“Não podemos desistir do Brasil!” (as últimas cinco palavras ditas pelo meu amigo Eduardo Campos, ao final da entrevista no Jornal Nacional, na véspera da sua morte num acidente de avião, quando era candidato a presidente da República, em agosto de 2014).
Meus queridos netos, Laura, João, Isabel, André e Olguinha,
tenho me lembrado muito nos últimos dias desta frase de Eduardo Campos, que entrevistei várias vezes, jovem político pernambucano que era apaixonado pelo Brasil e seu povo, e sempre falava com muito entusiasmo das nossas potencialidades como nação.
Tão apaixonado pelo Brasil como ele eram meus pais, que não se cansavam de me dizer quando eu era pequeno: “Este aqui é o melhor país do mundo. Você deu muita sorte de ter nascido aqui”.
Foi mesmo uma sorte, porque nasci poucas semanas depois de meus pais chegarem ao porto de Santos, num navio de refugiados de guerra que sobreviveram à grande tragédia do nazifascismo que tinha varrido a Europa dos nossos antepassados.
Grávida de sete meses, vovó Bete passou muito mal durante a viagem e por pouco não nasci no navio, que era de bandeira francesa.
Assim começou a vida da nossa família aqui, naqueles tempos difíceis do pós-guerra, quando a fome e o medo ainda grassavam em muitos países europeus.
Isso foi há exatos 70 anos, a minha idade.
Por que estou me lembrando de tudo isso agora, nestes dias que antecedem mais uma eleição direta para presidente da República, um direito duramente reconquistado pela minha geração, depois dos longos anos de ditadura?
É para pedir a vocês que não desanimem diante das enormes dificuldades que nosso país está enfrentando neste momento, com nossa democracia correndo mais uma vez sério risco de sobrevivência.
A vida dos países, assim com as nossas, é uma montanha-russa de altos e baixos, que vai alternando sentimentos de tristeza e de alegria, mas nunca devemos perder as esperanças em nós mesmos para tomar o destino nas nossas mãos.
Sei que no colégio de vocês, onde eu e seus pais também estudaram, muitos colegas estão falando em ir embora do Brasil, com medo do que pode acontecer depois da eleição.
Na nossa pequena família mesmo, temos exemplos: os 3 filhos e os 10 netos do tio Ronaldo, meu único irmão, já foram embora, vivem hoje nos Estados Unidos e na Inglaterra, e nem pensam em voltar.
Semana passada, ele e a tia Eliza também cuidaram de tirar os documentos de cidadania italiana, a que têm direito.
Ontem, o consulado de Portugal em São Paulo suspendeu a concessão de vistos tamanha era a procura de brasileiros querendo ir embora.
Não, o Brasil não vai acabar, mas pode ficar muito ruim de se viver aqui, eu sei, e agora estou começando a sentir receio de ficar sozinho porque não tenho mais idade nem saúde para ir embora.
Para falar bem a verdade, ainda que pudesse, eu não teria vontade de deixar o Brasil.
Já vivi esta experiência de passar dois anos fora, trabalhando na Alemanha, e morria de saudades da minha terra e dos meus amigos.
Meus pais tinham razão: apesar de todos os problemas e ameaças, injustiças e atrocidades, ainda não inventaram um país melhor para se viver.
Só aqui me sinto cidadão pleno, faço parte da paisagem e da história, não quero mais viver como estrangeiro em outro lugar, por mais belo e tranquilo que seja.
Como jornalista, vocês sabem, tive a oportunidade de viajar por todos os continentes, conheci tudo do bom e do melhor, e também do pior, e sempre queria voltar logo porque aqui é o meu lugar, lembrando aquela velha canção.
Nas próximas eleições, Laura e João já poderão votar para presidente e, quem sabe, a geração de vocês possa ajudar a construir um país mais solidário e fraterno, com menos desigualdades e intolerância como está acontecendo agora.
Basta pensar que, apenas quatro anos atrás, o Brasil estava próximo do pleno emprego, as pessoas faziam planos para melhorar de vida, ninguém se matava por causa de política e a gente só pensava em viajar para o exterior a passeio.
As coisas podem mudar para melhor outra vez. Só não sei quando, nem se terei tempo de ver, mas vocês certamente ainda poderão sentir novamente orgulho de ser brasileiros, ainda que seja com a idade que tenho hoje.
Pode demorar, vai depender do que vocês forem capazes de fazer e construir.
Só fico frustrado e triste por não poder deixar para vocês um país melhor do que aquele que meus pais me deixaram.
Sou obrigado a reconhecer o fracasso da minha geração, que passou a vida lutando por democracia e venceu muitas batalhas, mas agora deixa de herança o sofrimento de milhões de famílias sem trabalho, voltando ao mapa da pobreza, me fazendo lembrar das histórias dramáticas que meus pais contavam dos países destruídos pela guerra.
Aqui não tivemos guerra, mas fantasmas que pareciam definitivamente enterrados voltam a nos assombrar à luz desses dias sombrios, de volta a um passado tenebroso.
Se cada um, no entanto, fizer a sua parte e não entregar os pontos, boto fé que a geração de vocês poderá fazer o Brasil voltar a ser o que já foi, a terra prometida dos primeiros Kotscho que para cá vieram.
Eu já decidi: vou ficar.
Quem me acompanha?
E vida que segue.

Maria José Rosa Teixeira says:
Li entre as lágrimas essa carta do excelente jornalista Ricardo Kotscho. Nosso país é maravilhoso, mas uma parte da sua gente permitiu que aflorasse seu lado sombrio. Alimentadas pelo discurso de ódio e intolerância disseminados por um homem claramente desequilibrado e endossados por uma mídia conivente estão promovendo ataques e matando pessoas. Na minha família há pessoas negras, homossexuais e temo pela segurança delas. Como mulher me sinto ameaçada também. Não posso sair do país nesse momento, mas confesso que já pensei nessa possibilidade.
João Batista Gouveia says:
Muto bom o texto. Em Outubro de 2014 mês de Outubro de 2014, comprei o livro/lançamento O Futuro Chego , de Domenico de Masi, e me contagiei com seu entusiasmo sobre o Brasil. – Esse País que teimava em permanecer sonolento despertava para um novo Mundo, havia conseguido encontrar seu caminho para desenvolver suas potencialidades. – Infelizmente a eleição não foi aceita pela oposição que fizem a aliança macabra aécio/cunha e mais 0s 300 picaretas no Congresso, e o sonho foi adiado por tempo indeterminado, tal qual a sentença do juíz que condenou Lula, por crime indeterminado. Faço das palavras do Ricardo, as minhas, somos de uma mesma geração, eu nativo brasileiro há mais de séculos. Socorro-me no otimismo de minha mão (in memoriam) “jamais desistir, jamais entregar os pontos”. Com dizia o Chico “Vai passar”…
PERICLES PEGADO CORTEZ says:
Kotsho, linda carta! Vou repassá-la na minha rede e para os meus filhos. Diferente de você a minha família, parte de pai, aqui aportou em 1724 no RN, também em momento difícil na Espanha. Os avos portugueses, aqui chegaram em 1915, em outro momento de dificuldade na Europa. As pessoas estão sempre fugindo de algo. É uma “humanidade” belicosa e perversa, até quando não sei, mas não é para o meu tampo (70 anos) a sua redenção. Também, como você, lutei muito para conseguirmos uma frágil democracia e a esperança de criarmos um país mais justos e menos desigual, segundo os meus preceitos cristãos. Lutamos o bom combate, não me sinto perdedor. A nossa geração abriu a porta para a construção de um país melhor e mais justo. A nossa elite do atraso e os interesses internacionais, principalmente pré-sal e BRICS, não vão permitir. Eles querem manter o quintal como reserva de matérias-primas e não permitirão a construção de uma potencia mundial ao sul do equador. A luta continua e será renhida. Agora estamos de novo diante da decisão: abaixar o lombo para a ditadura do relho ou enfrentar os golpistas em todos os campos de batalha. Deixar o país, nem pensar. Espero que os meus filhos não fujam a luta. O Brasil também, espera.Golpistas, não passarão.
Maria Victoria Benevides says:
kotsho que bela carta! fiquei emocionada e pensei no futuro de seus netos como penso no dos meus e em todo o povo brasileiro.
Vamos enfrentar com coragem e amor ao nosso país .Um abraco
afetuoso compaheiro!
maria victoria benevides
Sueli Canato says:
Em lágrimas agradeço vossas palavras e peço licença para assinar em baixo.