Íntegra da entrevista de Elias Jaua ao Nocaute

O deputado Elias Jaua é um dos quadros mais qualificados da Revolução Bolivariana. Apesar de jovem esse sociólogo e professor universitário se uniu ao Comandante Hugo Chávez em 1996 para a fundação do MVR, o Movimento Quinta República, que daria lugar ao atual PSUV – Partido Socialista Unido da Venezuela.

À exceção da Presidência da República, Jaua já ocupou os postos mais importantes da Revolução Bolivariana. Eleito para a Constituinte de 1999, ele seria, nos anos seguintes, membro do Comando Tático Nacional, ministro de Agricultura e Terras, chefe da Casa Civil da Presidência, ministro da Economia, ministro das Relações Exteriores e vice-presidente da República.

Nas primeiras horas da manhã de uma úmida e escaldante quarta-feira, Jaua estava nas ruas de Caracas organizando uma megamanifestação popular de apoio à aprovação, pela Suprema Corte, do orçamento nacional de 2017 – função que a Assembleia Nacional, controlada pela oposição, se recusou a cumprir.

Jaua interrompeu por meia hora o trabalho de agitação de rua para conceder esta breve entrevista ao jornalista Fernando Morais, editor de Nocaute. Nela o deputado fala do avanço da direita na América Latina, do golpe no Brasil, das eleições nos Estados Unidos e das expectativas da OPEP em relação aos preços do barril de petróleo.

 

 

Fernando Morais: Os latino-americanos estamos vivendo um momento dramático. Com vocês isso já faz algum tempo. E agora estoura no Brasil um golpe muito bem engendrado. Como foi para vocês, que estavam acostumados ao assédio do irmão do norte, do poderoso do norte, descobrir que os vizinhos, os amigos como o Brasil e a Argentina, mudam de lado e vão para a parte de lá do muro? Para a Venezuela o que significa isso?

Elias Jaua: Nós, no momento em que surge a Revolução Bolivariana, no princípio da década de 90, quando o presidente Chávez chegou ao poder, estávamos totalmente sós, isolados. Nós enfrentamos a agressão imperialista de 2002 absolutamente sós, apenas com o apoio de Cuba, também assediada e bloqueada. E logo se desenvolveu uma nova correlação de forças na América Latina que permitiu avanços inimagináveis em matéria de cooperação, de interação, de estabilidade política para a região. Governos progressistas, democráticos, populares e socialistas, como o nosso, foram um fator de estabilidade política na região sul durante a primeira década do século XXI. Os golpes certeiros que se construíram para tirar do poder os governos da Argentina e do Brasil, um pela via eleitoral e outro pela via de fato, sem dúvida alguma são golpes pensados para enfraquecer a união latino-americana e caribenha, a união do Sul, e para cercar a Venezuela, como objetivo central do ataque imperialista.

 

FM: Como o senhor interpreta o fato de que a primeira decisão do governo golpista do Brasil foi a agressão à Venezuela, dias depois da tomada do poder por Temer, e sobretudo por Serra, como chanceler? Por que a primeira vítima foi a Venezuela? O que levou o Brasil se meter aí, inclusive tentando subornar o Uruguai para que votasse pela exclusão da Venezuela como presidente do Mercosul? Por que isso? Na sua opinião, como dirigente bolivariano, por que a Venezuela veio em primeiro lugar?

EJ: Isso confirma o que eu te disse a princípio, Fernando. O objetivo desta estratégia é dar um xeque na Venezuela. Colocar em xeque a Venezuela para tentar um xeque-mate. Da mesma forma que o objetivo do golpe no Brasil é também enfraquecer os BRICS, para golpear a Rússia, golpear a China. E usar o Brasil, por seu peso, por sua dimensão econômica e política, era um fator chave para a construção de um mundo multipolar. Por isso deram um golpe sem escrúpulos, um golpe de estado brutal como lhes deram, do ponto de vista parlamentar. Obviamente que o primeiro objetivo era golpear a Venezuela, isolar a Venezuela. Com a jogada de dar-nos um golpe de estado dentro do Mercosul. Tentar arrebatar-nos a presidência do Mercosul. E continuar construindo uma correlação de forças que permita aos Estados Unidos utilizar organismos como a OEA para isolar e sancionar a Venezuela.

 

 

FM: Dentro de poucos dias vamos ter eleições nos Estados Unidos, que aparentemente serão vencidas pela Sra. Clinton. Qual é a expectativa de vocês aqui na Venezuela, na Revolução Bolivariana, sobre os resultados das eleições na América do Norte?

EJ: Nós acreditamos que, seja quem for eleito presidente dos Estados Unidos, isso vai significar mais agressão à Venezuela à América Latina. Creio que as duas opções vão representar graves perigos para a nossa América, para a nossa democracia. Comentamos anteriormente que não devemos ser ingênuos a respeito de que esta escalada de restauração neoliberal e neocolonial poderá culminar ou tentar culminar em ditaduras. Diretas, militares. Eu creio que ambos os candidatos são expressão do mesmo sistema. Quem ganhar vai fazer o que o sistema imperial quer que ele faça. Os presidentes dos Estados Unidos são os presidentes menos soberanos do mundo. Lá se tem um sistema que já tem suas ameaças definidas, seu plano de voo definido, e quem chegar ali não pode mudar. De maneira que nós não esperamos nada, hoje. Nada de bom. Enquanto nos Estados Unidos não houver de verdade um presidente que decida ser presidente, e que queira tentar construir um outro tipo de relações de igualdade e respeito com a América Latina, não vai acontecer nada diferente do que já aconteceu. Olha o que aconteceu com Obama. Foi no governo dele que se construiu o golpe de Estado contra Zelaya, o golpe de Estado contra Lugo, o golpe de Estado contra Dilma, as desestabilizações na Bolívia, no Equador, na Nicarágua, as desestabilizações no Caribe. Veja como outra vez fizeram o Haiti retroceder a uma situação de instabilidade política que com dificuldade vêm superando. Ou seja, os Estados Unidos não aceitam governos que não sejam absolutamente subordinados às suas ideias. Não aceitam relação de respeito. E Obama, que chegou como uma expectativa, terminou sendo mais do mesmo que já conhecíamos na América Latina e no mundo. Obama vai sair com algumas das guerras mais atrozes e destrutivas que a humanidade já conheceu: Líbia, Síria e Iraque. Esse é o legado de Obama. No nosso continente, golpes de Estado parlamentares. No Oriente Médio, destruição de nações e países. Por isso, até que nos Estados Unidos não haja correlação de forças a favor da democracia, do respeito internacional, não importa quem ocupe o Salão Oval. Será o mesmo. E os povos só teremos que confiar na nossa própria força, na nossa própria união de países, de nações para preservar nossa democracia e preservar nossa soberania.

 

FM: Fala-se muito que a contradição entre democratas e republicanos nos Estados Unidos é algo que só faz diferença para dentro. Porque as políticas exteriores são iguais, e às vezes os democratas costumam ser piores que os republicanos. O senhor está de acordo com essa concepção?

EJ: Sim, e eu creio que não só para fora, mas também lá dentro. É o velho jogo da democracia representativa. Na verdade, não existe alternância. Lamentavelmente. Veja, o presidente Chávez advertiu muitos de seus companheiros, no governo popular democrático. Não concordamos com a alternância pela alternância. Na verdade quem faz a alternância é o povo. Se o povo quer que um bom governo continue, que um bom líder continue, o povo o elege e reelege, e isso não é antidemocrático. Antidemocrática é a falsa alternância, onde dois partidos que representam o mesmo sistema fazem a farsa da alternância, quando se trata do mesmo sistema. No caso dos Estados Unidos, um sistema de invasão e ocupação de outros países. No modelo dos Estados Unidos, como na maioria dos modelos de democracia burguesa, o povo tem que pensar, refletir e tirar uma conclusão sobre se a alternância na democracia burguesa é um elemento realmente democrático. Ou se é simplesmente uma farsa para legitimar a exploração, a pilhagem e a miséria dos povos. Isso para nós é algo muito claro, muito claro. Por isso colocamos em debate a consulta popular sobre a possibilidade de reeleição contínua do presidente da República. Afinal é o povo que decide se o presidente continua ou não. Não pode ser uma norma constitucional, um acordo de elites. A alternância quem faz é o povo. Elegem ou não elegem.

 

 

FM: No meio desse mar de lágrimas em que vivemos, parece que há uma luz no horizonte, principalmente para vocês, que são uma nação petrolífera, dona da maior reserva mundial de petróleo: a decisão dos países da OPEP de reduzir a produção – que vai se confirmar ou não agora em dezembro. Como o senhor vê a possibilidade da redução da produção em 30, 35% para estancar a queda dos preços que foi forçada contra a Venezuela, contra o Irã, a Rússia…

EJ: Uma batalha. Está em pleno desenvolvimento o pré-acordo de Argel, que deve consolidar-se, e é preciso defendê-lo todos os dias. O Departamento do Tesouro dos Estados Unidos estabeleceu taxas de juros destinadas a continuar fazendo sustentável, através de subsídios, a exploração do flaking, que é uma indústria que ainda está produzindo abaixo dos custos. Como o Departamento do Tesouro dos Estados Unidos é um instrumento geopolítico, ele vem tomando medidas que permitam manter artificialmente a exploração do gás de xisto para continuar inundando o mercado. E logo que houve o acordo de Argel foram tomadas medidas destinadas a continuar favorecendo as políticas artificiais de apoio econômico ao gás de xisto nos Estados Unidos. Mas também há pressões sendo exercidas sobre governos, sobretudo governos do Oriente Médio, que teoricamente têm sido aliados dos Estados Unidos. De maneira que estamos em plena batalha para conseguir um preço justo para matérias primas. E para que se abandone o uso deliberado do gás de xisto como instrumento de guerra geopolítica dos Estados Unidos contra a Rússia, contra a Venezuela e contra o Irã. E além de tudo o gás de xisto tem efeitos devastadores sobre o meio ambiente. E se consolidamos esse acordo, como vamos fazer? Porque está insustentável, ninguém pode sustentar a economia de um país, nem a Arábia Saudita, nem os Emirados Árabes, com o barril de petróleo no preço que está. Esperamos entrar em 2017 com pelo menos 10 dólares acima do preço atual. No caso da Venezuela poderíamos recuperar nosso abastecimento através da importação de bens essenciais e de insumos para ativar nosso processo produtivo. É uma aposta necessária para a estabilidade de países como a Venezuela. Estabilidade política, estabilidade social e sobretudo o direito do povo de ter um retorno justo pelos recursos que a natureza lhe deu.

 

FM: O campo progressista brasileiro olha para a Venezuela há mais de uma década com muita esperança, e agora com muita preocupação, por tudo o que vem passando. O que o senhor tem a dizer sobre isso aos vizinhos brasileiros?

EJ: Em primeiro lugar, entendemos nossa luta como uma luta de todos, de todos os povos da América do Sul. Porque conseguimos ganhar uma década, como disse o presidente Rafael Correa. Temos que tentar agora ganhar a década futura, a década que irá dos anos 20 aos 30. A definição dessa disputa se dará nos próximos três anos no nosso continente. A preservação do poder político na Venezuela por parte da corrente popular, democrática de esquerda, nesse momento representada pelo presidente Nicolás Maduro, é garantia de que o Brasil pode recuperar totalmente sua democracia, não? A História mostrou que sim, que se pode resistir ao embate com o imperialismo, com os agentes dominantes que querem jogar fora o que foi construído, no Brasil ou na Argentina. E desejo isso com muita força. Aqui, não passarão. Esta é nossa tarefa. E onde conseguiram passar, vão ter que sair e aí voltará o povo. Estamos certos de que mais cedo do que se pensa, no Brasil e na Argentina os projetos democráticos populares voltarão ao poder. Esta não é uma derrota estratégica. Sabe por que, Fernando? Porque não houve uma derrota ideológica. Houve reveses eleitorais, ou reveses político- institucionais, como no caso do Brasil. Mas o que construímos ainda continua sendo hegemônico, que é a ideia de soberania, de democracia, de democratização da nossa sociedade, de igualdade nos direitos, de reconhecimento à diversidade cultural, étnica dos nosso povos. Os povos do Brasil, da Argentina, da Venezuela, da Bolívia, continuam acreditando nisso. Temos que reconhecer os erros que cometemos. Por que nos infringiram reveses eleitorais? Por que permitiram que acontecessem golpes como o que ocorreu no Brasil? A brutalidade da ofensiva está agora no campo neoliberal, longe dos valores que hoje os povos latino-americanos carregam como valores intrínsecos dele. Vão surgir grandes movimentos populares revolucionários. Tomara que as elites latino-americanas tenham a mesma atitude democrática que tiveram os governos populares democráticos que perderam as eleições, como Cristina, que perdeu e entregou o poder. Esperamos que quando surgir uma onda democratizadora, popular e revolucionaria, entreguem o poder pacificamente ao povo.

 

 

Um comentário

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Marcos

25/10/2016 - 21h41

Sr. Elias : Não acredito que os golpistas aqui no Brasil devolvam o poder democraticamente. Teremos de buscá-lo, se o povo assim quiser….

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