Celso Amorim: Intervenção federal em ano eleitoral é uma combinação muito explosiva, temos que ficar vigilantes

Esse papel de polícia atribuído às forças armadas, além das implicações em direitos humanos, além das implicações para as próprias forças armadas do ponto de vista do contato com o narcotráfico, o crime organizado, ela gera insegurança no ano eleitoral em que pode haver manifestações, protestos. E confundir isso com quebra da ordem é muito fácil.

Hoje quero falar aqui rapidamente sobre a intervenção política e militar no Rio de Janeiro. Evidentemente é um fato que preocupa à todos sob o aspecto legal, constitucional e político. Em que medida isso é um oportunismo eleitoral? Também sob o aspecto dos direitos humanos, da presença militar nas ruas, num ano de eleição, também é algo que naturalmente nos causa preocupação.

 

Eu queria também mencionar um aspecto que tem sido menos abordado, que é o aspecto internacional desse movimento que está havendo no Brasil. Porque não é um movimento só no Rio. Claro que o Rio é a face principal desse aspecto e talvez aquela que politicamente tenha consequências maiores no posto de vista imediato e nos sociais também. Mas não é só aqui no Rio.

 

Teve o episódio de Roraima, onde continuam as forças armadas sob uma figura meio desconhecida, estado de emergência social que não está previsto de maneira específica, também na fronteira com a Venezuela. Evidentemente, ainda que não haja nenhuma invasão no território venezuelano, temos que rezar para que não haja nenhum descuido, porque isso teria consequências muito graves, é claro, não estou nem falando em provocação, vamos falar descuido, pois é uma coisa muito sensível a fronteira, a integridade territorial.

 

Voltando ao Rio nesse conjunto, a criação desse Ministério da Segurança Pública, tudo isso tem, ao meu ver, dois aspectos muito importantes que logicamente são separados, mas na realidade estão ocorrendo em conjunto. Que é, primeiro, elevar a segurança num plano mais alto na agenda nacional, ninguém vai fazer pouco do problema da segurança. Mas, evidentemente, todos sabemos que esse problema, embora possa requerer remédios imediatos, só será resolvido com políticas sociais, com políticas econômicas, com pleno emprego e etc.

 

Então, isolar o problema da segurança já é um erro de perspectiva. Agora, além desse aspecto da securitização da agenda, que é obviamente para dar uma bandeira eleitoral para certos grupos e tomar de outros possivelmente, há um outro aspecto sério também que é a militarização da segurança. Porque não é a mesma coisa embora estejam ocorrendo juntas e sobretudo no Rio de Janeiro.

 

Com nomeação do interventor, um militar, ele até poderia ser um militar da reserva ou agregado, mas criou-se uma função militar e de acordo inclusive com Dalmo Dallari, grande professor, grande jurista, é inconstitucional. Mas além do aspecto legal, que já em si mesmo assusta à todos, não se pode ficar furando a Constituição desta maneira por um motivo político imediato.

 

Além de tudo, isso coloca as forças armadas numa posição que elas nunca quiseram. Eu testemunhei, tive muito contato com as forças armadas logo depois do processo da democratização, quando fui Ministro do Exterior do Governo Itamar. Naquela época não havia Ministério da Defesa e fui acompanhar um Secretário de Defesa norte-americano que veio aqui, naquela ocasião eu pude constatar como as forças armadas brasileiras não desejavam essa função de serem gendarmes da segurança interna, de ficarem cuidando do narcotráfico. Já naquela época eles tinham preocupação que houvesse uma contaminação das forças armadas.

 

Isso, evidentemente, não é a agenda brasileira. Então, há também em toda essa questão, e se pensarmos também que em Roraima está envolvido o isolamento progressivo da Venezuela, está aí uma agenda que nos é estranha, mas que é uma agenda da potência hegemônica para esta nova fase da América Latina e da América do Sul, em particular, em que os governos mais progressistas foram aleijados.

 

Então, tudo isso nos preocupa muitíssimo e sobretudo em um ano eleitoral. Em um ano em que há uma candidatura progressista claramente colocada, além de outras, mas, uma claramente colocada e que pode sofrer várias impugnações. E o que pode acontecer?

 

Esse papel de polícia atribuído às forças armadas, além das implicações em direitos humanos, além das implicações para as próprias forças armadas do ponto de vista do contato com o narcotráfico, o crime organizado, ela gera insegurança no ano eleitoral em que pode haver manifestações, protestos. E confundir isso com quebra da ordem é muito fácil. A responsabilidade não vai ficar com o secretário de Segurança do Estado, ou com a polícia, vai ficar com o general.

 

Então nós teremos uma situação que é muito perigosa. Eu acho, aliás, que o general Villas Boas tinha, pelo menos, percebido essas dificuldade e tinha sido até reticente. Não sei o que vai acontecer, estamos assistindo aos desdobramentos. Acho que isso é uma violência política muito grande. Basta dizer que nunca foi usada na Constituição de 88 e segundo me consta nem na de 45. Eu li isso no documento da associação dos sociólogos do Rio de Janeiro.

 

Nós estamos numa situação em que as forças armadas voltam para as ruas, voltam de uma maneira inadequada, através de uma intervenção federal e uma intervenção federal num ano eleitoral. É uma combinação muito explosiva e temos que ficar muito vigilantes para que não haja consequências ainda mais graves.

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