Reportagem de Patrícia Campos Mello e Artur Rodrigues, na Folha de S. Paulo mostra através de documentos na Justiça do Trabalho e relato de ex-funcionário da empresa Yacows irregularidades em serviço na campanha de Jair Bolsonaro (PSL).
Da Folha de S. Paulo
Relato e documentos apresentados à Justiça do Trabalho e obtidos pela Folha detalham o submundo do envio de mensagens em massa pelo WhatsApp que se instalou no Brasil durante as eleições deste ano.
Uma rede de empresas recorreu ao uso fraudulento de nome e CPF de idosos para registrar chips de celular e garantir o disparo de lotes de mensagens em benefício de políticos.
Entre as agências envolvidas no esquema está a Yacows. Especializada em marketing digital, ela prestou serviços a vários políticos e foi subcontratada pela AM4, produtora que trabalhou para a campanha do presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL).
A Folha falou diversas vezes com o autor da ação, Hans River do Rio Nascimento, ex-funcionário de uma dessas empresas. Nas primeiras conversas, ocorridas a partir de 19 de novembro e sempre gravadas, ele disse que não sabia quais campanhas se valeram da fraude, mas reafirmou o conteúdo dos autos e respondeu a perguntas feitas pela reportagem.
Chips usados em empresa para enviar mensagens de WhatsApp em massa –
No dia 25, ele mudou de ideia após fazer acordo com a antiga empregadora, registrado no processo. “Pensei melhor, estou pedindo pra você retirar tudo que falei até agora, não contem mais comigo”, disse, em mensagem de texto. Três dias antes, a Folha havia procurado a Yacows para solicitar esclarecimentos.
As conversas gravadas e a ação que Nascimento move acrescentam detalhes ao esquema revelado pela Folha em outubro, quando reportagem mostrou que empresários pagaram para impulsionar mensagens anti-PT na disputa eleitoral.
Após a publicação da reportagem, o WhatsApp bloqueou as contas ligadas às quatro agências de mídia citadas pela Folha por fazerem disparos em massa: Quickmobile, Croc Services, SMS Market e Yacows.
Nascimento descreve a atuação de três agências coligadas: Yacows, Deep Marketing e Kiplix, que funcionam no mesmo endereço em Santana (zona norte de São Paulo) e pertencem aos irmãos Lindolfo Alves Neto e Flávia Alves. Nascimento esteve empregado pela Kiplix de 9 de agosto a 29 de setembro com salário de R$ 1.500.
Segundo seu relato, as empresas cadastraram celulares com nomes, CPFs e datas de nascimento de pessoas que ignoravam o uso de seus dados. Ele enviou à reportagem uma relação de 10 mil nomes de pessoas nascidas de 1932 a 1953 (de 65 a 86 anos) que, afirma, era distribuída pela Yacows aos operadores de disparos de mensagens.
Nascimento afirma que os dados utilizados sem autorização eram parte importante do esquema.
A lei exige o cadastro de CPFs existentes para liberar o uso de um chip. Como o WhatsApp trava números que enviam grande volume de mensagens para barrar spam, as agências precisavam de chips suficientes para substituir os que fossem bloqueados e manter a operação.
Ainda segundo Nascimento, a linha de produção de mensagens funcionou ininterruptamente na campanha.
As condições a que alega ter sido submetido —ele diz não ter sido registrado, não ter feito pausa para almoço e não ter recebido horas extras— levaram-no a ajuizar ação trabalhista contra a Kiplix.
Ele anexou ao processo fotos e trocas de mensagens entre funcionários e os donos das empresas nas quais discutem a operação antes do primeiro turno.
Em uma das mensagens compartilhadas com a Folha por Nascimento, um supervisor diz a todos os funcionários que eles devem trabalhar no final de semana: “Campanha de GOV iniciando!”. Nenhum candidato a governador declarou ao Tribunal Superior Eleitoral despesas com essas agências.
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