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Jurista mais citado no STF emite parecer contra prisão de Lula após 2ª instância

A defesa do ex-presidente Lula apresentou nesta segunda-feira (2) ao Supremo Tribunal Federal (STF) parecer emitido pelo jurista José Afonso da Silva, professor titular aposentado da Faculdade de Direito da USP, demonstrando que “O princípio ou garantia da presunção de inocência tem a extensão que lhe deu o inc. LVII do art. 5º da Constituição Federal, qual seja, até o trânsito em julgado da sentença condenatória”. “A execução da pena antes disso — prossegue — viola gravemente a Constituição num dos elementos fundamentais do Estado Democrático de Direito, que é um direito individual fundamental”.
Afonso da Silva é o jurista mais citado pelo STF em decisões relativas ao controle abstrato da Constituição Federal. Ele elaborou o parecer “pro bono” (sem cobrança de honorários) porque, segundo explicou, está exercendo um “dever impostergável” de “defesa da Constituição”: “Afirmei que tenho o ‘dever impostergável’ de defender a Constituição, e essa afirmativa decorre do fato de que trabalhei muito, me empenhei para além mesmo de minhas forças, para que ela fosse uma Constituição essencialmente voltada para a garantia da realização efetiva dos direitos humanos fundamentais, confiante em que os Tribunais, especialmente o Tribunal incumbido de sua guarda, soubessem interpretar a formulação normativa desses direitos, segundo a concepção de que seu entendimento há de ser sempre expansivo e nunca restritivo”.
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Ao responder os quesitos formulados pela defesa do ex-presidente, José Afonso da Silva assim se manifestou:
“Ao 1º quesito: Qual a extensão da garantia da presunção de inocência, contida no artigo 5º, LVII, da Constituição?
O principio da presunção de inocência tem a extensão que lhe deu o inc. LVII do art. 5º da Constituição Federal, qual seja, até o trânsito em julgado da sentença condenatória. A execução da pena antes disso viola gravemente a Constituição num dos elementos fundamentais do Estado Democrático de Direito, que é um direito individual fundamental (…) Dá-se a preclusão máxima com a coisa julgada, antes da qual, por força do princípio da presunção de inocência, não se pode executar a pena nem definitiva nem provisoriamente, sob pena de infringência à Constituição.
Ao 2º. Quesito: A tese firmada pelo STF no Habeas Corpus nº 126,292/SP, qual seja, “A execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência”, é compatível com o artigo 5º, LVII, da Constituição?
Não. Indubitavelmente não é compatível com o inc. LVII do art. 5º da Constituição a tese firmada pelo Supremo Tribunal Federal no HC 126.292 de que ‘a execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção da inocência’. É incompreensível como o grande Tribunal, que a Constituição erigiu em guardião da Constituição, dando-lhe a feição de Corte Constitucional, pôde emitir tal decisão em franco confronto com aquele dispositivo constitucional.
Ao 3º. Quesito: O Tribunal Regional da 4ª Região determinou, nos autos da apelação criminal n° 5046512-94.2016.4.04.7000/PR, que o início do cumprimento da pena imposta a Lula deverá ocorrer imediatamente após o esgotamento da jurisdição daquela corte, e não a partir do trânsito em julgado do processo-crime. Esta determinação é compatível com o artigo 5°, LVII, da Constituição Federal?
Não. Não é compatível com o art. 5º, LVII da Constituição a interpretação do Tribunal Regional Federal da 4ª. Região de se dar início ao cumprimento da pena imposta a Lula imediatamente após o esgotamento da jurisdição daquela Corte, e não a partir do trânsito em julgado do processo-crime. O Tribunal comete grave inconstitucionalidade com essa determinação.
Ao 4º. Quesito: A ordem de execução provisória da pena de Lula, tendo sido decretada de ofício, limitando-se a mencionar entendimentos sumulares e precedentes do Supremo Tribunal Federal, e sendo a mesma, ante os elementos concretos da causa, desnecessária, é compatível com o artigo 5°, LVII, da Constituição Federal?
Não. A ordem de execução provisória da pena imposta a Lula, decretada de ofício, limitando-se a mencionar entendimentos sumulares e precedentes do STF, e sendo a mesma, ante os elementos concretos, desnecessária, não é compatível com o art. 5º. LVII da Constituição. O sistema processual penal brasileiro, de acordo com a Constituição, se rege pelo princípio acusatório, no qual se exige que o juiz não pode agir de ofício, ‘nemo iudex sine actor’. E a execução é reconhecidamente um processo administrativo autônomo, por isso só pode ser iniciado quando devidamente provocado.
Ao 5º. Quesito: O contexto fático apresentado no habeas corpus n° 152.752/PR – revelando iminente possibilidade de execução da pena de Lula antes do trânsito em julgado de sua condenação criminal – constitui hipótese de flagrante constrangimento ilegal apta a afastar a incidência da súmula 691/STF?
Sim, sem dúvida. O contexto fático apresentado no HC 152.752 – revelando iminente possibilidade de execução de pena de Lula antes do trânsito em julgado de sua condenação criminal – constitui-se em hipótese de flagrante constrangimento ilegal apta a afastar a incidência da Súmula 691/STF. “Toda decisão ilegal ou inconstitucional de juiz ou Tribunal constitui constrangimento apto ao cabimento de habeas corpus, para evitar a consumação de ação ilegal e constrangedora”.
O parecer de José Afonso da Silva evidencia que o HC impetrado pela defesa do ex-presidente Lula está baseado na única interpretação possível do art. 5º, inciso LVII, da Constituição Federal, que veda a antecipação da pena sem a existência de decisão condenatória contra a qual não caiba mais recurso (transitada em julgado).
José Afonso da Silva é o jurista mais citado pelo STF em decisões relativas ao controle abstrato da Constituição Federal. Segundo o conselho federal da OAB, é considerado um dos maiores constitucionalistas do país. Graduou-se pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, onde obteve o título de livre docente e foi professor titular do Curso de Direito, responsável pelo Curso de Direito Urbanístico, em nível de pós-graduação, e livre docente de direito financeiro e de processo civil. Também foi professor de direito constitucional da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais.
O jurista foi assessor na Assembleia Nacional Constituinte e participou do processo de elaboração da Constituição de 1988. Foi Secretário da Segurança Pública do Estado de São Paulo, entre 1995 e 1999, no governo de Mario Covas. Hoje é procurador do Estado de São Paulo aposentado.
Sua obra clássica intitulada Curso de Direito Constitucional Positivo, hoje na 34ª edição, é considerado o mais completo e atualizado estudo sobre a Constituição de 1988, segundo texto escrito pelo conselho federal da OAB.
Afonso da Silva foi filiado ao PSDB, e votou em Lula em apenas uma ocasião, por decisão do diretório tucano: quando o ex-presidente disputou a páreo com Fernando Collor de Mello, em 1989. Hoje não é mais filiado a nenhum partido.

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