A cobertura da mídia foi uma das mãos invisíveis que o empurraram daquele quarto andar
Em entrevista ao Nocaute, irmão do ex-reitor da UFSC, Acioli Cancellier de Olivo, fala sobre o papel da mídia e do Estado na morte de Luis Carlos Cancellier.
Por Lydia Abud em 09 de outubro às 01h20No dia 14 de setembro o então reitor da Universidade de Santa Catarina, Luis Carlos Cancellier, foi preso, algemado nu, submetido a exame interno vexatório e encarcerado sem processo judicial. Luis Carlos foi acusado de obstrução à Justiça na Operação Ouvidos Moucos. Cancellier foi solto um dia depois, no entanto, a juíza Janaina Cassol Machado determinou seu banimento da Universidade. A cobertura da imprensa o vinculou ao desvio de 80 milhões e que ocorreram em gestões anteriores à sua. Em 02 de outubro Luis Carlos Cancellier deu fim a sua própria vida. No bilhete que deixou para a família dizia: “A minha morte foi decretada quando fui banido da universidade!!!”.
Assista à entrevista de Acioli Cancellier de Olivo ao Nocaute:
Luis Carlos Cancellier de Olivo, o Cao, como era conhecido. Ele ingressou na Universidade Federal de Santa Catarina, como estudante de Direito, no final da década de setenta. Onde ele fez seu curso de Direito, seu mestrado, doutorado, concurso público para professor, chefe de departamento, diretor do centro de Ciências Jurídicas e, finalmente, em 2016 tornou-se o reitor da Universidade Federal de Santa Catarina.
A relação dele com a Universidade era uma relação vital. Uma relação tão arraigada, tão forte e tão determinada, tão enraizada que quando o Luis Carlos, por todo o processo que sofreu, resolveu dar fim a própria vida, ele deixou um bilhete. Esse bilhete é a síntese do amor que ele tinha pela Universidade. E mais que o amor, o quão a Universidade era a vida. Diz ele no seu bilhete final: A minha morte foi decretada quando fui banido da Universidade. No dia 02 de outubro foi oficialmente a morte dele. Ele morreu, na realidade, no dia 14 de setembro de 2017. Quando uma operação chamada ouvidos moucos, decretada pelo Ministério Público e executada pela Polícia Federal, o levou e o baniu da Universidade.
A cobertura jornalística que foi feita, eu diria sem medo de errar, foi uma das mãos invisíveis que o empurraram daquele quarto andar. Quando a emissora local, a Globo lá em Florianópolis, anunciou, o anúncio não se referia à acusação que ele sofreu. A acusação formal que ele sofreu foi de obstrução da Justiça. Em nenhum momento ele foi acusado de desviar um palito da Universidade. No entanto, vários órgãos de imprensa estamparam, em suas páginas impressas e na internet, a seguinte manchete: Reitor da UFSC é preso por investigação em desvio de oitenta milhões de reais. Eram desvios cometidos no período de 2011 a 2014. Ele foi empossado em 2016.
Meu irmão, atendendo ao pedido da CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) e repito fortemente, orientado pelo aparato jurídico da própria Universidade, avocou o processo interno à Reitoria. Disse-me ele eu tive que avocar o processo porque a Universidade estava sendo acusada num processo que era só um dos cursos que estava sendo investigado. Enquanto isso, os outros cursos estavam com seus recursos contingenciados. Então, a questão de obstruir a Justiça era uma discussão jurídica. Se ele poderia ou não. Não era um crime. Era uma interpretação jurídica. Mas quando, durante seis horas ele foi interrogado sobre uma única pergunta: porque você obstruiu a Justiça? Não é simétrico você discutir assuntos jurídicos com seu carcereiro. É assimétrico. Você concorda? Não se pode discutir a legalidade de um ato que seja recomendado pelo aparato jurídico com os seus carcereiros. E foi isso que ele fez. Ele saiu desse interrogatório exausto. Porque todos que o interrogaram falavam a mesma coisa: Porque você obstruiu a Justiça? Eu não obstruí a Justiça, eu fiz um ato legítimo de gestão. Tão legítimo que foi recomendado pelo aparato jurídico da Universidade.
Eu poderia falar horas sobre o papel da mídia. Mas eu vou sintetizar o meu pensamento, citando Paula Cesarino (Ombudsman da Folha de São Paulo): “A aceitação passiva do discurso policial, o açodamento na busca de culpados por desvios, a imperícia nas técnicas elementares de reportagem e a irresponsabilidade de agentes públicos contribuíram para a morte de um cidadão privado do direito à presunção da inocência.”
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C.Poivre
11/10/2017 - 01h06
Perseguição ao Reitor Cancellier continua mesmo depois de sua morte:
Regina Maria de Souza
09/10/2017 - 12h20
Acabei de ler no jornal GGN um comentário de leitor que dizia, em conteúdo: a gravidade da morte do reitor foi demonstrada pelo silêncio que a imprensa deu ao fato. Felizmente, uma ou outra voz conseguiu trazer a notícia a ouvidos não moucos. Paz ao Reitor Cancellier; sabedoria a seus discípulos (entre os quais me incluo por seu gesto de autoimolação e amor sobre-humano à Universidade).