Vault 7: Agora nós também podemos vê-los
Vivemos na era da vigilância onipresente e massiva, com perda crescente de controle individual sobre a privacidade, ao mesmo tempo em que as atividades desse estado vigilante se tornam cada vez mais sigilosas. Por Aline Piva, Washington
Por Nocaute em 17 de março às 19h06
Por Aline Piva
Recentemente, o Wikileaks revelou o que promete ser, ao lado dos vazamentos de Edward Snowden e Chelsea Manning, um dos marcos mais importantes na denúncia do sistema de vigilância global, não só pelo seu escopo – são mais de 8.000 mil páginas que demonstram, que trazem à tona, o poder de hackeamento da CIA -, mas também porque reacende dois debates cruciais na era da “internet das coisas”: quais são os limites dessa vigilância onipresente e como a consciência de estar sendo constantemente monitorado molda as relações humanas. A lógica por trás disso é: você vai ter menos privacidade, mas vai estar mais seguro. Afinal, se você não está fazendo nada de errado, se você não tem nada a esconder, porquê se preocupar?
Em primeiro lugar, a gente precisa se preocupar porque o nosso comportamento é radicalmente modificado quando nos conscientizamos de que há a possibilidade de todos os nossos passos serem monitorados. Ainda que inconscientemente, nós cerceamos o nosso universo de pensamento, de ação e de associação. Que liberdade de associação pode existir quando nos damos conta de que as nossas comunicações são constantemente monitoradas? Como a plena liberdade de expressão e de opinião podem persistir se cada vez que lemos um documento controverso, por exemplo, nós deixamos um registro digital que depois pode ser facilmente rastreado?0
Infelizmente, aos olhos do poder estatal – e de muitos de nós -, essas questões são irrelevantes, especialmente quando elas são apresentadas em termos de “bons versus maus”, nós versus eles. Aí tudo é permitido. Porém, e esse é um segundo ponto muito importante, essa abordagem deixa de fora uma questão fundamental: o que é bom ou e o que é mau? Afinal, qualquer ação que desafie o poder estabelecido pode ser considerada como “má”, como dissidência, de acordo com a conveniência desse mesmo poder.
Terceiro: se informação é poder, imagine quando você tem acesso – ou pelo menos o potencial acesso – à praticamente tudo o que é pensado e discutido, em qualquer parte do mundo? E os objetivos são claros: reprimir o ato de livre pensar, manter as pessoas dentro de um estado de constante vigilância e, através disso, perpetuar e aprofundar o poder de certos governos e agências. Não é sem razão que a construção desse sistema de vigilância global coincide também com a construção da hegemonia estadunidense a partir da segunda metade do século XX.
Sistemas de vigilância e monitoramento não são novidade. A diferença é que agora a vigilância avança de forma desmedida, inclusive naqueles espaços considerados como os bastiões últimos da nossa privacidade. Vivemos na era da vigilância onipresente e massiva, com perda crescente de controle individual sobre a privacidade, ao mesmo tempo em que as atividades desse estado vigilante se tornam cada vez mais sigilosas. É sob o manto protetor da nossa privacidade que experimentamos alguns dos momentos mais importantes de crescimento e libertação, que afinamos nossas ideias e nossas ideologias, longe das amarras sociais que nos impõe determinados comportamento e determinadas lógicas cognitivas. George Orwell estava certo: sim, eles podem nos ver. Mas graças ao trabalho de Edward Snowden, Chelsea Manning, Julian Assange e tantos outros anônimos, nós agora também podemos vê-los.
Em tempo: Aqui você pode encontrar uma lista de documentos, em inglês, francês e espanhol, sobre a construção de um modelo de internet que seja inclusivo, transparente e baseado em justiça social. E aqui, a lista completa dos documentos tornados públicos pelo WikiLeaks.
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Igor Drumond
18/03/2017 - 13h03
Vivemos numa sociedade que só o rei anda vestido.