Improvável Lar

Confira o ensaio fotográfico feito no campo de refugiados em Calais, extremo norte da França.
Por Frederico Duarte

 

 

 

Por Frederico Duarte*

Milhares de pessoas vivem em cabanas improvisadas. Rodeadas por lixo, lama e ratos. Bares precários, alguns pequenos assaltos, olhares que se cruzam furtivos com uma expressão entre o medo e o espanto. Uma tensão constante no ar. Não fossem o cinza no céu, a garoa interminável, o vento fortíssimo e o frio obsceno, o cenário descrito poderia ser confundido com uma favela na periferia de qualquer capital brasileira ou, para ser mais preciso, com algum país esquecido da América Central ou da África.
No entanto, sinal dos tempos, a Jungle está localizada em um dos
pontos-chave da Europa. No extremo no norte da França, na zona industrial de Calais, cidade de pouco mais de 70 mil habitantes que parece travar uma luta sem fim contra o Canal da Mancha, responsável pelas intempéries que chegam cotidianamente e transformam até mesmo a mais simples das caminhadas em um desafio.
Os habitantes da Selva pretendem fazer o caminho inverso da tempestade, atravessar o Canal e chegar, por fim, ao Reino Unido. Resta-lhes a última fronteira. A entrada do túnel que corta o Canal fica nos arredores de Calais. O terminal das balsas que o cruzam, também.
O governo inglês, porém, não parece convencido a deixá-los entrar: no ano de 2015 investiu nas cercas que protegem as estradas e o porto. O fato de que foram construídas em solo francês é apenas um detalhe, o importante é que são cada vez mais altas. A antiga rivalidade entre Inglaterra e França é posta de lado quando o tema é a Jungle.: a partir de meados de 2016 começaram a circular notícias de que o campo seria inteiramente demolido. O último capítulo do drama foi inaugurado nesta segunda-feira, 26 de Setembro, quando, em visita à Calais, o presidente François Hollande confirmou a intenção de apagar, sabe-se lá como, esta página negra da história da França.
Do outro lado desta mesma história, encurralados em um não-território há meses (alguns há anos), estão sírios, afegãos, sudaneses, iraquianos e pessoas de diversas outras nacionalidades. Seguem vigiados pela polícia francesa dia e noite e são fustigados por bombas de gás e balas de borracha a cada nova tentativa de invadir os caminhões parados nos congestionamentos. Entrar nas balsas ou pular em um trem em movimento parece que saiu dos planos desta gente, mas muitos já morreram tentando. E, para completar, os que se aventuram a sair do acampamento à noite são atacados com frequência por grupos xenófobos. Grupos estes que já foram acusados de contar com a proteção de policiais.
Estão realmente na selva, mas nunca estiveram tão enjaulados.

 

* Frederico Duarte tem 37 anos, é natural de São Paulo. Bacharel em fotografia pelo SENAC-SP e pós-graduado em fotojornalismo pela Universitat Autònoma de Barcelona (UAB). Tem trabalhos publicados na Espanha pelo jornal El País, na Holanda e no Brasil. Também participou de exposições no Brasil e na França. O presente ensaio está em exposição neste momento em Breteville Sur Laize, na Normandia. Não muito longe da Selva.

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