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Celso Amorim à CNN: “Talvez estejamos de volta a um regime autoritário”.

O ex-ministro das Relações Exteriores e da Defesa do Brasil, Celso Amorim concedeu entrevista à repórter especial Christiane Amanpour, da CNN Internacional, nesta segunda-feira (29). Amanpour & Company é um programa de entrevistas globais que teve como tema principal a eleição de Jair Bolsonaro e aproximação do Brasil com a extrema-direita. Confira:

Teremos muito mais de como essa polarização está afetando os americanos diariamente, mas antes, essa onda nacionalista que passou pelos EUA e pela Europa agora chegou ao Brasil, o maior e mais poderoso país da América Latina, onde o candidato de extrema-direita, Jair Bolsonaro, chamado de Trump dos trópicos, foi declarado o vencedor das eleições presidenciais. Trump o parabenizou e disse que trabalhariam bem juntos.

Até recentemente Bolsonaro era tido como um extremista, mais conhecido por seus comentários racistas, homofóbicos e machistas. Mas num Brasil em meio a uma alta de criminalidade, desemprego e corrupção massiva do governo, Bolsonaro ascendeu ao topo prometendo mudar o destino do Brasil.

Como defensor da liberdade, vou liderar um governo que protege os direitos dos cidadãos que respeitam as leis. As leis são para todos. É assim que será no nosso governo democrático e constitucional.

Celso Amorim foi chanceler durante diversos governos brasileiros e se juntará a mim direto do Rio de Janeiro.

Ministro Amorim, bem-vindo.

Obrigada por falar com você novamente.

Bom falar com você também. Vamos ser claros, você trabalhou para o partido de oposição, o PT, no passado, e agora outro partido assume o poder. A que você atribui isso? E você admite que os erros do PT levaram a uma virada de jogo para o outro lado?

Não acho que o problema é com o candidato do PT, ele era um bom candidato, é um professor, um homem muito bom. A questão é que havia um descrédito da política no geral, então um militar, que tenta trazer de volta alguns dos generais de volta ao poder, se beneficiou dessa má opinião que as pessoas têm sobre a política no geral. Ele falou que vai acabar com todas as coisas velhas, então é o mesmo jeito que os populistas agem, e acho inclusive que conta com conselhos de Steve Bannon.

É mesmo? Eu não sabia que ele era um dos conselheiros dele. Mas vamos ser francos. Tem sempre motivo para esse tipo de reação à política. O mais famoso e bem-sucedido presidente democrático foi Lula, que fez tanto pela população brasileira e tirou milhões da pobreza. No entanto ele está agora na prisão por causa de uma condenação por corrupção. Então tem um problema com o PT. O que eu quero saber do senhor é: o que o senhor acha que vai acontecer nos próximos seis meses, um ano? Vimos Bolsonaro indo votar com proteção e seguranças armados.

Estou muito preocupado com o que pode acontecer nos próximos seis meses. Bolsonaro foi eleito, apesar de haver dúvidas do uso de meios tecnológicos, especialmente o Whatsapp, que influenciou a opinião de pessoas muito vulneráveis a esse tipo de mensagem, que não são racionais, mas emocionais. Mas você está correta ao apontar a contradição da prisão do político mais popular do Brasil com base em frágeis acusações e essa opinião não é só minha, mas também do The New York Times, Le Monde. Não sabemos o que vai acontecer. Ele tem pregado a violência, insiste em distribuir armas, vamos ter algo similar ao que acontece nos EUA, que é algo que nunca tivemos, temos outro tipo de violência, mas não do tipo de tiroteio em massa, o que podemos vir a ter. Mas não sabemos ainda, é cedo demais. Se formos basear a nossa opinião no que ele disse na campanha e em toda a sua vida, temos muitos motivos para nos preocupar. É uma combinação muito estranha, se você me permite, de um político de extrema-direita com uma agenda política ultraliberal, nunca vi essa combinação dar certo então estamos muito preocupados.

Deixa eu só explicar a questão das armas. Na campanha ele dizia que todos deveriam se armar e disse coisas horríveis sobre mulheres, sobre a comunidade LGBT e também sobre o meio-ambiente, e ambientalistas estão muito preocupados. Vou ler o que disse à CNN o diretor da Amazon Watch Program: “Os planos inconsequentes de Bolsonaro para industrializar a Amazônia em acordo com o agronegócio e o setor da mineração trarão uma destruição sem precedentes à maior floresta tropical do mundo e às comunidades que nela habitam, e será um desastre para o clima global”. O senhor acha que ele levará essas políticas adiante?

Acho que muito do que ele tem dito é contraditório. Acho que de fato há um perigo porque ele tem um suporte muito forte do agronegócio. No governo Lula o agronegócio cresceu muito, mas não tanto em detrimento do meio-ambiente e dos pequenos produtores. O que vemos agora é um ponto de vista conflituoso e de total negligência ao meio ambiente, aos indígenas, aos afrodescendentes, aos homossexuais. Nunca tivemos algo semelhante no Brasil. Nem mesmo na ditadura militar, na qual a tortura era praticada mas não elogiada e nem admitida publicamente. Bolsonaro não só a admite como diz que, além de torturar, a ditadura militar deveria ter matado mais pessoas. Não sei se tudo isso ainda valerá ou se ficou no passado e diferentes políticas serão implementadas. Mas estamos muito preocupados, e com a América Latina também. Sempre lutamos por diálogo e paz na América Latina, fazemos fronteira com 10 países diferentes. É muito perigoso se você tem alguém com uma política agressiva. Não dá para dizer, não quero pré-julgar o que vai acontecer, mas estamos muito preocupados.

Ia perguntar ao senhor, por ser ex-chanceler, como isso se espalharia pela América Latina, e também se acha se Bolsonaro vai abandonar a retórica tóxica já que agora diz querer ser um unificador. Mas o que eu quero perguntar para encerrar é: ele foi chamado de Trump dos trópicos, como o senhor vê o novo relacionamento do Brasil com os EUA sob governos Trump e Bolsonaro?

Ele já bateu continência à bandeira dos Estados Unidos, o que causou espanto no Brasil já que não é o que se espera de um militar e muito menos de um candidato à Presidência. Dito isso, por outro lado, o governo Lula, no qual eu fui chanceler, tinha uma relação muito boa inclusive com o presidente Bush porque ele era um homem de diálogo. Não é o que eu vejo em Bolsonaro. Apesar dele dizer que ama os EUA e que fará coisas, na prática não sabemos onde isso vai dar. E podemos também nos envolver em problemas difíceis na América Latina por causa dessa, digamos, falta de empatia por outros candidatos e outros países. Por exemplo, o Mercosul tem sido a base da integração sul-americana e seu provável ministro da Fazenda já disse que o Mercosul não será prioridade. Acho muito perigoso em diversos aspectos. Mas claro que o que me preocupa mais é com direitos humanos, liberdade de expressão, com os quais os brasileiros já se acostumaram, não só com Lula, mas também com Cardoso, que era mais de centro-direita, mas tivemos mais de 20 anos de democracia e talvez agora estejamos de volta a um regime autoritário com traços fascistas. Espero que isso não se materialize, mas não passa de uma esperança. Se for me basear em fatos e no que foi dito até agora, tenho muitos motivos para me preocupar. Você sabe que eu lidei com Relações Exteriores, a nossa relação com a África, com países árabes, a criação do Brics, que é muito importante para o equilíbrio mundial.

Sim, o mundo em desenvolvimento. Obrigada Celso Amorim, por nos dar um depoimento sobre o que está potencialmente em risco no Brasil após a eleição de domingo.

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