
05/09/2016- Manifestantes protestam contra Michel Temer na avenida Paulista, São Paulo. Foto: Roberto Parizotti/CUT
“Estou completamente paralisada. Preciso trabalhar e não consigo. Passo noites sem dormir. Não só eu, como outros pais e jovens. Não dá para achar que vivemos uma situação de normalidade nesse estado de exceção pelo qual passa o Brasil”, diz Cileda Perrella, mãe de Erico, um dos dezoito jovens presos pela Polícia Militar antes de um protesto contra Michel Temer em São Paulo, no dia 4 de setembro de 2015. Nesta sexta-feira (22), passarão pela primeira audiência judicial.
Os detidos foram apreendidos com estilingues, máscaras de gás, óculos de proteção, vinagre, celulares, câmeras e itens de primeiros-socorros. A Secretaria de Segurança Pública também citou uma barra de ferro que, de acordo com os manifestantes, foi “plantada” por policiais. Esses objetos embasaram a denúncia do Ministério Público Estadual por associação criminosa e corrupção de menores.
A operação policial contou com um agente infiltrado, o capitão do Exército Willian Pina Botelho, que se passou de manifestante para conduzir o grupo até o local da prisão. Segundo os jovens, havia diversas viaturas e policiais de tocaia que apareceram minutos após chegarem ao CCSP.
Eles foram levados ao Deic (Departamento Estadual de Investigações Criminais), onde passaram horas incomunicáveis e sem acesso a advogados. A prisão chamou atenção de parlamentares como o deputado federal Paulo Teixeira (PT-SP) e o vereador Eduardo Suplicy (PT-SP), que se juntaram aos pais dos detidos e jornalistas no local para pressionar os agentes de segurança por informações sobre os jovens.
“Era uma noite fria. Os meninos chegaram ao Deic no fim da tarde e só pelas 2 da manhã, depois que o Suplicy e o Paulo Teixeira entraram, é que os advogados puderam falar com os meninos. A gente passou horas lá sem informação alguma”, conta Cileda.
Após audiência de custódia no Fórum Criminal da Barra Funda, o juiz do Tribunal de Justiça de São Paulo Rodrigo Tellini de Aguirre Camargo decidiu soltar os manifestantes por falta de provas da PM. Em seu despacho, disse que o Brasil, “como estado democrático de direito, não pode legitimar a atuação policial de praticar verdadeira “prisão para averiguação. Este tempo, felizmente, já passou”.

Objetos apreendidos pela polícia. Foto: Divulgação/SSP
Em agosto deste ano, no entanto, a juíza Cecília Pinheiro da Fonseca, da 3ª Vara Criminal, aceitou a denúncia do MP e tornou os jovens réus. De acordo com a acusação, eles seriam adeptos da tática black bloc e haveria indícios de que tinham como objetivo destruir o patrimônio público e “provocar lesões corporais em policiais militares”.
Cileda, professora universitária na Faculdade Zumbi dos Palmares, organizou a Comissão de Solidariedade junto com o marido e amigos para que os outros pais e réus “se deem forças neste momento”.
Erico, que preferiu não dar entrevista, trabalha em uma incubadora de produtos bioquímicos. Ingressou nos cursos de Física e Química, na Universidade de São Paulo, e agora estuda Ciências Sociais. Costumava ir a manifestações com seus pais. “Tenho medo de que meu filho sofra alguma perseguição. Todos eles foram muito expostos. Se houve um Balta (nome falso do agente infiltrado), podem ter outros. Digo a ele para tomar cuidado. Mas ele até que está bem, tranquilo. Me preocupo mais com outros jovens que estão muito fragilizados e precisam de ajuda, estão com acompanhamento psicológico”.
O capitão Botelho usou redes sociais para se passar por um manifestante. Ele chegou a ser detido, mas não foi levado à delegacia. Três meses depois das prisões, Botelho foi promovido a major.
Segundo o jornal El País, o Exército concluiu uma sindicância sobre o caso em março deste ano e afirmou “não haver registro” de que a corporação tenha agido em parceria com a Polícia Militar. O comandante-geral da Força, general Eduardo da Costa Villas Bôas, no entanto, disse que houve “absoluta inteiração”com a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo para a ação.
