Improvável Lar
Confira o ensaio fotográfico feito no campo de refugiados em Calais, extremo norte da França. Por Frederico Duarte
Por Nocaute em 26 de setembro às 14h13
- Um dos muitos comércios da Jungle dá boas-vindas aos seus clientes. Os bares e mercados do campo são quase todos de propriedade dos afegãos.
- Refugiado sudanês em uma das ruas da Jungle.
- As tendas se aglomeram: já existem escolas, bibliotecas e até mesmo igrejas católicas no campo.
- Hora do almoço na tenda de refugiados sudaneses.
- Mohammad Alfrouh é sírio. Era professor de inglês, membro de uma classe média que desapareceu em seu país. O celular é a única forma de comunicação com familiares e amigos que ainda estão na Síria e com aqueles que já chegaram à Inglaterra.
- Baha Boba é sudanês. Vaidoso e desconfiado, fingiu-se de mudo até descobrir que o fotógrafo era brasileiro e não um policial francês disfarçado. Queria que seu cabelo aparecesse na foto.
- Lixo acumulado e barracas destruídas pela polícia francesa que vem tentando evitar que o acampamento chegue perto demais da estrada que leva ao túnel do Canal da Mancha.
- Mohammad Alfrouh conversa com companheiros. Os assuntos são recorrentes: o passado na Síria e o futuro desejado na Inglaterra.
- Jantar na tenda de Mohammad Alfrouh e seus primos. Todos vieram da mesma cidade, completamente destruída pela guerra na Síria.
- Detalhe de uma das igrejas da Jungle.
- Ayman é sudanês, surdo-mudo, sabe escrever algumas palavras em chinês e divide uma tenda precária, com goteiras e muita umidade, com outros três compatriotas.
- O frio, a chuva e o vento, constantes na região, dificultam bastante a vida das pessoas no campo de Calais.
Por Frederico Duarte*
Milhares de pessoas vivem em cabanas improvisadas. Rodeadas por lixo, lama e ratos. Bares precários, alguns pequenos assaltos, olhares que se cruzam furtivos com uma expressão entre o medo e o espanto. Uma tensão constante no ar. Não fossem o cinza no céu, a garoa interminável, o vento fortíssimo e o frio obsceno, o cenário descrito poderia ser confundido com uma favela na periferia de qualquer capital brasileira ou, para ser mais preciso, com algum país esquecido da América Central ou da África.
No entanto, sinal dos tempos, a Jungle está localizada em um dos
pontos-chave da Europa. No extremo no norte da França, na zona industrial de Calais, cidade de pouco mais de 70 mil habitantes que parece travar uma luta sem fim contra o Canal da Mancha, responsável pelas intempéries que chegam cotidianamente e transformam até mesmo a mais simples das caminhadas em um desafio.
Os habitantes da Selva pretendem fazer o caminho inverso da tempestade, atravessar o Canal e chegar, por fim, ao Reino Unido. Resta-lhes a última fronteira. A entrada do túnel que corta o Canal fica nos arredores de Calais. O terminal das balsas que o cruzam, também.
O governo inglês, porém, não parece convencido a deixá-los entrar: no ano de 2015 investiu nas cercas que protegem as estradas e o porto. O fato de que foram construídas em solo francês é apenas um detalhe, o importante é que são cada vez mais altas. A antiga rivalidade entre Inglaterra e França é posta de lado quando o tema é a Jungle.: a partir de meados de 2016 começaram a circular notícias de que o campo seria inteiramente demolido. O último capítulo do drama foi inaugurado nesta segunda-feira, 26 de Setembro, quando, em visita à Calais, o presidente François Hollande confirmou a intenção de apagar, sabe-se lá como, esta página negra da história da França.
Do outro lado desta mesma história, encurralados em um não-território há meses (alguns há anos), estão sírios, afegãos, sudaneses, iraquianos e pessoas de diversas outras nacionalidades. Seguem vigiados pela polícia francesa dia e noite e são fustigados por bombas de gás e balas de borracha a cada nova tentativa de invadir os caminhões parados nos congestionamentos. Entrar nas balsas ou pular em um trem em movimento parece que saiu dos planos desta gente, mas muitos já morreram tentando. E, para completar, os que se aventuram a sair do acampamento à noite são atacados com frequência por grupos xenófobos. Grupos estes que já foram acusados de contar com a proteção de policiais.
Estão realmente na selva, mas nunca estiveram tão enjaulados.
* Frederico Duarte tem 37 anos, é natural de São Paulo. Bacharel em fotografia pelo SENAC-SP e pós-graduado em fotojornalismo pela Universitat Autònoma de Barcelona (UAB). Tem trabalhos publicados na Espanha pelo jornal El País, na Holanda e no Brasil. Também participou de exposições no Brasil e na França. O presente ensaio está em exposição neste momento em Breteville Sur Laize, na Normandia. Não muito longe da Selva.
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