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Marco Aurélio: G20 nāo traz respostas para retomar o crescimento da economia

Foto: Agência Brasil


 
Marco Aurélio Garcia foi assessor especial da Presidência da República nos governos de Luiz Inácio Lula da Silva e de Dilma Rousseff.
Acompanhou negociações internacionais e o anúncio da crise financeira, em 2008, quando o quarto maior banco de investimentos dos EUA anunciou sua falência. Meses depois, Estados Unidos e União Europeia já declaravam uma crise econômica mundial. Seis anos depois, o G20, que reúne as 20 maiores lideranças mundiais, ainda não consegue apontar uma saída. O grupo não vive seus melhores dias, avalia avalia Marco Aurélio, em entrevista ao Nocaute.
“Não há respostas em termos de política econômica internacional consistentes e consensuais para se retomar o crescimento da economia”, afirma.
O diplomata fala também sobre as relações de poder entre Angela Merkel, Donald Trump e Vladimir Putin – este foi o primeiro encontro entre os presidentes dos EUA e da Rússia desde janeiro.
Veja abaixo a entrevista completa.
Enfrentando uma crise política, o presidente Michel Temer foi à Alemanha às vésperas de uma votação na Câmara dos Deputados que coloca em risco sua permanência no cargo, a ponto de ele ter decidido ir de última hora. Como o senhor avalia, neste cenário, a participação brasileira no encontro?
Dentro desse quadro, no qual o Presidente da República dizia que ia e que não ia, porque estava com o olho muito mais fixado aqui no Brasil e nas ameaças ao seu mandato, Temer se deslocou até Hamburgo. Eu vi nas redes sociais que houve reações não só à reunião, mas ao Temer em particular.
Mas isso aí é o de menos, porque nessas reuniões internacionais grupos altermundialistas sepre fazem protestos e já foram muito mais importantes. O G20 não vive os seus melhores dias. Ele teve a sua importância no seus quatro primeiras reuniões e depois ele ficou um pouco prisioneiro do impasse da situação internacional, situação que, corroída pela crise econômica, não permitiu ou não foi capaz de suscitar, sobretudo das grandes economias, alternativas para uma recuperação de longo prazo dos temas da crise.
O que podemos esperar da reunião do G20?
Chegamos a uma reunião com muito conflitos, o Trump agora parece enfrentar o Putin, não se acerta com a Angela Merkel, paira sobre tudo isso a ameaça da Coreia do Norte, mas enfim, as questões mais de fundo são: não há respostas em termos de política econômica internacional consistentes e consensuais para se retomar o crescimento da economia. Não havendo, traz prejuízos muito grandes para o funcionamento global e comércio mundial. E permite que se desenvolvam tendências protecionistas como aquela que o Trump esta desenvolvendo nos EUA, com uma particularidade: se é verdade que ele está desenvolvendo tendências protecionistas e se apartando das propostas de livre comércio, como todos os outros países defendem, ele preserva os interesses do capital financeiro.
Tanto é assim que ele revogou as decisões que Obama tinha tomado, tímidas mas de alguma eficácia no controle do capital financeiro. Isso aí é um ponto de conflito que não tem no momento atual perspectiva de se resolver. Tanto é assim que nas reuniões preparatórias do G20 não houve possibilidade de se tomar uma declaração consensual como no passado.
Em segundo lugar, tem a questão do acordo de Paris. Isso aí é uma barbaridade. Os EUA ficarão numa posição isolada no mundo. Mas não é o isolamento de um pequeno país, da África, do Caribe, é o isolamento da maior potência econômica e militar do mundo, e que inclusive está tentando produzir reversão no seu sistema produtivo – o que terá consequências muito negativas no que diz respeito à poluição.
Terceiro lugar, os EUA aparecem identificados com os países que têm as fórmulas mais conservadoras no que diz respeito ao tratamento de um dos problemas cruciais da humanidade hoje, que é o dos refugiados. Problema claro e diretamente provocado pelas grandes potências.
As grandes potências, instigadas pelos EUA, derrubaram o governo na Líbia, alimentaram a crise na Síria. Na Síria foram 400 mil mortos e mais de 2 milhões de refugiados. Na Líbia hoje em dia não há governo praticamente, e todos os dias temos fugas em massa, sem falar na situação de outros países, se é que podemos chamá-los de Estado Nação, porque estão de tal maneira privados de governos, estruturas mínimas de economia. É obvio que, diante de um quadro desse, seria necessária uma ação conjunta dos países mais desenvolvidos, do G20, uma ação que permitisse concretamente ir a alguns dos pontos de desestabilização, a pobreza, a fome.
Falaram até em criar um novo Plano Marshall. Nos governos do Brasil, levamos uma série de iniciativas desse tipo. Antes mesmo do G20, depois da primeira reunião ampliada do G8, em 2003, o presidente Lula propôs ao Chirac, se associou ao Zapatero, da Espanha, o presidente Lagos, do Chile, e articulamos uma ação contra a fome. A fome não sumiu, mas diminuiu, e o mundo passou a considerar a fome não como um fator secundário, mas o centro dessas situações de desestabilização. Isso não existe mais hoje. O Brasil, que tinha essa tradição, era um país que poderia vocalizar numa reunião do G20, junto com Argentina, Turquia, México, essa agenda social como uma agenda fundamental para o equilíbrio entre os países e para uma retomada da economia. E enfrentamento dos temas de convivência democrática no mundo.
Não estamos numa terceira guerra mundial no sentido de que foram a primeira e segunda, mas temos uma guerra fatiada, que se reproduz em uma série de conflitos regionais, com uma particularidade, vivemos em um mundo muito mais perigoso, no qual dez potências tem armamento nuclear. Basta um louco qualquer ou um descuidado qualquer para tudo ir para o vinagre de vez.
Num momento em que os mecanismos multilaterais estão muito desacreditados, mais ainda com a eleição do Trump nos EUA, seria de fundamental importância que países como o Brasil, que não são decisivos, mas que pudessem levar algumas propostas e tentar estabelecer uma teia de relações novas.
E com relação à chamada “guerra contra terror”? O que deve ser anunciado na reunião?
Provavelmente vamos passar por uma nova etapa. Do jeito que as coisas estão indo, é provável que tenhamos a frustração daquele projeto de estabelecimento do califado. O estado islâmico pode ser derrotado, mas terá um custo alto, já está tendo. O que vamos ter é provavelmente uma multiplicação de núcleos operando e que, não por acaso, recrutam quem? Não são jovens estudantes, como na guerra civil da Espanha, elite de estudantes, intelectuais. Agora são pobres, com um perfil de pobreza muito parecido com os nossos e da América Latina. Esses terroristas que têm explodido bomba, que morrem em enfrentamentos na França, são quase todos imigrantes, com baixa escolaridade, com antecedentes criminais, com uma certa convivência com o mundo das drogas, gente muito marginalizada, na periferia física, cultural e moral. Se esses problemas não forem enfrentados, a única solução que está pintando, qual é? Muro. De um mundo que tentou se constituir celebrando a derrubada do muro de Berlim, passamos para um mundo que celebra a construção de muros. Eu acho que é muito preocupante.
Tínhamos a possibilidade, na América do Sul, de ter uma atuação mais forte. O golpe no Brasil enfraqueceu toda a política coletiva. A Argentina, a Venezuela se transformou num barril de pólvora, enfim, governos conservadores se estabeleceram no Peru, a própria política de paz na Colômbia sofre ameaças de setores conservadores, é possível que a direita ganhe as eleições no Chile. É uma região importante, 400 milhões de pessoas. Eu tenho viajado muito pela América Latina. Há uma expectativa muito grande de que a situação brasileira possa se reverter e tenhamos uma política externa decente. Muitos se sentiam representados pelo Brasil em reuniões internacionais – isso já não acontece mais.

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