Vault 7: Agora nós também podemos vê-los

Vivemos na era da vigilância onipresente e massiva, com perda crescente de controle individual sobre a privacidade, ao mesmo tempo em que as atividades desse estado vigilante se tornam cada vez mais sigilosas. Por Aline Piva, Washington

 

Por Aline Piva

 

Recentemente, o Wikileaks revelou o que promete ser, ao lado dos vazamentos de Edward Snowden e Chelsea Manning, um dos marcos mais importantes na denúncia do sistema de vigilância global, não só pelo seu escopo – são mais de 8.000 mil páginas que demonstram, que trazem à tona, o poder de hackeamento da CIA -, mas também porque reacende dois debates cruciais na era da “internet das coisas”: quais são os limites dessa vigilância onipresente e como a consciência de estar sendo constantemente monitorado molda as relações humanas. A lógica por trás disso é: você vai ter menos privacidade, mas vai estar mais seguro. Afinal, se você não está fazendo nada de errado, se você não tem nada a esconder, porquê se preocupar?

 

Em primeiro lugar, a gente precisa se preocupar porque o nosso comportamento é radicalmente modificado quando nos conscientizamos de que há a possibilidade de todos os nossos passos serem monitorados. Ainda que inconscientemente, nós cerceamos o nosso universo de pensamento, de ação e de associação. Que liberdade de associação pode existir quando nos damos conta de que as nossas comunicações são constantemente monitoradas? Como a plena liberdade de expressão e de opinião podem persistir se cada vez que lemos um documento controverso, por exemplo, nós deixamos um registro digital que depois pode ser facilmente rastreado?0

 

Infelizmente, aos olhos do poder estatal – e de muitos de nós -, essas questões são irrelevantes, especialmente quando elas são apresentadas em termos de “bons versus maus”, nós versus eles. Aí tudo é permitido. Porém, e esse é um segundo ponto muito importante, essa abordagem deixa de fora uma questão fundamental: o que é bom ou e o que é mau? Afinal, qualquer ação que desafie o poder estabelecido pode ser considerada como “má”, como dissidência, de acordo com a conveniência desse mesmo poder.

 

Terceiro: se informação é poder, imagine quando você tem acesso – ou pelo menos o potencial acesso – à praticamente tudo o que é pensado e discutido, em qualquer parte do mundo? E os objetivos são claros: reprimir o ato de livre pensar, manter as pessoas dentro de um estado de constante vigilância e, através disso, perpetuar e aprofundar o poder de certos governos e agências. Não é sem razão que a construção desse sistema de vigilância global coincide também com a construção da hegemonia estadunidense a partir da segunda metade do século XX.

 

Sistemas de vigilância e monitoramento não são novidade. A diferença é que agora a vigilância avança de forma desmedida, inclusive naqueles espaços considerados como os bastiões últimos da nossa privacidade. Vivemos na era da vigilância onipresente e massiva, com perda crescente de controle individual sobre a privacidade, ao mesmo tempo em que as atividades desse estado vigilante se tornam cada vez mais sigilosas. É sob o manto protetor da nossa privacidade que experimentamos alguns dos momentos mais importantes de crescimento e libertação, que afinamos nossas ideias e nossas ideologias, longe das amarras sociais que nos impõe determinados comportamento e determinadas lógicas cognitivas. George Orwell estava certo: sim, eles podem nos ver. Mas graças ao trabalho de Edward Snowden, Chelsea Manning, Julian Assange e tantos outros anônimos, nós agora também podemos vê-los.

 

Em tempo: Aqui você pode encontrar uma lista de documentos, em inglês, francês e espanhol, sobre a construção de um modelo de internet que seja inclusivo, transparente e baseado em justiça social. E aqui, a lista completa dos documentos tornados públicos pelo WikiLeaks.

 

Um comentário

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Igor Drumond

18/03/2017 - 13h03

Vivemos numa sociedade que só o rei anda vestido.

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