Comportamento Mundo

O aborto no século XXI: as leis e os direitos


 
 
Por Víctor David López*
 
O aborto talvez seja um dos debates mais complicados e mais eternos da sociedade atual em qualquer país. Há muitos fatores misturados e é recomendável fugir dos radicalismos, e falar com total respeito. É óbvio que o aborto é um drama, um trauma para as mulheres. Porque estamos falando de mulheres: de mulheres com raciocínio, com sensibilidade, com memória, com espiritualidade, com determinadas situações familiares, com determinadas condições sociais, e, sobretudo, com um problema. O fato de pensar em abortar já é um problema, não é uma festa. Um problema que afeta a dez de cada mil mulheres na Espanha.
 
As mulheres já sofreram muito e tiveram muitos problemas ao longo dos séculos, e ainda continuam tendo. O debate do aborto leva consigo muita carga patriarcal e machista. Às vezes parece que se um governo tem uma lei mais progressista do aborto as mulheres vão fazer fila para abortar porque está na moda. Não é assim. Aliás, só as mulheres podem falar verdadeiramente das sensações, das duas sensações: ser mãe ou abortar.
 
No caso da Espanha, a primeira lei nacional, em 1985, acabou com a clandestinidade e o número de abortos cresceu muito, porque as mulheres tinham uma nova opção, e muito mais segura, de garantir os direitos sexuais e de reprodução. Mas, depois da lei de 2010 –a Lei de Prazos, com várias possibilidades dependendo das semanas de gestação– uma das mais progressistas do mundo, o número de abortos caiu. Nos últimos cinco anos os abortos diminuíram 25% na Espanha, e com maior proteção da saúde das mulheres. Por que a polêmica então? Pela mistura de fatores que antes falávamos: por exemplo, a religião, o patriarcado, o machismo.
 
É importante lembrar que abortar não é obrigatório, é voluntário. Mas a polêmica sempre existirá. Nos últimos tempos na Espanha as clínicas ginecológicas que praticam abortos ­–muitas delas praticavam abortos na época da clandestinidade– têm sofrido ataques de coletivos contrários ao aborto. É o caso da tradicional Clínica Isadora aqui em Madri, que inclusive tem sido testemunha de brigas importantes entre seus funcionários e pessoas desses coletivos que esperam na porta a chegada das mulheres que vão abortar, procurando voltar no tempo mais de três décadas.
 
Pode ser que a nossa sociedade precise de mais tempo para normalizar a questão, para aceitar que uma lei progressista do aborto não trivializa um problema tão grave e que também não é contagioso. Só protege e ajuda às mulheres. Pode ser que seja necessário ainda mais educação sexual. Um ponto é evidente: no século XXI, a última coisa que faltava por fazer contra as mulheres é legislar também dentro delas.
 
* Víctor David López (Valladolid, Espanha, 1979). Jornalista, editor literário e escritor. Colabora na Radio Nacional da Espanha e escreve no jornal El Español. Trabalhou nos jornais espanhóis As, Marca e La Razón. É co-diretor da editora madrilena Ediciones Ambulantes, especializada em literatura brasileira e sobre o Brasil. É autor dos livros “Maracanã, territorio sagrado” (2014), “Brasil salta a la cancha” (prólogo) (2016) y “Brasil, Golpe de 2016” (prólogo). Twitter: @VictorDavLopez

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