Cultura

Punhos de Sangue e a história do verdadeiro Rocky Balboa

* Por Matheus Pichonelli 

Eu acho que depois do faroeste, não deve ter tido tema mais explorado pelo cinema norte-americano do que história de boxeadores. Existe uma tradição no cinema dos EUA, a gente pode citar “Touro Indomável”, do Martin Scorcese, “Menina de Ouro”, do Clint Eastwood, que ganhou o Oscar de melhor filme, em 2005, se não me engano, e a franquia “Rocky Balboa”, que levou Silvester Stallone a ser conhecido.
Na semana passada estreou um filme chamado “Punhos de sangue”, do diretor canadense, Phillipe Falardeau, que já tinha feito “O que traz coisas novas”, um filme completamente diferente desse. Ele volta ao cinema com uma história sobre um boxeador, o Chuck Wepner, que inspirou o personagem do Rocky Balboa.

O Rocky Balboa em 1975 assistiu pela televisão à luta que transformou o Wepner num lutador muito conhecido por ter lutado contra Mohammad Ali, talvez o maior de todos os tempos.
E todo mundo achou que ele fosse tomar um vareio, apostavam quando ele cairia. Mas, na verdade, ele segura 15 rounds e chega a derrubar o grande campeão em um desses rounds.
A forma como ele resistiu a essa luta o transformou numa figura muito querida pelos fãs de boxe. Isso levou o Silvester Stallone a pensar e escrever aquela história.
Nesse filme, que estreou na semana passada, mais do que contar a história do personagem real que inspirou o Rocky Balboa, existe uma discussão interessante, uma espécie de crise de identidade a partir desse filme que o deixou ainda mais conhecido do que a própria luta com o Ali.
Você imagina que já tinha um filme inspirado na vida daquele sujeito. Agora tem um filme sobre o filme inspirado na vida daquele sujeito. Tem um ator que interpreta o Silvester Stallone, que por sua vez interpretou o Wepner no filme de 75. Em 77 ganhou Oscar, foi consagrado, foi uma franquia milionária e o Wepner não ganhou nada com isso.
O filme, mais do que retomar essa história, conta essa crise de identidade dele. Tem alguns clichês do cinema americano, como o sujeito que depois da fama acaba abandonando os valores familiares, se tornando agressivo, egoísta, ensimesmado demais, autodestrutivo, segue essa tradição do lutador que apanha dentro e fora dos ringues. Mostra a maneira como o filme mudou a vida desse sujeito e não necessariamente para o melhor. Primeiro, porque ele não ganhou nada com isso.

Cena de Punhos de Sangue (Divulgação)


Deu no Nocaute:
O cidadão ilustre volta para casa, por Matheus Pichonelli
O filme mostra de certa forma que o Stallone se aproveitou dessa história, que explorou a historia desse sujeito. Não é nem ascensão e queda porque ele não teve uma ascensão, foi mais uma resistência e depois a queda.
Ele chegou a ser preso, teve um envolvimento com drogas, o Stallone vai filmando ao longo da franquia essas fases da vida dele. Ao mesmo tempo, à medida que ele vive desse estrelato, tem uma cena no qual ele torce pelo filme no Oscar, ele está sozinho em casa, como se aquilo fosse parte dele também. Mas ele não é o produtor, diretor, não participou do roteiro. Em algum momento, ele até quis participar do segundo filme ou do terceiro como ator e ai ele fracassa.
Mas, ao mesmo tempo, na vida real dele, quando ele se apresentava para as pessoas, ele dizia “Eu sou o Rocky Balboa”, ele não dizia que era o Chuck Wepner. Quando alguém dava alguma carteirada para ele, tinha alguma dificuldade com a polícia, estava interessado em alguma garota, ele sempre usava isso.
Quando o sujeito se pergunta sobre quem é a pessoa nessa espécie de crise de identidade, ele se torna refém daquilo que o público espera dele. Tanto o público do cinema que viu o Rocky Balboa, ficou fã, quanto o público de boxe, que espera que ele seja resistente, durao, um sujeito que aguenta todos os golpes. Mas ele não é isso, ele tem as suas fraquezas, conflitos e contradições. O filme mostra como o sujeito se torna escrava dessa mitologia construída em torno dele e que o cinema ajudou a catapultar.
É muito interessante como o filme coloca isso, provoca uma confusão na cabeça do personagem e do público , sobre quem é esse personagem que inspirou o Rocky mas que também foi inspirado por quem inspirou o Rocky. Como se fosse um jogo de espelhos, ou aquelas bonequinhas que você tira uma de dentro da outra para saber o que existe de essência dali.
Falamos na semana passada sobre o fetiche da figura do escritor, no filme “Cidadão Ilustre”, que é um sujeito que em determinado momento volta pra casa destituído de todo o staff, do estrelato. Ele precisa lidar cara a cara com os seus demônios.
A desconstrução desse personagem que foi levado às telas e o fetiche que as telas desperta, inclusive para quem inspirou esse personagem é o tema desse filme e é uma reflexão que a gente faz depois. Quem é esse personagem, antes e depois desse filme, de que maneira esse filme provocou essa crise de identidade no que seria o personagem, o que é real nisso tudo? O filme traz todas essas discussões e é a minha dica dessa semana para vocês. Um abraço.
*Matheus Pichonelli é formado em jornalismo e ciências sociais e escreve sobre cinema.

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