Doria fere privacidade de usuários do Wifi livre, dizem especialistas
Criado no governo de Fernando Haddad (PT), Wi-Fi Livre da Prefeitura de São Paulo passa por mudanças na gestão de João Doria que podem ferir a privacidade dos cidadãos ao disponibilizar seus dados para empresas fornecedoras de sinal de internet.
Por Nocaute em 09 de agosto às 08h30Sérgio Amadeu da Silveira: O prefeito Fernando Haddad pensou um projeto que tinha uma política de privacidade, tanto é que as pessoas acessavam as praças digitais, o Wi-Fi livre sem ter que colocar o seu nome ou fazer qualquer tipo de cadastro.
E isso funcionou bem, as pessoas tinham a sua privacidade assegurada, porque talvez o que as pessoas precisem saber é que os roteadores que permitem o acesso à internet são capazes de registrar até o número do mac address de cada celular, que é um endereço da placa de processamento da placa de rede que só o celular tem, então isso permite um grau de identificação muito fino das pessoas. Uma vez que você vincule uma identidade civil a um aparelho você pode rastrear o caminho dessa pessoa pela cidade.
Bom, você diria assim: ah, mas a operadoras de celular têm isso. Elas têm isso, mas não podem comercializar esse dados nem colocar em amostras e vender isto para empresas. Esses dados só podem ser acessado com ordem judicial.
O que o prefeito disse nos jornais que vai fazer, o atual prefeito, Doria, é que ele vai comercializar os perfis, os comportamentos das pessoas em troca de um recurso para ampliar o programa.
Ele não dá nem a opção para pessoa falar assim: olha, eu quero acessar em uma determinada velocidade e não quero entregar os meus dados, não quero nem me identificar. Ele poderia dar a opção, é óbvio que ele fez uma opção dentre as várias que existem no mercado. Não há nada que obrigue ele a coletar dados .
João Cassino: A indústria de dados pessoais no mundo é uma coisa que está… é uma tendência muito grande, então as próprias redes sociais: o Facebook, o Google, o Twitter, você acha que você está usando esse serviço de graça. Na verdade você não está usando o serviço de graça, na verdade você é o produto das empresas. Quanto mais dados você fornece para essas empresas mas ela tem o perfil do consumidor e ela pega aquele perfil do consumidor e faz negócios com esses dados.
Sérgio Amadeu da Silveira: Tudo o que você faz usando tecnologias e internet, digitais, elas deixam o log, o chamado registro do que você fez, um ou mais registros. Esses registros hoje são o petróleo da economia informacional, então as empresas querem coletar para tentar entender o comportamento das pessoas e modular esse comportamento. Então, que o poder público faça isso é um absurdo, né.
João Cassino: Você vai na farmácia e o atendente fala: ah qual é seu CPF? Eu vou te dar um desconto. Aquele desconto não é de graça. Aquele desconto é pra ele criar um perfil do usuário a partir dos medicamentos que você toma, e que pode, por exemplo, aumentar ou baratear o preço do seu seguro saúde. Ou você vincula isso com a outra base de dados, isso é o Big Data, você vincula com a outra base de dados do emprego: esse sujeito aqui, ele comprou antidepressivo então eu não vou contratá-lo porque ele tem uma tendência a depressão. Aí você fala: mas eu estou comprando para minha avó. Mas o algorítmo não quer saber.
O programa que nós criamos na prefeitura com Haddad era o que mais respeitava a privacidade de todos. Nós contratamos a Universidade Federal do ABC para fazer uma pesquisa e ela fez uma comparação com todas as capitais do Brasil e com todas as cidades do mundo. Então a realidade muda muito, varia de lugar para lugar. E São Paulo era a cidade que tinha mais preocupação em garantir a privacidade do cidadão. Era referência mundial nesse sentido, e agora a gente está tendo uma reversão nisso daí e está indo para a pior posição: a que não tem nenhuma preocupação.
Sérgio Amadeu da Silveira: Quando existe transparência total para o cidadão, o cidadão fica frágil diante de poderes tão descomunais como corporações e Estados, esse que é o problema. Você têm opacidade para os poderosos e transparência total pro cidadão – é o contrário. Então isso é muito perigoso, muito sério para cada um de nós. Porque nós podemos ter nosso custo de empréstimos elevados, de convênio médico, inclusive coisas negadas, empregos negados porque têm corporações opacas definindo rigorosamente com seus pesos, com suas avaliações: o que nós podemos, o que nós somos, o que nós seremos. Então isso é extremamente grave.
Procurada pela reportagem, a Prefeitura de São Paulo preferiu responder por meio desta nota:
“A respeito da expansão dos pontos de acesso ao Wi-Fi público na cidade de São Paulo, a Prefeitura esclarece que os projetos em estudo não ferem a privacidade dos usuários pois não preveem a coleta e o monitoramento de dados privados.
Os estudos sob análise seguem formato similar ao sistema atualmente disponibilizado em outros espaços de circulação pública – como metrôs, aeroportos, terminais rodoviários – solicitando dados mínimos para o cadastro, como nome e-mail, exatamente como em Nova York.
As informações pessoais dos usuários ou o perfil de navegação não poderão ser compartilhados sob hipótese alguma, inclusive para uso comercial, publicitário ou estatístico.
Uma consulta pública está em andamento para definir em parceria com a sociedade e o mercado, de forma transparente, a melhor modelagem para a expansão da rede de conectividade, que hoje conta com 120 locais de acesso e poderá ser ampliada para até 500 pontos, em espaços como bibliotecas, pontos turísticos, centros desportivos e parques.”
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