Brasil

Um terço dos brasileiros está confuso. Eles vão decidir o futuro do Brasil.

Não basta constatar os números da pesquisa Datafolha. É preciso ler o que eles dizem, pois são um mapa do que fazer.

Por Evilázio Gonzaga Alves (*)

A semana começa com a vaia estrondosa de Bolsonaro no Maracanã e a pesquisa Datafolha, que indica aparentemente um Brasil rachado em três partes. Esses eventos e dados precisam ser lidos, para serem entendidos.

Bolsonaro mantém uma base de 33% e a oposição ao subfascismo também gira em torno de 1/3 do eleitorado. O outro terço não se coloca em nenhuma das duas posições, mas também não se posiciona politicamente – o sentimento aparente é de dúvida.

Subfascismo porque o fascismo clássico é nacionalista e defende ferozmente os interesses dos seus países. O bolsonarismo apenas finge ser patriota, para enganar a população, mas, na prática, submete o país a uma potência estrangeira e conduz um governo contrário aos interesses nacionais.

O terço bolsonarista indica que há um setor da sociedade brasileira que não se posiciona a partir da racionalidade dos efeitos da economia, pois piorou a qualidade de vida de todos os brasileiros, exceto de uma minoria que não vai além de 10%.

Outro dado da pesquisa aponta que a classe média intermediária, que tem renda entre 5 e 10 salários mínimos, iniciou um processo de afastamento do bolsonarismo. Nessa faixa, o governo perdeu 6% de aprovação (caindo de 43% para 37%). Já no segmento econômico mais alto, dos que possuem renda acima de 10 salários mínimos, a aprovação do subfascismo aumentou, indo de 41% para 52% – um crescimento de 11%!    

Nesse setor de renda mais elevada é bastante plausível que o preconceito de classe seja o fator determinante para formar a opinião pública. Segundo o Datafolha, com dados do IBGE, apenas 1% da população brasileira está dentro dessa faixa. Somente esse setor é insuficiente para manter os 33% de aprovação a Bolsonaro. Então, de onde vem o apoio ao presidente?

Diversos pesquisadores de opinião pública – concordo com eles – avaliam que a base de sustentação do subfascismo é essencialmente o segmento demográfico composto pelos evangélicos. Esse segmento, de acordo com pesquisa do Datafolha, gira em torno dos 30% da população.

Bolsonaro também tem apoio dos policiais e dos militares de baixa patente. O efetivo das forças militares e paramilitares no país – incluindo os seguranças privados, que tendem a se comportar como os militares formais – é de 1,3 milhões de pessoas. Considerando as suas famílias, de acordo com a composição familiar das classes D e E, onde se encontram a maior parte dessas pessoas, chega-se a um total de 5,2 milhões de brasileiros. Pode ser estimado que 2/3 desse pessoal está na faixa etária eleitoral: são 3,5 milhões de pessoas, ou 1,7% da população brasileira.

Dessa forma, 30% de evangélicos, mais 1,7% de militares, policiais, seguranças ou familiares, mais os muito ricos, levam a cerca de 32% dos brasileiros, o que é um contingente muito próximo do índice de 33% apurado no Datafolha de pessoas que mantém apoio a Bolsonaro.

A péssima qualidade do seu governo e pequenas traições da sua base, provavelmente, farão com que a popularidade do governo seja corroída ainda mais. Entretanto, nada indica uma queda acentuada do seu núcleo de apoio.

Portanto, a oposição deve evitar a ideia de ampliar o desgaste do governo Bolsonaro na própria base do presidente.

Os brasileiros que vão decidir o futuro do Brasil

É melhor olhar para outro lado: o 1/3 dos eleitores que consideram o governo Bolsonaro regular.

Serão necessários estudos mais aprofundados, mas é bastante provável que esse público esteja vivendo um intenso sentimento de dúvida. Não veem Bolsonaro como alternativa, no entanto mantêm a rejeição ao PT. Essas pessoas vão decidir o futuro do Brasil.

A bandeira Lula Livre é essencial e simboliza o reencontro do país com a democracia, porém não sensibiliza 33% da população. A pesquisa Datafolha indicou esse fenômeno: um elevado percentual de pessoas considera que Moro cometeu desvios graves, entretanto a maioria dos entrevistados acredita que a prisão de Lula é correta.

Esse contingente é composto pelas pessoas que se desiludiram com o governo Bolsonaro ou nunca acreditaram nele, mas não se consideram contemplados pelo apelo Lula Livre. Essas pessoas, que tiveram queda na sua qualidade de vida, querem respostas para as suas angústias em um Brasil que se torna a cada dia mais hostil.

Se a esquerda democrática não conseguir sensibilizar essas pessoas, elas deverão procurar alternativas políticas, levando à cristalização do atual ambiente de segmentação dividido exatamente em três partes, o que vai gerar um impasse político.

É preciso um programa para cativar os brasileiros

Porém há outro caminho para a esquerda democrática: apresentar um programa que fale aos corações e às mentes dos brasileiros. Um dos melhores exemplos dessa estratégia foi a orientação de Lênin aos bolcheviques, quando voltava para a Rússia, em 1918. Todos os outros grupos políticos que se digladiavam no turbilhão que ocorria naquele momento, inclusive outras forças de esquerda, defendiam a continuidade da amarga guerra contra a Alemanha. A centro esquerda, os liberais e os conservadores eram contra a distribuição de terras aos camponeses famintos. Nenhum partido, além dos bolcheviques apresentava preocupação concreta com a fome que acossava a maioria dos russos.

Lenin percebeu a angústia e o sofrimento do povo russo. O slogan que sintetizava o seu programa nada tinha de radical ou ideológico, mas expressava o profundo humanismo do líder revolucionário: Paz, Pão e Terra.

É um exemplo que serve para o Brasil agora.

É preciso ir além da bandeira Lula livre e da proposta de unidade do campo democrático, que dizem muito para os 33% que se opõem ferozmente ao governo subfascista. No entanto esses slogans políticos, embora tenham extrema relevância simbólica, atingiram seu limite e não sensibilizam o terço confuso.

 É preciso seguir o exemplo de Lenin e apresentar um programa simples e objetivo de salvação do Brasil, que seja sintonizado com as angústias, os medos, as necessidades, os desejos e os sonhos da maioria dos brasileiros; que querem emprego, oportunidades de renda, proteção social, garantia de saúde, previdência justa, defesa da educação, regras para o patrimônio nacional, segurança cidadã (com reforma da polícia e da justiça) e pacificação nacional. Os brasileiros estão cansados, querem paz e proteção social, para construir um futuro melhor. Seguindo a estratégia do Lênin, o PT e a esquerda terão o Lula nas ruas mais cedo.

(*) Evilázio Gonzaga Alves é jornalista, publicitário e especialista em marketing e comunicação digital.

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