Zé Dirceu: Povo não cabe no projeto que a elite quer
Em artigo exclusivo para o Nocaute, ex-ministro analisa projetos em disputa no Brasil. "Nenhuma política terá sucesso se não se afirmar como nacional e a partir dos interesses do povo, e não apenas da elite".
Por Nocaute em 25 de outubro às 08h45Estaria o nacionalismo condenado e viveríamos um mundo sem fronteiras nacionais, regido pela globalização, pela abertura dos mercados – principalmente financeiros – a caminho de um governo mundial?
Pode parecer piada de mau gosto, mas, no fundo, o substrato de toda a fundamentação, há décadas da avalanche da globalização, está no bordão do fim. Não da história, mas do conceito de nação e de sua própria existência, pelo menos como ente estatal, já que seria muita pretensão desconhecer as nações. Seria como se voltássemos e regredíssemos à Idade Média.
No nosso caso, nunca nossas elites – a não ser para usurpar o poder – conviveram ou aderiram ao nacionalismo. E, muito menos, à nação. Só o fazem para exercer ou tentar a hegemonia cultural, impondo sua visão do que seja a nação, sempre a partir de seus interesses e visão do mundo. Sempre foram inimigas mortais dos governos dito nacionalistas, seja Getúlio, JK, Jânio com sua política externa independente, Jango e, pasmem, Geisel.
Mas nunca conseguiram apagar da memória nacional o sentimento nacionalista, que guia nossa construção nacional, nossa aventura de construir, nos trópicos, uma civilização.
Fizeram de tudo, até mesmo negar que tínhamos condições históricas, humanas e culturais de nos tornarmos uma nação. Foi com muita luta política, social e cultural que, década após década, construímos o sentimento que hoje, de novo, se impôs como um fato histórico indiscutível e indestrutível: somos uma nação soberana e independente, somos uma cultura, um povo com presença no mundo. Somos assim reconhecidos.
Mas não basta. Uma nação só se caracteriza quando impõe, defende ou constrói poderes para defender seus interesses e fazer parte do mundo, não apenas como membro do concerto das nações, mas como uma força política, econômica, cultural e militar, que também molda e organiza o poder mundial.
O pensamento militar nunca foi único ou consolidado na nossa história. Pelo contrário, até 64 debatia-se entre visões entreguistas e nacionalistas. Sob a ótica entreguista, vamos recordar que, durante quase meio século, nossas elites rurais e seus porta-vozes na imprensa e na política defendiam que o Brasil jamais se industrializaria e não seria uma potência. Estávamos “destinados” a ser um país agrário-exportador, cópia cultural da Europa. Hoje, cópia dos Estados Unidos e igualmente exportador – de minerais, energia, alimentos. Nada muito diferente do passado.
A vertente nacionalista nos deu condições para a criação da Petrobras, Eletrobrás, Telebrás, BNDES, que são as bases do Brasil que existe hoje.
Não foi por nada, ou apenas por Geisel, que o estamento militar e interesses empresariais construíram o II Plano Nacional de Desenvolvimento, que consolidou nossa indústria de base, a ciência e a tecnologia – temas indispensáveis para se falar em desenvolvimento nacional. Era um imperativo, inclusive, para a sobrevivência da ditadura militar e de seu projeto nacional autoritário e conservador. Sem inclusão do povo e, por isso, fracassado.
Sem o povo não há nação e sem a nação não há Brasil e sua presença no mundo. Nenhuma política de crescimento econômico numa nação continental como a nossa, com mais de duzentos milhões de habitantes, com os recursos e as riquezas naturais que temos e nosso nível de desenvolvimento tecnológico, terá sucesso se não se afirmar como nacional e a partir dos interesses do povo e não apenas da elite econômica e política.
O povo trabalhador se constitui em sujeito, ator da história do país e isso acontece de formas e maneiras totalmente diversas, personificando seus interesses e sonhos em ideias, forças, lideranças, partidos, movimentos, revoltas ou rebeliões. É por isso que se trata de uma perigosa ilusão qualquer tentativa de fazer uma nação sem o povo. Não há caminho para construir poderes nacionais, sejam eles políticos, econômicos, culturais ou militares, sem o povo.
Mesmo uma força militar, sem o apoio popular, não tem sobrevida estratégica no longo prazo. Acaba desaguando em algum conflito militar, como a história nos ensina.
Apesar de todas as evidências do caminho errado, voltamos ao passado e, mais uma vez, querem porque querem descontinuar a nação. Sob o silêncio cúmplice ou imposto, os militares se calam, como manda a Constituição.
Grande parte da elite – inclusive a industrial, na ânsia de retomar o controle total sobre o poder – se submete ao capital financeiro e principalmente aos donos da informação e da formação da notícia e da opinião pública.
Os usurpadores do poder usam e abusam do poder judicial/policial, rasgam o pacto político e social de 1988 e voltam a pregar abertamente a entrega do país a preços vis ao capital internacional, cujas premissas de atuação foram extremamente nocivas a muitos países, como mostra a última crise global de 2008-2009.
Para eles, o Brasil não tem saída a não ser se integrar no mundo norte-americano, sob sua hegemonia – inclusive a cultural. Não bastasse a já nefasta dominação que exercem sobre o país via monopólio da informação, agora tentam partidarizar a educação com suas ideias e conceitos sobre a vida e a nação.
Irresponsáveis e ignorantes das lições da história, acreditam que podem, a partir da força e do controle da informação, dominar o povo brasileiro, seu destino e futuro como nação. Não cabe em seu projeto de poder e de país um povo como o brasileiro.
Estão profundamente enganados. Tal pensamento e desejo são uma vã ilusão, que logo lhes custará caro. Porque não é possível – e nunca será – fazer com que 200 milhões de brasileiros alcancem o bem-estar social e cultural numa economia agro mineral exportadora, submetida às finanças internacionais e aos interesses da banca mundial, tendo eles mesmos – a nossa elite – como sócios menores.
A minoria rica – menos de 1% da população – e os 10% dos que participam de seu banquete acreditam que podem iludir o povo brasileiro e sua classe trabalhadora.
Nada aprenderam com a história e não se dão conta que a memória nacionalista está mais viva do que nunca e retomará o protagonismo de sempre na busca de justiça social e liberdade.
Estão aí a Escócia, o Curdistão e a Catalunha a provarem quão presente é o nacionalismo quando a opressão e a tirania se impõem sobre um povo, colocando em risco sua identidade nacional, sua cultura, língua, riquezas, patrimônio e seu bem-estar social. Nada, nenhuma força no mundo consegue oprimir e dominar um povo em busca de sua nação e de seu destino.
Os comentários aqui postados são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião do NOCAUTE. Todos as mensagens são moderadas. Não serão aceitos comentários com ofensas, com links externos ao site, e em letras maiúsculas. Em casos de ofensas pessoais, preconceituosas, ou que incitem o ódio e a violência, denuncie. Leia o nosso termo de uso.
Guitardo
25/02/2018 - 01h13
Dirceu guerreiro do povo brasileiro o/
Marcos Roberto da cunha
11/12/2017 - 13h52
Jose dirceu é um ladrao safado
raquel villela
19/12/2017 - 09h37
PROVE! NESSE BRASIL ONDE MULHER DE CUNHA É INOCENTADA, AÉCIO ESTÁ LIVRE, PERRELA NÃO É DO PÓ… PROVE!!!! QUEREMOS JUSTIÇA PARA A HONRA DE ZÉ DIRCEU!
Taria Tev
28/10/2017 - 21h49
Texto do Dirceu com dois grandes equívocos, no meu entender:
1° – “””Grande parte da elite – inclusive a industrial, na ânsia de retomar o controle total sobre o poder – se submete ao capital financeiro e principalmente aos donos da informação e da formação da notícia e da opinião pública.”””
Só essa elite se submeteu? E a inoperância da esquerda, ou particularmente do PT, que uma vez no poder, não fez nenhum esforço significativo para regular minimamente a mídia, que acabou por ser a espinha do golpe?
2° – “””Estão aí a Escócia, o Curdistão e a Catalunha a provarem quão presente é o nacionalismo quando a opressão e a tirania se impõem sobre um povo, colocando em risco sua identidade nacional, sua cultura, língua, riquezas, patrimônio e seu bem-estar social. Nada, nenhuma força no mundo consegue oprimir e dominar um povo em busca de sua nação e de seu destino.”””
Ao evocar a luta nacionalista no curdistão e na cataluhna, Dirceu se contradiz quando não consegue identificar ai justamente o que ele afirma logo no início do seu texto ou seja, que “””no fundo, o substrato de toda a fundamentação, há décadas da avalanche da globalização, está no bordão do fim. Não da história (da história também, Zé Dirceu!!!, da história também!!!), mas do conceito de nação e de sua própria existência, pelo menos como ente estatal, já que seria muita pretensão desconhecer as nações. Seria como se voltássemos e regredíssemos à Idade Média.””””
No caso da ucrânia, por ex, os separatistas não querem fazer parte de um país que está sob o controle de uma cleptocracia fascista imposta pelos eua para saquear o país e provocar a Rússia.
Mas no caso da catalunha, é uma burguesia que quer esfacelar a espanha em nome exclusivamente de seus interesses de classe, sem nenhuma preocupação com a construção de um estado nacional de fato. A catalunha será só mais um cosovo submetido a otan, subproduto gerado a partir da intervenção ianque e destruição do estado nacional iugoslavo. Será só mais uma cidade estado nos padrões medievais.
No caso do curdistão, principalmente a região controlada pelo clã barsani, intimamente ligado ao enclave sionista de israel, a intenção é só criar mais um segundo enclave para manter o controle estratégico daquela região pelos eua e pelo próprio enclave sionista. Felizmente esse plano foi irremediavelmente destroçado com a derrota dos terroristas mercenários que operam na Síria a mando dos eua e seus estados capangas.
E o separatismo no sul do brasil, seguramente o mais caricato de todos, não passa de uma fanfarronada de coxinhas golpistas, sub letrados, racistas, corruptos e completos sem noção – mas não menos perigosos – que se tem na conta de reserva moral do país. Tirando o caso da ucrânia, em todos os demais “nacionalismos”, o que move os tais separatistas é só a defesa de interesses escusos de minorias que tangem as suas boiadas locais.
No mais, conceitos como nacionalismo e auto determinação estão completamente fora do alcance da compreensão dos brasileiros e só existem mesmo na visão otimista do Zé Dirceu. Se a entrega do pre sal tivesse causado um fiapo de unha da comoção que causou a pauta moralista de grupelhos fascistas sobre nus em exposição de arte, ai sim poderíamos falar em nacionalismo ou coisa que o valha.
Izaías Almada
27/10/2017 - 13h15
Fico admirado, para não dizer outra coisa, como em meio a tanta desgraça ainda apareçam pessoas com críticas supostamente calcadas em teorias de matiz esquerdista para colocar como sendo falsas as premissas do companheiros Dirceu sobre o que fazer.
Isso me faz lembrar a velha máxima sobre a esquerda, dizendo que ela só se entende na cadeia. Infelizmente parece ser verdadeira, embora não tanto, pois por lá já passei também.
No artigo acima do Sr. Pomar, parece-me ver nas entrelinhas alguma dor de cotovelo. E já posso adiantar que não tenho procuração do José Dirceu para defendê-lo, mas por vezes incomoda-me certo tipo de intelectualismo fora de horas.
Pedro A. Figueira
26/10/2017 - 23h05
Penso que esta questão, a da financeirização, está sendo tratada, no mínimo, de maneira equivocada. Para começar, como bem disse Galeano, a história não respeita muito os nossos desejos, e este domínio das finanças, cheio de ilusões por parte daqueles que ainda se consideram dominantes, traz uma mensagem, se assim podemos nos expressar, de que o capital produtivo entrou numa fase de máxima contradição com as forças produtivas. A tal ponto que seu refúgio na ilusão de uma salvação via financeirização não passa daquela forma de suicídio social que cometeram todas as classes que no passado foram dominantes. Creio que esta é a realidade mais profunda que estamos vivendo, e este fenômeno é um processo interno ao capitalismo que acontece no Brasil simplesmente porque somos um país ainda capitalista, mas que, na verdade, é a mais completa realidade da maior parte do mundo, porque a sociedade mundial é capitalista. Não tem nada de brasileiro enquanto fenômeno histórico. Tem mais a ver, inclusive, com os países capitalistas mais desenvolvidos, onde, segundo um bloguista americano a pilhagem substituiu a produção como fonte de riqueza. Vivemos um processo que, creio eu, podemos chamar de “uma época de revolução social”. Neste processo, o capital já pode, de certo modo, ser tratado como doente terminal. Nenhum remédio o salvará.
O resultado político disso é que as classes que nasceram com o capital e com ele se devolveram vivem o mesmo processo terminal. Ambas as classes fundamentais da sociedade capitalista vivem, em meio a contradições de todo tipo, do processo produtivo. É neste processo produtivo que é produzido o salário e o lucro. Cassino financeiro não produz nem salário, nem lucro. Produz um agrupamento de marginais, os rentistas, banqueiros, enfim parasitas os mais variados. Mas a sua concentração apressa um processo de liquidação e de conflito interno a todos os grupos dentro da sociedade. De um lado é uma minoria que vive sobretudo da ilusão de que faz fortuna com o jogo financeiro e com ele obtém lucro, e, do outro, uma maioria absoluta de expropriados para os quais a única possibilidade de sobreviver a este terremoto é uma transformação social profunda.
Miguel Neto
26/10/2017 - 19h12
Que alegria ver o artigo, precisamos acabar com os dogmas, as forças armadas e a esquerda, a união entre ambas é essencial para enfrentar a total entrega do nosso país por um alcateia sem nenhum escrúpulo. O projeto do nefasto ursupador desagrada parte das forças armadas e a pauta nacionalista deve ser um dos temas para a união dos objetivos
para a eleição de 2018.
Vão tentar,
Mas não vão calar
José Dirceu.
Valter Pomar
26/10/2017 - 15h52
Não estou de acordo com a abordagem feita no texto de José Dirceu sobre o nacionalismo (ver tal texto ao final, em vermelho).
Obviamente concordo em criticar o “nacionalismo” das elites.
Assim como concordo em criticar o “globalismo”, que na verdade expressa os interesses do nacionalismo das grandes potências.
Onde divirjo?
Acho um erro contrapor, ao “globalismo” e ao “nacionalismo” das elites, um nacionalismo “genérico”.
Mais adiante explicarei porque considero “genérico” o nacionalismo defendido por Dirceu.
Mas antecipo que não é por acaso que ele termina dando como exemplos o Curdistão, a Catalunha, a Escócia.
Casos profundamente distintos do tipo de “nacionalismo” que precisamos ter no Brasil.
Dirceu afirma que “no fundo, o substrato de toda a fundamentação, há décadas da avalanche da globalização, está no bordão do fim. Não da história, mas do conceito de nação e de sua própria existência, pelo menos como ente estatal, já que seria muita pretensão desconhecer as nações”.
Não concordo com esta afirmação. Ela confunde um discurso proposto para exportação com a prática real.
A classe dominante dos EUA — para ficar nesse exemplo — nunca enfraqueceu o seu Estado. Seu discurso criticava e propunha o enfraquecimento dos estados e das nações … dos concorrentes.
Portanto, o “substrato” real do discurso da globalização era a ampliação ao limite máximo da hegemonia das nações capitalistas centrais.
Também não concordo com a afirmação de que nossas elites “nunca … – a não ser para usurpar o poder – conviveram ou aderiram ao nacionalismo”.
Primeiro, não faz sentido falar que nossas elites precisavam fazer algo para “usurpar o poder”.
Usurpar o poder de quem???? Elas nunca o perderam, porque deveriam usurpá-lo??
Segundo, é simplesmente falso — historicamente falando, factualmente falando— que nossas elites nunca “conviveram ou aderiram” ao nacionalismo.
A afirmação só faria sentido se por “nacionalismo” compreendêssemos apenas um nacionalismo popular.
Mas nosso tipo de nacionalismo não é o único que existe. Assim como nossa visão sobre democracia não é a única que existe.
É provável que Dirceu tenha querido dizer que o “nacionalismo” hegemônico nas elites econômicas, culturais e políticas era e segue sendo submisso ao interesse dos imperialismos; e, além disso, talvez tenha querido dizer que o “nacionalismo” das elites não considerava nem considera os interesses do conjunto do povo.
Qual a diferença?
Simples: na “fórmula” desenvolvida no parágrafo anterior a abordagem deixa de ser “nacionalistas” versus “não nacionalistas”; a equação passa a incluir imperialismo, capitalismo e luta de classes; e reconhece de maneira adequada existirem diferenças no interior das elites.
Dirceu diz que as “elites” foram “sempre inimigas mortais dos governos dito nacionalistas, seja Getúlio, JK, Jânio com sua política externa independente, Jango e, pasmem, Geisel.”
Realmente, pasmem. Pois Getúlio, JK, Jânio, Jango e Geisel eram parte das elites. E em determinado momento expressaram um setor politicamente hegemônico nas elites.
Dizer que “as elites” eram “inimigas mortais” de todos estes, é não apenas falso, como pode gerar a conclusão politicamente equivocada de que inimigo de meu inimigo é meu amigo.
Dirceu está tão entusiasmado que chega a afirmar que “o sentimento nacionalista” guia “nossa construção nacional, nossa aventura de construir, nos trópicos, uma civilização”.
Perdão, mas não foi o “sentimento nacionalista” que “guiou” o desenvolvimento da sociedade brasileira. E a “aventura” dos “homens de grossa aventura” — a elite da época colonial— incluía tráfico de escravos, destruição dos povos indígenas etc.
A defesa de um nacionalismo popular precisa “extrair sua poesia do futuro”, não repetir má poesia ao estilo de “porque me ufano de meu país”.
E o que diz Dirceu do futuro? Diz que precisamos impor, defender ou construir “uma força política, econômica, cultural e militar, que também molde e organize o poder mundial”.
E em seguida faz digressões sobre o pensamento militar.
Noutro texto pretendo comentar mais extensamente a opinião de Dirceu sobre a “questão militar”.
Mas de imediato acho incorreta a maneira como ele relaciona a vertente do pensamento militar nacionalista com a criação da Petrobras, Eletrobrás, Telebrás, BNDES etc.
Claro que havia diferentes vertentes entre os militares. Mas não havia apenas entreguistas e nacionalistas. Havia esquerda, democratas e fascistas. Portanto, havia fascistas & nacionalistas & estatistas; assim como havia fascistas & entreguistas.
Simplificar, resumindo a equação a nacionalistas versus entreguistas, é o que conduziu recentemente setores da esquerda nacionalista a cogitar a existência de aspectos positivos numa eventual intervenção militar.
Além disso, é preciso identificar corretamente as diferentes conexões existentes entre os militares, o empresariado capitalista nacional e internacional, e os interesses do imperialismo.
Por exemplo: o fracasso do “projeto nacional autoritário e conservador” dos militares ocorreu porque ele era “sem inclusão do povo”?? Ou porque este “projeto” já não atendia aos interesses do capital??
As elites e seus projetos não fracassam ou vencem porque incluam ou não incluam o povo.
As elites “incluem” o povo através da opressão, da exploração, da dominação.
Os êxitos e fracassos das “elites” dependem de como se combinam, a cada momento, a competição inter-capitalista e a resistência popular.
Por isso é falso dizer que “nenhuma política de crescimento econômico numa nação continental como a nossa (…) terá sucesso se não se afirmar como nacional e a partir dos interesses do povo e não apenas da elite econômica e política”.
Pois “sucesso” para as elites pode significar e geralmente significa ir contra os interesses do povo.
Portanto, a questão é outra: uma política de desenvolvimento precisa ser feita em benefício das elites ou em benefício da maioria do povo. E a “perigosa ilusão” que sempre ameaça à esquerda brasileira é achar possível construir um caminho baseado na conciliação de classe.
Deste ponto de vista, sigo aguardando de Dirceu uma autocrítica acerca da estratégia que ele ajudou a construir. E que explica parte de nossa derrota recente.
No lugar disso, neste texto Dirceu reitera uma das premissas da análise de classes que está na base da estratégia adotada pelo PT a partir de 1995.
Refiro-me ao seguinte raciocínio: “grande parte da elite – inclusive a industrial, na ânsia de retomar o controle total sobre o poder – se submete ao capital financeiro e principalmente aos donos da informação e da formação da notícia e da opinião pública.”
A verdade é outra. Eles não precisam retomar o pode: nunca o perderam. E a hegemonia do capital financeiro instalou-se nos anos 1990. Portanto, equivoca-se agora e equivocou-se antes quem enxergava uma postura autônoma na “elite industrial”.
A questão portanto não está em que “não é possível – e nunca será – fazer com que 200 milhões de brasileiros alcancem o bem-estar social e cultural numa economia agro mineral exportadora, submetida às finanças internacionais e aos interesses da banca mundial, tendo eles mesmos – a nossa elite – como sócios menores”.
A questão é outra: estes 200 milhões não terão bem estar, nem poder político, enquanto o Brasil for um país capitalista. E não haverá “soberania” de tipo nacional- popular enquanto o Brasil for um país capitalista.
Por isso não basta exaltar a “memória nacionalista”. Por isso é preciso colocar o socialismo como alternativa. Por isso a Escócia, o Curdistão e a Catalunha são parte de outro debate. E por isso nossa defesa da soberania nacional precisa estar combinada com a defesa da integração regional, tema que salvo engano não é mencionado no texto aqui criticado.
Pós-escrito
Cinco comentários adicionais, feitos com base em opiniões que me foram dadas após a leitura do texto acima.
Primeiro: para usar um vocabulário antigo, o que estamos debatendo aqui são as “tarefas”. As tarefas definem de forma sintética aquilo que o programa define de maneira detalhada.
Segundo: há um acordo em que as tarefas são três: democráticas, nacionais e sociais. A polêmica está em como combinar as tarefas. Na minha opinião e também na opinião de Dirceu, não dá para colocar em segundo plano, nem dá para tratar superficialmente, as tarefas sociais. A diferença está no seguinte: qual a radicalidade das tarefas sociais? Na minha opinião, a radicalidade deve ser a maior possível, nas atuais condições históricas. A saber: colocar sob controle estatal, público, social, o pólo dinâmico da economia. Por exemplo: o setor financeiro. O nome disto? Socialismo.
Terceiro: por qual motivo é assim? Pelo mesmo motivo que Cuba, Vietnã, China e Rússia precisaram do socialismo para conseguir níveis de soberania, democracia e bem-estar social que em outros países foram compatíveis com o capitalismo. A saber: o nosso lugar no capitalismo mundial. Lugar que, na literatura especializada, recebeu vários nomes: dependente, tardio, subalterno, periférico etc.
Quarto: a definição das tarefas/programa se articula com outra discussão, a da estratégia. Ou seja, como construir/conquistar o poder necessário para implementar o programa. Acerca disso, o texto de Dirceu não fala –nem precisaria obrigatoriamente falar, já que seu artigo versa sobre o nacionalismo — exceto de maneira indireta, na passagem que critico acerca das classes sociais; e exceto, também, por seu silêncio acerca da integração regional.
Quinto: o tema da integração é onde a abordagem “genérica” sobre o nacionalismo revela sua debilidade. Pois a chance de viabilizar a soberania nacional, o bem estar social e a democratização profunda de um país como o Brasil exige um programa (e uma estratégia) de integração regional.
Dulcinea Carvalho
26/10/2017 - 18h42
Muito bom, Valter Pomar!
João de Paiva
26/10/2017 - 13h22
Esse lucidez, essa sabedoria política e histórica muito acima da média, essa visão e Projeto de País, que José Dirceu carrega consigo, é isso que tanto incomoda a direita e as oligarquias golpistas, escravocratas, plutocratas, cleptocratas, privatistas e entreguistas. Eivado de ORCRIMs institucionais, o sistema judiciário se põe numa insana cruzada para proscrever a Esquerda Política e Nacionalista, essa que que tem um Projeto de Desenvolvimento Soberano e Inclusivo, que com todas as pressões e limitações impostas pela fraca democracia brasileira, ousou incluir as classes pobres, trabalhadoras, secularmente exploradas ou excluídas como sujeitos a quem o Governo e o Estado devem dar oportunidades.
Os torquemadas do sistema judiciário, como esses da ORCRIM lavajateira, serão lançados no lixo da História. José Dirceu e outros grandes líderes políticos brasileiros, perseguidos, massacrados e injustiçados, já escreveram seu nome na História.
Edna Baker
26/10/2017 - 11h59
Que bom Zė Dirceu ver você de volta. Sofri bastante com seu injusto encarceramento e admirada pela sua altivez e resistência enquanto dentro daqueles muros. Uma imensa quantidade de brasileiros estavam com você dentro daqueles muros, pode estar certo. Grande, grande abraço.
Vicente Jouclas
25/10/2017 - 22h22
Salve Sr. José Dirceu!
Contente em ler seu artigo. Assim, um não se sente sozinho.
A globalização só é total quando o mundo fala com Marte; até lá,
melhor sermos vários uns.
Quanto aos militares, cidadãos como os isqueitistas, malabaristas, dentistas, desenhista, articulistas,
manicuristas, lixeiristas e etcetristas.
Abraço grande e bacana
Izaías Almada
25/10/2017 - 12h26
Parabéns por mais esse artigo, companheiro Zé Dirceu, permita-me assim me referir a você.
Fico pensando, contudo, diante do trágico momento em que vive a nação brasileira, em como construir a antítese desse momento e buscar uma nova síntese para o país, para usar ainda uma linguagem apoiada na dialética.
A força do povo é invencível, dirão alguns, também baseados em ideias e conceitos que vigoraram nos séculos XIX e XX.
O povo brasileiro já sofreu algumas derrotas amargas e ainda não adquiriu consciência da sua força para ir em busca de “sua nação e de seu destino”. E não escrevo isso com qualquer sentido de criar uma polêmica estéril.
Quando visitei a Venezuela em 2005, pude ver em algumas praças de Caracas tendas armadas em que os cidadãos eram convidados a discutir a nova realidade do país com membros do chavismo, isso sem falar no trabalho de politização por todo o país. Falo disso no meu livro reportagem “Venezuela: povo de Forças Armadas” escrito na altura.
O resultado daquele trabalho está à vista daqueles que acompanham a mesma tentativa suja da direita venezuelana de de criar hoje um ambiente semelhante ao que criaram no Brasil, mas cujo resultado é inteiramente diverso.
Penso, infelizmente, que não foi só a elite brasileira que ainda não aprendeu com a História e que está “ignorando o desejo nacionalista do povo brasileiro”. O próprio povo também ainda não aprendeu como expressar esse sentimento, como perder o medo de lutar e unir forças para virar o jogo.
Isso para não dizer de uma revolução tecnológica que acabou por dar aos reacionários e aos conservadores, pequenas ferramentas de mão para disseminar o autoritarismo e o fascismo em larga escala. É só ver o que se passa em boa parte das chamadas “redes sociais”.
Chegaremos a outubro de 2018 com maior consciência cívica e política? Chegaremos a outubro de 2018?
Vicente Jouclas
25/10/2017 - 22h28
Acho que chegaremos em 2018; sim. Vida e alegria são difíceis de sumir.