Celso de Mello assegura ao Angorá o foro privilegiado negado a Lula pelo STF em circunstâncias semelhantes.

"Não constitui demasia assinalar, neste ponto, que o decreto presidencial ora impugnado, à semelhança de qualquer outro ato estatal, reveste-se de presunção "juris tantum" de legitimidade, devendo prevalecer, por tal razão, sobre as afirmações em sentido contrário, quando feitas sem qualquer apoio em base documental idônea que possa infirmar aquela presunção jurídica." (Falando javanês castiço, Celso de Mello, ministro do STF, ao garantir foro privilegiado ao Angorá, citado 34 vezes na Operação Lava Jato.)

Para que os mais jovens saibam de quem se trata (não o Angorá, mas seu julgador), transcrevo aqui um dos mais altos momentos de sua excelsa carreira. É um trecho das memórias de Saulo Ramos, jurista e ex-ministro da Justiça.

“Terminado seu mandato na Presidência da República, Sarney resolveu candidatar-se a Senador. O PMDB — Partido do Movimento Democrático Brasileiro — negou-lhe a legenda no Maranhão. Candidatou-se pelo Amapá. Houve impugnações fundadas em questão de domicílio, e o caso acabou no Supremo Tribunal Federal.

Naquele momento, não sei por que, a Suprema Corte estava em meio recesso, e o Ministro Celso de Mello, meu ex-secretário na Consultoria Geral da República, me telefonou:

— O processo do Presidente será distribuído amanhã. Em Brasília, somente estão por aqui dois ministros: o Marco Aurélio de Mello e eu. Tenho receio de que caia com ele, primo do Presidente Collor. Não sei como vai considerar a questão.

— O Presidente tem muita fé em Deus. Tudo vai sair bem, mesmo porque a tese jurídica da defesa do Sarney está absolutamente correta.

Celso de Mello concordou plenamente com a observação, acrescentando ser indiscutível a matéria de fato, isto é, a transferência do domicílio eleitoral no prazo da lei. O advogado de Sarney era o Dr. José Guilherme Vilela, ótimo profissional. Fez excelente trabalho e demonstrou a simplicidade da questão: Sarney havia transferido seu domicílio eleitoral no prazo da lei. Simples. O que há para discutir? É público e notório que ele é do Maranhão! Ora, também era público e notório que ele morava em Brasília, onde exercera o cargo de Senador e, nos últimos cinco anos, o de Presidente da República. Desde a faculdade de Direito, a gente aprende que não se pode confundir o domicílio civil com o domicílio eleitoral. E a Constituição de 88, ainda grande desconhecida (como até hoje), não estabelecia nenhum prazo para mudança de domicílio.

O sistema de sorteio do Supremo fez o processo cair com o Ministro Marco Aurélio, que, no mesmo dia, concedeu medida liminar, mantendo a candidatura de Sarney pelo Amapá. Veio o dia do julgamento do mérito pelo plenário. Sarney ganhou, mas o último a votar foi o Ministro Celso de Mello, que votou pela cassação da candidatura do Sarney.

Deus do céu! O que deu no garoto? Estava preocupado com a distribuição do processo para a apreciação da liminar, afirmando que a concederia em favor da tese de Sarney, e, agora, no mérito, vota contra e fica vencido no plenário. O que aconteceu? Não teve sequer a gentileza, ou habilidade, de dar-se por impedido. Votou contra o Presidente que o nomeara, depois de ter demonstrado grande preocupação com a hipótese de Marco Aurélio ser o relator.

Apressou-se ele próprio a me telefonar, explicando:

— Doutor Saulo, o senhor deve ter estranhado o meu voto no caso do Presidente.

— Claro! O que deu em você?

— É que a Folha de S. Paulo, na véspera da votação, noticiou a afirmação de que o Presidente Sarney tinha os votos certos dos ministros que enumerou e citou meu nome como um deles. Quando chegou minha vez de votar, o Presidente já estava vitorioso pelo número de votos a seu favor. Não precisava mais do meu. Votei contra para desmentir a Folha de S. Paulo. Mas fique tranquilo. Se meu voto fosse decisivo, eu teria votado a favor do Presidente.

Não acreditei no que estava ouvindo. Recusei-me a engolir e perguntei:

— Espere um pouco. Deixe-me ver se compreendi bem. Você votou contra o Sarney porque a Folha de S. Paulo noticiou que você votaria a favor?

— Sim.

— E se o Sarney já não houvesse ganhado, quando chegou sua vez de votar, você, nesse caso, votaria a favor dele?

— Exatamente. O senhor entendeu?

— Entendi. Entendi que você é um juiz de merda! Bati o telefone e nunca mais falei com ele.”

(in Saulo Ramos, “Código da Vida”, Ed. Planeta)

 

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2 Comentários

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Alan Silva

20/04/2017 - 13h36

Lula já é réu em vários processos. É um acinte aos ladrões pobres que Lula ainda esteja solto.

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Paulo Filho

14/02/2017 - 21h23

Esse felizardo do Celso Melo, com certeza deve estar levando alguma vantagem em particular para tomar essa decisão tão polêmica. O STF foi e continua a ser o braço jurídico do golpe de 2016 promovido por uma verdadeira mafia envolvi a até a alma em todos os tipos de falcatrua.
Não me causaria espanto algum,ver vir a publico, o envolvimento de magistrados do STF nessas delações da odebrecht e com certeza, esse ministro decano, como foi bem descrito pelo jurista Saulo Ramos como um juiz de merda, estar envolvido em alguma tramoia que o desqualifica juntamente com a alta corte.

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