Brasil

Apesar do momento sombrio que passamos, a hora é de apostar no nosso futuro


Hoje eu quero falar de três assuntos, talvez um quarto que se relacionam entre si. O primeiro dele, naturalmente, que está na mente de todos e no coração de todos, pelo menos, de todas as pessoas de sensibilidade nesse país, é a prisão do Lula. Eu estive lá, pela segunda vez, na quarta-feira passada participando de um ato onde estavam o Prêmio Nobel da Paz, Adolfo Peréz Esquivel, o Leonardo Boff.
Houve uma apresentação muito bonita com a Letícia Sabatela, outras apresentações artísticas bonitas, com artistas locais. E havia até um clima de certa confraternização. Vieram várias pessoas, da Argentina, principalmente, que participaram também desse evento. Antes eu já tinha estado lá no acampamento com aquela emoção ali de cumprimentar o presidente Lula, aquele povo brasileiro ali, misturado, gente de classe média, gente mais humilde. Todos ali querendo se comunicar com o presidente Lula.
Um momento até, embora o Lula preso, em que parece que mais uma vez a esperança possa vencer o medo. Tivemos um baque muito forte na negativa para que o Peréz Esquivel, o Prêmio Nobel da Paz, que lutou pelos direitos humanos na Argentina em momentos muito difíceis da ditadura lá, pudesse visitar Lula na prisão. Atitudes como essa, que são mesquinhas, pequenas, eu nem sei o que diz tecnicamente. Eu não posso fazer o julgamento jurídico. Embora eu saiba que há normas internacionais, inclusive, resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas que recomendam também inspeções externas e ninguém melhor do que o Prêmio Nobel da Paz para saber das condições.
Aliás, essas mesmas regras são muito críticas em relação à solitária. Que na verdade, é ao que o Lula está sendo submetido. Então, isso foi um choque. Na esteira dessa mesma negativa o Leonardo Boff que ia levar um abraço de amigo, uma coisa que não tinha sequer um sentido político direto. Uma coisa, como ele mesmo colocou, quase que um espírito do evangelho. Aquela foto dele sozinho é uma coisa que dá um peso na alma nossa e ao mesmo tempo nos envergonha junto ao mundo.
Então, falando um pouquinho também da área externa. Porque outras coisas estão passando quase que despercebidas. Foi noticiado, mas de maneira quase que secundária, sem muitos comentários, esse momento de cinco ou seis países dominados pela ideologia neoliberal, mas obviamente o Brasil tem um peso dominante nisso, de praticamente encerrar a UNASUL.
Quer dizer, o grande esforço que foi feito, um sonho de décadas e quase de séculos, eu diria, de unidade sul-americana que se concretizou durante o governo do presidente Lula. Não só por iniciativa dele, outros países participaram, presidente Kichner, o Chile. Muita gente diz que isso era um projeto bolivariano. Não tem nada de bolivariano. O segundo secretario geral era um colombiano, o terceiro também.
Mas, na realidade, isso sempre incomodou muito a elite brasileira. Eu até me lembro de uma vez no começo, nós estávamos lutando pelo o que foi o predecessor da União Sul-americana, se chamava Casa Sul-americana das Nações, um jornalista me perguntava: porque o senhor dá tanta atenção a América do Sul. Eu disse: porque eu moro aqui. Então, eu moro aqui e eu tenho que viver bem com meus vizinho. As pessoas não percebem que isso é do nosso interesse.
Eu fico muito triste quando eu vejo isso sendo desmontado. Nós temos tantas outras coisas para defender, acaba que também isso vai indo no ralo, na esteira de muitas outras coisas com as privatizações e outras ações na área econômica, na área social com a reforma trabalhista e também na área externa. E essas coisas, reconstruí-las não é nada fácil. Eles sabem disso e por isso que estão aproveitando para fazer agora. É muito triste e vai dar muito trabalho se nós tivermos um governo progressista idealmente presidido por Lula.
Agora, por outro lado, há também um raio de esperança. Porque na formatura do Instituto Rio Branco os meninos e meninas que entraram há pouco tempo na carreira diplomática escolheram Marielle Franco para ser a patrona da turma. Isso foi uma coisa muito bonita e os discursos muito bons. Não só do orador da turma, mas também da paraninfa, a Teresa Quintella.
Defendendo a democracia, uma participação mais ativa das mulheres e outros aspectos da pauta racial. Anima, porque eu sei, eu sou diplomata de carreira e lá atrás eu sei como o Itamaraty era elitista. Podia até ter gente mais de esquerda, mais de direita, mas era essencialmente elitista.
Então, ver a Marielle Franco escolhida como nome para patrona da turma é algo que nos anima.
Agora, eu queria também fazer um outro comentário que não tem nada a ver com esse, mas que também de certa maneira, humanamente, me diz muito respeito que foi a morte do grande cineasta Nelson Pereira dos Santos. Eu conheci o Nelson, já tinha visto os filmes Rio 40 graus, Rio Zona Norte que são pioneiros. Era um cinema novo antes do Cinema Novo nascer oficialmente, nos anos 50 ainda.
Mas encontrei o Nelson pela primeira vez quando trabalhei com cinema, estava ajudando n a montagem do filme Os Cafajestes, do Ruy Guerra, porque eu tinha feito continuidade do filme. Era muito jovem, irreverente. Uma vez encontrei o Nelson que estava tentando fazer o Vidas Secas, mas ele ia para lá e chovia. E o Nelson estava ali montando o filme do Glauber, uma interessante aliança no início do Cinema Novo com o Nelson ajudando a montar o filme Barravento.
Eu faço esse depoimento porque acho que ele é importante para a gente saber também da história e das tradições. Desse casamento entre esses dois cineastas brasileiros e naquele momento eu perguntei ao Nelson, eu sabia que ele queria filmar o Vidas Secas, eu já tinha lido, eu disse: mas, Nelson como é que você vai filmar o Vida Secas? Eu achava todas as coisas muito subjetivas e difíceis de retratar num filme. Ele disse: não, o livro já é um filme decupado. Quer dizer, o livro já era um roteiro pronto.
Então, eu conheci o Nelson nessas circunstâncias, continuei sendo admirador dele. E na época da Embrafilme, ele tinha criado a cooperativa de cinema, continuamos uma relação política. As vezes, até tivemos alguma divergência, Luiz Carlos Barreto entrava pra ajudar apaziguar. Mas um grande lutador do cinema novo, um exemplo. Primeiro cineasta a ser admitido na Academia Brasileira de Letras, como anos atrás René Clair havia sido admitido na Academia Francesa.
Então, é também um momento assim para nós pensarmos, apesar do momento triste, nas coisas boas do Brasil, na criatividade e apostar no nosso futuro, apesar de todo o lado sombrio que nós estamos vivendo atualmente.
Veja também:
https://www.nocaute.blog.br/2018/04/24/fernando-morais-prisao-lula/
 

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