O dia em que uma análise de conjuntura errada salvou a pele de FHC
Por sugestão do pessoal do Nocaute, continuo a fazer pequenas entradas aqui – batizadas de “Memórias do Morais”.
Por Fernando Morais em 07 de Março às 15h22Mais uma “Memória do Morais”. Esse negócio de memória é o seguinte: a hora que passa você tem que pegar, senão depois você esquece e aí nunca mais.
Eu acordei hoje e tomei um susto com o tamanho da tripa, duas páginas inteiras, que a Folha deu para o FHC com uma chamada na capa. Eu ainda não li a entrevista inteira, só li alguns trechos assinalados aqui pelo pessoal do Nocaute, onde ele fala que conviveu muito com o Lula na época que ele era operário, que jantou com o Lula lá perto do sindicato…
Modus in rebus, doutor Fernando Henrique. Em abril de 1980, começo de abril, havia uma ameaça visível de intervenção no Sindicato dos Metalúrgicos, que era presidido pelo Lula, os metalúrgicos do ABCD.
A repressão era muito grande, todo dia tinha tropa de choque lá na porta batendo nos operários porque eles estavam em greve. Então, um pequeno grupo de deputados estaduais de São Paulo resolveu ir para lá com carro oficial, de paletó e gravata, para tentar dar o mínimo de segurança para “peãozada”.
Uma noite estávamos na sede do sindicato na sala do Lula, quinto ou sexto andar, os deputados Geraldinho Siqueira, que depois foi para o PT, o Antônio Rezk, que era do Partidão (PCB), e eu, que era do MDB.
Estávamos conversando com o Lula, e então chegou nosso personagem de hoje, o Fernando Henrique Cardoso, que na verdade não era nada. Ele não era senador ainda, era professor. Ele apareceu, e lá pelas 9:30h, 10h bateu a fome, nós descemos e fomos naqueles restaurante próximos ao sindicato, que servem frango à passarinho com polenta frita.
Ali comemos e o Fernando Henrique Cardoso desenvolveu uma análise de conjuntura, daquelas todas elaboradas, para ao final assegurar o seguinte: a situação política não dava ao Figueiredo força suficiente para um atrevimento, uma ousadia como aquela de intervir no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, que era a força social mais organizada e poderosa do país naquela época.
Nós divergimos dele, o Lula inclusive, e resolvemos que era mais seguro, nós, os três deputados, garotos, tínhamos 30 anos, resolvemos passar a noite no sindicato com o Lula para dar o mínimo de segurança para ele.
FHC disse que era bobagem, paranoia da gente, que Figueiredo não tinha colhão para fazer um atrevimento daqueles. Acabou o jantar, ele pegou o carro dele e vazou para São Paulo. Nós caminhamos os quatro de volta para o sindicato. Já devia ser umas 23h30, meia-noite. Ficamos ali jogando baralho com Lula e bebendo uma cachacinha com cambuci, que é uma coisa muito comum no ABC, um figo amargo que eles colocam na cachaça.
Quando foi por volta de 1h30, 2h da manhã, a gente ouve primeiro o barulho. Olhamos para os lados, eram os helicópteros militares que rodeavam o prédio. Olhamos pela janela, o prédio do sindicato estava cercado pela tropa de choque.Aí entra o interventor, nomeado pelo ministro Murilo Macedo, que era banqueiro, vejam vocês!
Vocês aí que estão torcendo para ter ditadura militar de novo, o ministro do Trabalho do general Figueiredo era o Murilo Macedo, que era diretor do Banco Nacional, que depois quebrou.
O interventor subiu, cercado de policiais. Entregou a intervenção ao Lula, assinada pelo ministro e acabou. Cai fora, não prendeu ninguém, mas falou “ó, a partir de agora, quem manda aqui no sindicato é o interventor. Vocês todos podem ir embora, Lula pode juntar seus trecos, Djalma Bom, a diretoria inteira foi escorraçada no sindicato. Àquela hora da noite, FHC já devia estar em São Paulo dormindo o sono dos justos. Por uma análise de conjuntura mal feita, ele salvou a própria pele.
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MAureli
09/03/2018 - 16h49
Do jeito que esse pernóstico sujeito se porta, seria até possível que ele tivesse conhecimento da intervenção. Ele nunca foi de confiança…
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DINARTE BONETTI JUNIOR
08/03/2018 - 16h31
O FHC nao acerta uma. Só quando é golpe com ele envolvido. Aí sim, sabe tudo sobre o futuro.
João José de Oliveira Negrão
08/03/2018 - 14h09
Em 83, Murilo Macedo, esse aí, atacou de novo. Por causa da greve geral – a primeira desde o golpe de 64 – ele decretou intervenção, entre outros, no Sindicato dos Bancários. Estou eu na redação da Folha Bancária (tínhamos a petulância de fazer um jornal diário) quando entra, com as mãos pra cima, o Luizinho Azevedo, sob mira dos trabucos da PF. No mesmo dia, foram em cana vários diretores e o editor da Folha Bancária, o Julinho de Grammont. Eu e outros funcionários ficamos detidos no próprio prédio do Sindicato, até tarde da noite. Mas nós éramos, mesmo, petulantes: no dia seguinte, composta em máquina de escrever mecânica, com títulos feitos em normógrafo, rodada numa impressorinha off set A4 que tinha sido devidamente mocozada, circulava a Folha Bancária falando da intervenção.
O Luizinho era o diretor responsável pelo depto de imprensa. Quem fechou a edição fomos eu e a jornalista Leusa Araújo, com apoio, paste-up, diagramação e operação do normógrafo do Arnaldo Tateishi. Quem rodou, no mocó, foi o Guaxinim, gráfico…
Antonio Martins
08/03/2018 - 12h28
Estórias boa de jogar na cara dos coxinhas que vivem falando que o Lula era um agente da ditadura. Mas mudando de análise, 10 anos depois o Lula também analisou errado . As diretas já eram pra ter sido do Brizola mas o Lula analisou errado e veio a “era collorida”…
Roberto Machado Cassucci
07/03/2018 - 22h36
Obrigado Fernando Maraes e ao NOCAUTE, por mais este Conhecimento… vlw!
Netho
07/03/2018 - 17h16
FHC, o mesmo de sempre. Um ex-sociólogo que viraria ‘príncipe da Moeda’ e dos moedeiros falsos, como dizia Gilberto Vasconcelos. E que agora apoia os prosélitos da Vênus Platinada.