Não basta prender. É preciso humilhar e ofender o preso
A prisão dos ex-governadores fluminenses Anthony Garotinho e Sergio Cabral, no estilo espetaculoso, pretensamente pedagógico, que a atual justiça lava-jato reserva a uns e poupa a outros, repugnou as consciências civilizadas.
Por Gabriel Priolli em 20 de novembro às 16h50VIOLADORES DE HUMANIDADE
A prisão dos ex-governadores fluminenses Anthony Garotinho e Sergio Cabral, no estilo espetaculoso, pretensamente pedagógico, que a atual justiça lava-jato reserva a uns e poupa a outros, repugnou as consciências civilizadas.
O escracho público de acusados, sem julgamento e sentença, é dessas práticas medievais que persistem no Brasil e enquadram-se nela, seguramente, o vídeo degradante de Garotinho debatendo-se numa maca hospitalar, assim como as fotos de identificação de Cabral na prisão, humilhantes.
Muita gente, entretanto, que não distingue ou considera frescura distinguir justiça de justiçamento, adorou as cenas. Argumentou que políticos não podem ter privilégios e devem padecer as mesmas agruras de qualquer presidiário comum. Sem fazer nenhum reparo à violência e à desumanidade que estão embutidas nas práticas policiais e judiciais brasileiras.
É exatamente aí que reside o dilema de um país que contrapõe direitos humanos a humanos direitos.
Que considera válido suprimir qualquer direito de acusados de crimes, pelo mero fato de serem acusados – o que já é tido como a prova em si de que praticaram os crimes.
Humanos direitos, na visão estreita, são imunes a qualquer acusação. Já os direitos humanos não seriam outra coisa além de regalias para bandidos e, como tal, devem ser negados e vilipendiados.
É nessa cartilha que o povo brasileiro é instruído diuturnamente, nos meios de comunicação.
Há dois meses, foram divulgados os resultados do projeto “Violações de Direitos na Mídia Brasileira, realizado pela ANDI e outras entidades. A pesquisa acompanhou 28 programas de rádio e TV, num período de 30 dias, e constatou uma realidade aterradora.
Esses programas cometeram 8.232 infrações às leis brasileiras. 7.529 infrações à legislação multilateral e acordos internacionais. E 1.962 infrações a normas autorregulatórias, como o Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros. Em apenas um mês.
Os programas produzidos em São Paulo registraram o maior número de narrativas com violações, 26,6% do total. Foram seguidos pelos do Distrito Federal, com 17%, e pelos do Recife, com 16,2%.
O policialesco “Cidade Alerta”, sozinho, acumulou 18% de todas as narrativas com violações de direitos.
Eis aí porque o brasileiro comum considera normal o preso ser humilhado e acha justo que políticos sejam igualmente humilhados. Está naturalizada, na sua percepção, a violência institucional.
A punição máxima prevista pela lei brasileira para o crime – o encarceramento – não é suficiente para aplacar a sede de justiçamento do humano direito.
É preciso também que o preso seja desumanizado, ofendido, violado, agredido e, se possível, morto na reclusão.
Ignora-se como é possível fortalecer a justiça e a cidadania sob esse parâmetro. Mas é o que preside no Brasil e, tudo indica, só vai piorar, no estado judicial de exceção vigente.
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