariavelmente, vai terminar com a reafirmação da crença cega no “mito” — especialmente quando começamos a apresentar fatos. Se você conhece alguém que se juntou a alguma seita, vai reconhecer o padrão: quando pessoas que já se convenceram de determinadas crenças são confrontadas com evidências que contrariem aquela visão, a tendência é que defendam com ainda mais zelo o indefensável.

É a mesma coisa que acontece com aquelas pessoas que creem no fim do mundo: cada vez que marcam uma data para o mundo acabar, e o mundo não acaba, elas simplesmente marcam outra data para o fim do mundo e seguem tentando convencer mais pessoas a acreditarem que o fim do mundo está próximo.

E não é por acaso que estamos vendo essa padrão de comportamento com cada vez mais frequência. Sabe porquê? Por quê a ultra-direita está usando as mesmas táticas usadas pelas seitas para manipular populações inteiras.

Funciona assim: primeiro, a pessoa se vê colocada em uma situação em que precisa compartilhar uma mentirinha “inofensiva” para contribuir com o “bem maior” — qualquer coisa, desde “sim, eu também vi o extraterrestre” até “sim, é verdade, eu tenho um amigo que o filho realmente recebeu o kit gay”. Se, no começo, essas alegações são quase inócuas, com o passar do tempo as mentiras – ou “verdades alternativas” – precisam aumentar em absurdo, até o ponto em que a pessoa precisa se comprometer com qualquer coisa. Voltar atrás, nesse estágio, tem um grande custo pessoal e social. Significa reconhecer ou que mentiu descaradamente, ou que foi grosseiramente manipulado. Está estabelecida a lealdade cega.

Mas isso não funcionaria se não existisse uma espécie de reforço contínuo, num esquema que lembra uma pirâmide. Na base, há um reforço entre pares, que começa timidamente, mas que vai se empoderando à medida que aqueles no topo da pirâmide começam a se comprometer com mentiras cada mais mais difíceis de serem sustentadas. E aí temos o terreno fértil para a construção de “realidades alternativas” — não no sentido de utopias, mas sim de “realidades paralelas” completamente desconectadas com os fatos concretos.

É assim, por exemplo, que Bolsonaro e seus seguidores podem passar de “a corrupção é o maior mal desse país” para “ah, mas esse valor é irrisório, nem conta como corrupção” para “somos todos caixa 2”. Em uma seita, qualquer coisa é aceitável e justificável, desde que seja direcionada contra o que quer que seja percebido como o inimigo “real” da tal seita, aquele elemento com capacidade de alavancar as ansiedades desarticuladas de seus membros — antipetismo, marxismo cultural, globalismo, você escolhe.

Quanto maior a capacidade de uma seita de controlar seus seguidores, e alimentá-los apenas com informações fragmentadas, maior sua força. E aqui entram as redes sociais. Empresas como a Cambridge Analytica têm o poder de manipular o conteúdo à que os usuários são expostos, mudando a percepção das pessoas sobre a realidade dos fatos através de rumores, desinformação, notícias falsas. Já não é mais necessário fazer um apelo à razão, ao convencimento consciente, ao debate com informações e argumentos sólidos. Pelo contrário: essas técnicas visam mudar o comportamento das pessoas apelando justamente a respostas não-racionais, como gatilhos emocionais ou preconceitos inconscientes.

O problema é que uma coisa é a pessoa acreditar individualmente que a terra é plana. Outra, muito diferente, é ter os rumos de toda uma nação sendo decididos por meio de manipulações psicológicas.

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