Cultura

"Z – A Cidade Perdida" e a busca frustrada pelo real Indiana Jones

*Por Matheus Pichonelli

O coronel Percy Fawcett foi um explorador britânico que, em meado dos anos 20, desapareceu na região de Xingu, no Mato Grosso, em busca de uma cidade perdida chamada Z. Ele acreditava ser uma cidade cuja população local, os indígenas locais, formavam uma sociedade bastante complexa, com noções de matemática, de arqueologia. Era uma região rica para exploração de ouro.
E ele tinha realizado uma série de expedições pelo Brasil no início do século XX. Em 1925, mais ou menos, ele foi para lá com o filho dele e nunca mais deu notícias. Ele desapareceu. Ninguém sabe o que aconteceu com ele, se ele foi devorado por animais, se ele foi devorado por índios canibais, se ele se adaptou ali e simplesmente não quis voltar.
A verdade é que esta história se tornou uma obsessão metalinguística por pessoas que queriam saber o que aconteceu com ele e patrocinavam expedições para a floresta para tentar saber que fim tinha levado este coronel britânico.
Uma dessas pessoas era o Assis Chateaubriand, que patrocinou por um tempo a viagem de pessoas para saber o que tinha acontecido com o coronel Fawcett. Uma das pessoas que ele mandou para lá foi o Antônio Callado. Ele voltou de lá com um relato, que depois daria origem ao livro O Esqueleto no Lago Verde, e que serviria de base também para o Quarup, que se tornou um dos clássicos da literatura brasileira.
Esta história é contada pelo Fernando Morais, de quem eu sou humilde inquilino neste site, no livro Chatô, o rei do Brasil.
Nesta semana, eu me tornei um dos exploradores em busca do Fawcett. Porque eu fui ao cinema, onde está passando Z, A Cidade Perdida, que tenta retomar esta história e contar a história do Fawcett, um personagem riquíssimo.
Ele lutou na Primeira Guerra, ele foi um espião da Grã-Bretanha, ele serviu no Ceilão. Ele tem uma história bastante interessante.
Eu saio da sessão com uma certa frustração sobre o paradeiro dele.
Primeiro porque o filme é bastante convencional, com começo, meio e fim, muito em ordem cronológica e contado de uma forma quase careta.
Você tem muitos recursos. Você pode pensar em um falso documentário. Você pode se dar ao trabalho de fabular e pensar como teria sido este final dele, que a realidade não alcança, mas que a ficção pode pensar, imaginar o que teria acontecido com ele.
Em vez disso, o diretor preferiu fazer um novelão. Uma história romântica a partir do local onde a esposa espera por ele durante anos com os filhos, as idas e vindas, o momento em que ele serve na guerra.
Inclusive é um filme de aventura que, de repente, se torna um filme de guerra por alguns longos minutos. É um filme que se perde muito. Até por desconhecimento do diretor da própria geografia local, que, às vezes, a gente não é muito bem situado ali no que é. O Fawcett circula na Bolívia, de repente ele está no Brasil, como se fosse uma coisa só.
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Para não dizer que o filme é só um tempo perdido em uma sessão de duas horas, é bom colocar que filme é uma questão subjetiva. Alguns podem gostar, se emocionar com a história, embora tenham cenas ali que eu considerei bastante peculiares.
Por exemplo, quando ele e o filho estão diante de lanças, e eles estão diante de indígenas e eles têm tempo para dizer um para o outro o quanto se amam.
Ou quando ele enfrenta formigueiro, chuva, os animais, mas o ator segue bonitão, com a barba aparada, o cabelo todo alinhado. Tem problemas de quando se tenta transformar uma história de aventura em romantismo.
O que me chamou muito a atenção no filme foi quando os exploradores britânicos, representados pelo Fawcett, participam de uma corrida espacial, só que pela floresta, uma corrida arqueológica com os americanos.
Os americanos, que naquele momento tinham mais condições, andavam armados, chegavam com aviões. Eles tinham muito mais estrutura e equipamento do que os europeus. Isto em um período antes da Primeira Guerra, depois no entre guerras, que foi, quando, por exemplo, os americanos encontraram Machu Picchu, a América do Sul foi um território desta concorrência entre o modo de exploração europeu, que já entrava em decadência, contra um modelo de exploração americano, que assumiria a partir dali um protagonismo na cena geopolítica. Dá até para a gente pensar neste contraponto.
Ele não aprofunda. É um filme que fuma, mas não traga. Ele deixa a gente pensado na ideia de civilização e barbárie. Em um momento em que os europeus, o dito Homem branco, o dito homem que tem a ciência a seu favor, se arrebentava na primeira guerra, e isto o filme mostra, cenas de gente sufocada, de gente destroçada no campo de batalha que havia se transformado a Europa.
O Fawcett anteviu a complexidade em que as sociedades indígenas tinham se transformado. Elas extrapolavam a ideia de barbárie e civilização. Eles tinham noção de uso de espaço que não é o uso de espaço consagrado pelos europeus, pelo modelo de exploração europeu, que precisa colocar floresta abaixo, que precisa destruir para depois imaginar como você pode explorar a riqueza e viver naquele espaço. Sem que o trator precise arrebentar e acorrentar tudo o que tiver na frente.
O filme é uma oportunidade. A gente sai de lá com uma vontade de conhecer melhor a história do Fawcett. E encontrar esta história a partir de livros baseados neste período de exploração da floresta amazônica.
Alguns chamam de “o verdadeiro Indiana Jones”. Eu pelo menos procurei, mas acabei não encontrando na livraria perto do cinema onde eu assisti ao filme o livro Esqueleto da Lagoa Verde, do Callado, e o livro do David Grann que inspirou o filme, que é Z, A Cidade Perdida. É uma oportunidade para a gente conhecer a história de um personagem que, como seu explorador, estava ali esquecido. É isso.
* Matheus Pichonelli é formado em jornalismo e em ciências sociais e escreve sobre cinema. 

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