{"id":35289,"date":"2018-07-16T13:10:27","date_gmt":"2018-07-16T16:10:27","guid":{"rendered":"https:\/\/www.nocaute.blog.br\/?p=35289"},"modified":"2018-07-16T21:12:04","modified_gmt":"2018-07-17T00:12:04","slug":"a-passagem-de-ho-chi-minh-pelo-rio-de-janeiro","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/nocaute.blog.br\/2018\/07\/16\/a-passagem-de-ho-chi-minh-pelo-rio-de-janeiro\/","title":{"rendered":"A passagem de Ho Chi Minh pelo Rio de Janeiro"},"content":{"rendered":"
Ol\u00e1, amigos do blog Nocaute. Aqui \u00e9 o seu correspondente Ariel Seleme, diretamente de Han\u00f3i. Vamos falar hoje sobre a passagem de Ho Chi Minh pelo Rio de Janeiro.<\/p>\n
Eu estive aqui pesquisando, estive na Universidade de Han\u00f3i, no mausol\u00e9u, no Museu de Ho Chi Minh, em Han\u00f3i. Estive com diplomatas, historiadores. Eu acho que eu consegui, basicamente, tudo o que tem sobre Ho Chi Minh e sua passagem pelo Rio de Janeiro. Ho Chi Minh, o grande l\u00edder vietnamita. O grande her\u00f3i vietnamita, da independ\u00eancia.<\/p>\n
Bom, a trajet\u00f3ria de Ho Chi Minh at\u00e9 o Rio de Janeiro come\u00e7a em junho de 1911, quando ele sai do porto de Saigon para Marseille, em um navio franc\u00eas chamado Admiral Tr\u00e9ville. Ele tinha 20 anos.<\/p>\n
Ele saiu em junho de 1911. Por que ele saiu? Ele foi expulso de uma escola onde estudava porque ele traduziu um documento que trabalhadores rurais vietnamitas escreveram para fazer reivindica\u00e7\u00f5es junto aos franceses. Ele traduziu esse documento do vietnamita para o franc\u00eas e em fun\u00e7\u00e3o disso a escola o expulsou. Ele tentou alguns trabalhos, chegou a ser professor, mas j\u00e1 estava na lista negra da pol\u00edcia francesa e por fim resolveu sair do Vietn\u00e3.<\/p>\n
Embarcou com destino a Marseille, na Fran\u00e7a, em 1911. Chegou em Marseille no final de julho de 1911 e ficou l\u00e1 at\u00e9 o in\u00edcio de 1912. Em Marseille ele trabalhou como sapateiro e jardineiro. No navio franc\u00eas, ele era ajudante de cozinha. Muito elogiado pelo trabalho e muito querido pelos franceses.<\/p>\n
De Marseille, com a mesma companhia de navega\u00e7\u00e3o, ele pega outro navio e segue para a \u00c1frica, onde ele conheceu as col\u00f4nias francesas na \u00c1frica. Trabalhando como ajudante de cozinha, ele foi ao Senegal, Camar\u00f5es, Congo. Voltou ao Senegal, do Senegal ele troca de navio e segue para Buenos Aires e Montevideo, isso em 1912.<\/p>\n
Quando ele embarca em Montevideo com destino ao Rio de Janeiro, ele j\u00e1 embarcou doente e durante a viagem at\u00e9 o Rio piorou. O comandante do navio, com medo dele morrer a bordo, obrigou o Ho Chi Minh a descer no Rio para se tratar. E o navio seguiu.<\/p>\n
Ho Chi Minh era muito querido, era um trabalhador valorizado por essa companhia de navega\u00e7\u00e3o. E ele ficou no Rio para se tratar e assim que estivesse curado pegaria um novo navio dessa mesma companhia de navega\u00e7\u00e3o para seguir viagem.<\/p>\n
Chegou ao Rio em meados de 1912. Desceu no Rio e, em quest\u00e3o de semanas, ficou bom, foi curado. Se tratou e foi curado, n\u00e3o se sabe a doen\u00e7a que ele tinha.<\/p>\n
E ficou aguardando a passagem desse novo navio para seguir viagem.<\/p>\n
Em fun\u00e7\u00e3o de aguardar a passagem desse novo navio, ele ia constantemente ao porto do Rio de Janeiro, para saber not\u00edcias de quando chegaria o novo navio dessa companhia de navega\u00e7\u00e3o.<\/p>\n
No Rio, nesse per\u00edodo que ele viveu de tr\u00eas meses, ele trabalhou como ajudante de cozinha em um restaurante que ficava no primeiro andar, no andar t\u00e9rreo de um hotel da Lapa. Ele era ajudante de cozinha e gar\u00e7om. E morava em Santa Teresa, em uma pens\u00e3o. Trabalhava na Lapa e morava em Santa Teresa e constantemente ia para o porto do Rio, para ter not\u00edcias do navio que o levaria em frente, para ele seguir viagem.<\/p>\n
No Rio de Janeiro ele fala de tr\u00eas coisas, primeiro, a beleza natural do Rio que o encantou. Segundo, ele ficou impressionado com o Jardim Bot\u00e2nico e, por fim, ele tamb\u00e9m ficou muito impressionado, e era um local onde frequentava, a Zona do Mangue, a regi\u00e3o bo\u00eamia da Zona do Mangue.<\/p>\n
Ele tinha 21 anos e na \u00e9poca usava o nome Nguyen Tac Tan.<\/p>\n
\u00c9 interessante que aqui no Vietn\u00e3 \u00e9 comum, uma quest\u00e3o cultural talvez, que as pessoas usam nomes diferentes. Eu tenho v\u00e1rios amigos que tem um nome de origem, mas usam outros nomes, usam at\u00e9 nomes ocidentalizados.<\/p>\n
O caso interessante de Ho Chi Minh no Rio \u00e9 que ele trabalhava como cozinheiro e frequentava muito o Porto para ter not\u00edcias no navio que o levaria, isso em 1912. L\u00e1 ele conhece um cozinheiro negro pernambucano. Cozinheiro de navio e l\u00edder no Porto, o cozinheiro se chamava Jos\u00e9 Leandro da Silva.<\/p>\n
Em 1921, nove anos ap\u00f3s sua estadia no Rio, Ho Chi Minh escreve um artigo chamado \u201cSolidariedade Internacional\u201d, onde conta a hist\u00f3ria desse Jos\u00e9 Leandro que ele conheceu no Rio de Janeiro.<\/p>\n
Jos\u00e9 Leandro era um l\u00edder sindical, cozinheiro como Ho Chi Minh, e em 4 de fevereiro de 1921 lidera uma greve no Porto do Rio do Janeiro, uma greve que tinha duas reivindica\u00e7\u00f5es principais: uma jornada de trabalho de oito horas e sal\u00e1rios iguais para negros e brancos. Os negros recebiam sal\u00e1rios muito menores, o Brasil era rec\u00e9m-sa\u00eddo da escravid\u00e3o, ent\u00e3o eram essas as reivindica\u00e7\u00f5es.<\/p>\n
Aconteceu um caso interessante com o Z\u00e9 Leandro, que o Ho Chi Minh narra no seu artigo de Solidariedade Internacional que escreveu em 1921, onde o Z\u00e9 Leandro, como l\u00edder sindical, resolveu entrar em um navio espanhol, que tinha acabado de atracar no porto do Rio, para avisar os mar\u00edtimos que o Porto estava em greve e tamb\u00e9m pedir a ades\u00e3o deles a greve.<\/p>\n
Ao tentar embarcar nesse navio, um policial o impediu e Z\u00e9 Leandro respondeu que era l\u00edder sindical e tinha o direito de entrar, mas mesmo assim o policial n\u00e3o deixou e sacou uma arma e atirou contra Jos\u00e9 Leandro que conseguiu se safar e mesmo assim deu um golpe no policial e o jogou no mar.<\/p>\n
Logo em seguida Z\u00e9 Leandro foi cercado por mais dez policiais, lutou muito, levou onze tiros \u2013 segundo o artigo do Ho Chi Minh – e foi levado de ambul\u00e2ncia para o hospital. Conta Ho Chi Minh que na ambul\u00e2ncia, Jos\u00e9 Leandro, mesmo baleado com onze tiros, cantou \u201cA Internacional Comunista\u201d.<\/p>\n
Nessa luta que Z\u00e9 Leandro teve com os policiais, eles atiraram contra o l\u00edder sindical e um dos tiros acertou um conferente de cargas do porto que morreu. Z\u00e9 Leandro chegou ao hospital, conseguiu sobreviver, mas foi condenado a trinta anos de cadeia em fun\u00e7\u00e3o da morte do conferente de carga do porto.<\/p>\n
Como o conferente de carga morreu baleado, houve um movimento de solidariedade ao Jos\u00e9 Leandro. O artigo chama-se \u201cSolidariedade de Classe\u201d. V\u00e1rios advogados da sociedade carioca, trabalhadores etc. se manifestaram por Jos\u00e9 Leandro. Lembra-se o caso dos l\u00edderes anarquistas de Boston, que houve uma grande solidariedade para eles tamb\u00e9m.<\/p>\n
Em fun\u00e7\u00e3o dessa solidariedade, dessa a\u00e7\u00e3o dos advogados, Jos\u00e9 Leandro foi absolvido porque como o conferente morreu baleado e Jos\u00e9 Leandro n\u00e3o tinha revolver, n\u00e3o tinha nenhuma arma, ele lutou contra os policiais somente com as m\u00e3os, ele n\u00e3o poderia ser condenado pela morte do conferente de carga e por fim Jos\u00e9 Leandro \u00e9 solto. Obviamente ele teve um final de vida tr\u00e1gico mas esse \u00e9 um outro assunto.<\/p>\n
Esse \u00e9 o artigo do Ho Chi Minh, que sai do Rio em setembro ou outubro de 1912, segue para Boston, Nova Iorque, depois vai a Paris, l\u00e1 se une ou Partido Comunista Franc\u00eas. Depois da primeira guerra mundial ele segue para a ent\u00e3o Uni\u00e3o Sovi\u00e9tica e de l\u00e1 come\u00e7a sua trajet\u00f3ria de retorno ao Vietn\u00e3 e da luta de independ\u00eancia do pa\u00eds. Ent\u00e3o meus amigos, essa \u00e9 a passagem de Ho Chi Minh pelo Rio de Janeiro. Foi o que conseguimos levantar aqui em Han\u00f3i. Forte abra\u00e7o e at\u00e9 a pr\u00f3xima.<\/p>\n