Trump vai tirar os EUA do clube neoliberal. E agora, Brasil?
A política externa brasileira não pode ser feita pela ideologia do complexo de vira-lata. Será que nós tínhamos que esperar que o Trump tomasse posições antiglobalização para proteger os empregos que estão desaparecendo lá?
Por Marco Aurelio Garcia em 23 de novembro às 11h16
Marco Aurélio Garcia*
Donald Trump anunciou que os Estados Unidos vão se retirar da parceria Transpacífica. Isso pode parecer para muita gente uma coisa meio enigmática.
Em realidade, os Estados Unidos haviam participado de uma grande negociação com os países da Ásia e com alguns países da América Latina – mais concretamente o México, o Peru e o Chile – de uma grande negociação de caráter comercial, mas que ia muito além do aspecto comercial, que procurava efetivamente reorganizar o comércio mundial e as relações econômicas mundiais.
No período dos governos Lula e do governo Dilma os setores da oposição aqui no Brasil insistiam muito no fato de que nós estávamos fechados para o mundo. E que nós tínhamos uma posição nacionalista exacerbada, protecionista e que não estávamos seguindo essa onda dos grandes acordos internacionais.
Se falava muito, por exemplo, por que que nós não fazíamos um acordo entre o Mercosul e a União Europeia e, obviamente, a grande questão que estava na ordem do dia era a TPP, a Trans Pacific Partnership.
Bom, e agora? Como é que vão ficar as coisas? Vai ser difícil, porque nos Estados Unidos elegeu-se um protecionista, um nacionalista, um homem que compreendeu que a globalização estava criando problemas para os americanos, e que, portanto, não vai querer fazer essa negociação. Vai cortar. Já disse que vai ser decisão do seu primeiro dia de governo. Retirar os Estados Unidos da parceria do Pacífico.
O impacto que isso tem não chega a ser muito grande do ponto de vista efetivo, porque o Brasil não participava. Os neoliberais aqui aspiravam participar desse clube, mas não vão entrar no clube porque entre outras coisas, o clube ao que tudo indica será fechado.
Por outro lado, nós estamos também enfrentando uma dificuldade muito grande nas negociações com a União Europeia. O governo Lula e sobretudo o governo Dilma, por um problema de proximidade temporal, inclusive, tentou aproximar o Mercosul da União Europeia, sempre, evidentemente, preservando os nossos interesses, e formatou inclusive uma oferta para que os europeus examinassem. Lá tem um mecanismo muito claro, você só entrega a sua oferta quando o outro entrega. É um toma lá, dá cá. E essa oferta, até agora não foi entregue por parte dos europeus.
Não foi entregue, por que? Porque a Europa está vivendo uma crise tremenda e está lançando mão também de mecanismos protecionistas. Isso demonstra, concretamente, que os temas da inserção do Brasil no mundo são muito mais complicados do que pensam os atuais donos do poder no Brasil.
E aqueles que durante décadas vêm falando que a melhor coisa que nós poderíamos fazer seria associar-nos às grandes potências internacionais e não ficar perdendo tempo com a América Latina e com a África.
O que que o governo atual, esse governo ilegítimo fez? Fez uma coisa muito simples, ele fez uma aposta na globalização num momento em que a globalização entra em profunda crise. Crise que se desatou a partir de 2008, com a quebra do Lehman Brothers e todos os efeitos negativos que isso teve sobre a economia mundial.
E, ao fazer isso, ele abandonou os nossos parceiros mais próximos. Tem uma política de hostilidade a muitos países da América do Sul, da América Latina, e não foi capaz de ver, inclusive, nas planilhas do comércio exterior brasileiro, algo que é fundamental: nós temos um comércio crescente, intenso, em relação aos países vizinhos, da mesma forma que nós temos também um comércio importante em relação aos países africanos. Mas o que é mais significativo é que esse comércio, não é só que ele é volumoso, ele tem qualidade. Porque nós exportamos para esses países produtos com valor agregado.
Então, é isso que dá quando uma política externa é feita não consultando o interesse nacional ou a defesa do Brasil, mas sim, ela é feita por essa ideologia de cachorro vira-lata. O complexo do cachorro vira-lata, que nunca acredita no potencial do Brasil.
Será que nós tínhamos que esperar que o Trump tomasse posições antiglobalização para proteger os empregos que estão desaparecendo lá? Será que um homem de direita teria que ensinar a essa direita rastaquera que nós temos aqui?
Essa é uma boa pergunta para nós respondermos.
* Com esta análise sobre a política protecionista anunciada por Donald Trump, Marco Aurélio Garcia inaugura sua colaboração semanal para o Nocaute. Garcia é professor do Departamento de História da Unicamp – Universidade de Campinas, e ex-Assessor de Política Externa dos presidentes Luís Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff.
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Lucélia Rocha de Souza Pereira
29/11/2016 - 23h31
Nos últimos dez anos o Brasil fez muitos mais acordos comerciais internacionais. Nunca o País havia feito parcerias e acordos. Sem essa de convencer com inverdades seus leitores.
Lieser Augusto
28/11/2016 - 07h17
Em mercado internacional, seria prudente observar que o Brasil é integrado parcialmente aos mercados, e isto começou com a abertura promovida pelo Collor, e o episódio das “carroças”, que foi assim que ele chamou os nossos Corcel e Passat, que comparado aos Mercedes e BMW eram realmente desatualizados tecnologicamente. O governo Lula parcerizou forte com o Brics, sendo a China nossa maior parceira, que exportamos basicamente produtos agroindustriais in natura, e compramos as ” bugigangas” de lá. Acho melhor falarmos com industriais e pedir porque nosso trabalhador produz 1/3 do asiático? Ou do americano?
Custos e mais custos agregados por regras muito defasadas continuam a emperrar nossa internacionalização.
Vamos às reformas? Podemos contar com vocês?
Antonio
28/11/2016 - 02h45
Quais são os produtos de alto valor agregado que exportamos para a África, Bolívia, Equador e Venezuela? E quais são os números destas exportações?
Seria importante que o comentarista deuxasse isto claro para sabermos se há relevância em suas afirmações.
Obrigado.
Marly Z.
27/11/2016 - 13h28
Excelente artigo, esclareceu minhas dúvidas.
Renata
26/11/2016 - 22h43
Muito bom, o José Serra precisa saber disso, rs. Parece que tudo o que interessa é o butim do pré-sal. Feriram a democracia e deram um rumo torpe ao Brasil, em que até a venda de terra para estrangeiros e do Aquífero se incluem. Não sei se é vira-latismo, me parece um tipo de ânsia nada nobre.
Luiz Sergio Nacinovic
23/11/2016 - 18h40
Os golpistas só irão mudar de opinião quando o saque for completado e o rentismo estiver a frente de toda a especulação. Até lá perderemos todo o valor agregado e toda a competitividade industrial e comercial. Nossa infraestrutura empacou e as privatizações que salvariam a pátria deles e suas offshores estão patinando. Bye Bye Brasil. A última ficha caiu.
Rita Candeu
23/11/2016 - 15h51
o mais lamentável nisso tudo é que os golpistas não vão voltar atrás, não vão se dar conta das burradas que estão fazendo e o disrcuso por trás de todas as catástrofes futuras vão apontar o PT como único responsável por tudo.
ruy marcondes garcia
23/11/2016 - 15h00
Esperar o quê de um governo que tem José Serra como chanceler? Coisíssima nenhuma mesmo.
Luis Fraga
23/11/2016 - 12h21
Que boa descoberta o “Nocaute”. E é muito bom poder dispor de um canal onde se possa ter acesso a análise doo Marco Aurélio Garcia. Sempre bom ouvi-lo.
Sucesso…e vou divulgar para os amigos.