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Nocaute e Momo – II

Entrevista Anderson Baltar – bloco 1

 
A Política e as Escolas de Samba
A política, desde o início tá entrelaçada né, na história das escolas de samba.
Até existem episódios interessantes, é… o Partido Comunista nos anos 30, anos 40, teve uma influência muito grande na formação das escolas de samba. Apoiou muito as escolas de samba. Nós temos aí o Império Serrano, que é uma escola que está completando 70 anos, esse patrimônio da cultura brasileira – infelizmente hoje está no grupo de acesso – mas o Império Serrano é uma escola que foi fundada pelo pessoal da estiva, aqui do lado, aqui no cais do Porto, pessoal do sindicato, da resistência. É uma escola democrática, sindicalizada desde o seu início.
Então, desde o início do carnaval as escolas de samba, e é aquela história que a gente sempre fala, populações marginalizadas procurando serem reconhecidas, né.
Era o negro que era perseguido apenas por portar um violão, e que ele precisava ser reconhecido, ser tratado como um cidadão. Então as escolas de samba são oficializadas, né, como eu falei, pelo prefeito Pedro Ernesto, e eles fazem, o samba acaba meio que fazendo uma aliança, né. Começa a ir ali pelas frestas atrás de uma estabilidade, e sendo de uma certa forma adesista. As escolas de samba tem uma característica adesista.
Então, como eu dizia anteriormente, no momento que o Partidão, o Luiz Carlos Prestes ganha pujança, que o próprio Prestes se elege senador, que o partido forma uma bancada, que o Jorge Amado é deputado, as escolas de samba participam de concursos organizados pelo antigo Partidão. Inclusive há um desfile que foi feito em homenagem ao Prestes. Todas as escolas homenagearam o Prestes.
Não é, depois a coisa virou, aí as escolas se adequam a um status quo. Lembrando que nesse período teve a fase de exaltação a Getúlio Vargas, na época do Estado Novo.
Entao as escolas de samba, elas tem um caráter adesista, né. A Beija-Flor de Nilópolis, por exemplo, ela ficou muito estigmatizada por conta dos enredos que ela fez na época da ditadura, no auge do milagre econômico da ditadura militar, né. Então ela falava em defesa da construção da Transamazônica, “é a estrada cortando a mata em pleno sertão”, é “petróleo jorrando com abundância do chão”, “vamos lembrar do Funrural e do Mobral””, enfim…
E quando o Lula assume a presidência a Beija-Flor faz um enredo enaltecendo o Lula, com o Lula no último carro alegórico da escola.
Então, as escolas de samba hoje vivem meio que ao sabor dos ventos. E muita gente hoje fala, puxa, as escolas de samba não fazem mais temas políticos. Nós tivemos um auge ali dos temas políticos nos anos oitenta, puxados pela Caprichosos de Pilares e pela São Clemente, justamente nessa coisa de navegar no sabor das ondas.
Quando o país está passando por um processo de redemocratização, né, em 84 a Caprichosos de Pilares leva um balão pra avenida, eles soltam um balão com uma faixa escrita Diretas Já. E também num momento em que o governador do Rio de Janeiro é Leonel Brizola. Né, então as coisas se casam.
Depois a Caprichosos de Pilares entra nessa linha, a São Clemente também entra nessa linha de enredos satíricos, bem humorados, e aí já é um momento da Nova República, do primeiro governo, do primeiro e único (graças a Deus) governo Sarney, então a gente tem toda aquela questão.
Mas hoje a gente vive um momento né, mais complicado, o politicamente correto domina, a intolerância é muito grande, hoje não há debate político, hoje há guerra, há um acirramento. Mas mesmo assim as escolas de samba meio que surfam. No ano passado a gente viu a Mocidade Independente Padre Miguel querendo, fazendo na sua comissão de frente o Lula e a Dilma sendo presos. Quer dizer, comprando o discurso golpista, né.
Entao se amanhã ou depois o Lula voltar à presidência as escolas de samba vão esquecer que prenderam o Lula e o Lula vai vir de anjo em cima de um carro alegórico.
Então isso, porque na verdade o carnaval ainda é muito dependente das verbas públicas e você tem que estar ali, você não pode hoje em dia uma escola que de repente fizer um enredo esquerdista num momento em que a esquerda está sendo demonizada mundialmente, de repente é uma escola que pode tomar uma pancada no julgamento.
Ou ouvir um recadinho, pô, por que que vocês fazem um enredo desses?
Então a questão do samba e da política, e também tem uma questão interessante em relação à política dentro das escolas de samba, é que poucas escolas de samba têm um caráter essencialmente democrático. Poucas escolas têm eleições, quadros sociais formados onde as pessoas são sócias, compram título, pagam mensalidades, são sócias proprietárias, enfim, e elegem presidente.
Muitas escolas de samba hoje, elas convivem com colégios eleitorais reduzidos, decisões muito centralizadas, assumindo aquele discurso que Roberto da Matta já falava lá atrás, em carnavais dos malandros heróis, do “Sabe com quem você está falando?” Do discurso que vem de cima pra baixo, do manda quem pode, obedece quem tem juízo.
Infelizmente isso ainda acontece muito dentro do mundo do carnaval.
O que está mudando nos sambas enredo
Eu acho que de uns anos pra cá o gênero do samba enredo tem se reinventado, né. Criou-se uma percepção, na minha visão, equivocada, de que hoje em dia já não se fazem mais sambas enredo bons. Isso é uma mentira.
Baseada num aspecto fundamental que os sambas enredo hoje estão fora da mídia. As pessoas só falam do que elas ouvem, do que elas consomem. E hoje o produto samba enredo é muito mal vendido. Pelas próprias escolas, né, as escolas não sabem trabalhar os sambas enredo, as emissoras de rádio não tocam, a própria mídia não divulga como era antigamente, ne. Nos anos 80, todo final de ano ali na brincadeira do amigo oculto, dois presentes eram certos, discos do samba enredo e discos do Roberto Carlos. Várias pessoas às vezes compravam um disco de samba enredo pra dar de presente e ela tinha pedido um disco de samba enredo do seu amigo oculto. Então você comprava um disco para ganhar outro. Você nem precisava, era mais pela brincadeira.
E os sambas enredo sumiram, surgiram outros ritmos, a Bahia chegou muito forte com um marketing muito agressivo, e o próprio carnaval de rua aqui do Rio deu uma revigorada, mas eles cantam os sambas enredo de 20, de 30 anos atrás. Eu acho que é porque as escolas de samba não sabem vender. Agora é que esta começando a haver uma movimentação do disco ser vendido em plataformas digitais, mas a gente tá ainda muito engatinhando em relação a isso. Mas eu tenho certeza que vários sambas, especialmente de 2010 pra cá isso realmente melhorou muito em relação à década passada, a década passada foi talvez a pior década em relação a sambas enredo. Até também por conta dos enredos que surgiram à época. Começou a surgir muito enredo que a gente costuma chamar de enredo CEP, enredos sobre cidades, estados e países, e realmente é muito difícil você se inspirar para falar de uma cidade do interior que não tem muitos atrativos, pra falar de um país qualquer. Já teve Coreia do sul na avenida.
Então, quer dizer, fica complicado. E nos últimos anos as escolas começaram a entender a importância de um bom samba enredo, até porque para ganhar o carnaval hoje as escolas precisam ter componentes muito bem ensaiados, que saibam cantar o samba, o samba tem que ajudar o desfile.
Então, voltou de uns 5, 6 anos pra cá, na minha avaliação, a ter uma preocupação com um bom samba enredo, que propicie o canto dos componentes.
E nós temos aí tanto nesse ano como no ano passado, sambas que se fossem gravados 30 anos atrás, que se tivessem sido cantados 30 anos atrás, que seriam sambas que entrariam para a história, mas hoje em dia tá tudo muito fragmentado, né, a indústria da música está sendo muito direcionada a determinados nichos. Você vê que a própria MPB, o rock e outros gêneros têm dificuldade de romper essa barreira que a mídia colocou.
Eu tenho, eu sempre combato essa frase. As pessoas falam, hoje em dia os sambas enredo são muito ruins, porque não tocam no rádio. E desde quando tocar no rádio hoje é sinônimo de fazer música boa?
99% das coisas que a gente ouve no rádio hoje em dia são descartáveis, são horrorosas.
Então eu acho que não é esse o motivo, tá faltando ao mundo do samba, recentemente eu escutei uma frase de um amigo e eu acho perfeitamente plausível isso, o samba às vezes ele se fecha tanto na sua tradição, que ele não consegue dialogar com o que está acontecendo. Ele acaba meio que virando um bairro que você transforma em patrimônio histórico, né, você tomba, você mantém aquela tradição, mas você também impede que aquele bairro se desenvolva como outros bairros irão se desenvolver.
Eu acho que o samba peca um pouco por isso, por um romantismo exagerado que muitas vezes não se justifica quando hoje em dia a gente vê compositores gastando 100 mil reais para ganhar um samba numa escola.
Não é mais como nos tempos de Silas de Oliveira em que um compositor fazia um samba, disputava com o outro e se ele visse que o samba dele não era bom ele mesmo o retirava da disputa de uma forma cavalheiresca: não, poxa, o samba do meu concorrente é muito melhor para representar minha escola na avenida.
Então as coisas mudaram muito nesse sentido né, tudo virou uma indústria, a disputa de samba ela é uma coisa industrializada, ela é uma coisa que é movida pelo dinheiro, mas as escolas de samba ainda não sabem vender o produto samba enredo.
Eu tenho uma rádio chamada Rádio Arquibancada, uma rádio que faz as transmissões dos desfiles, das disputas de sambas das escolas, e a gente nota que há um público muito interessado em samba enredo. As pessoas ficam felizes em saber que existe um local na internet em que você pode ouvir samba enredo.
Eu acho que tá faltando essa sensibilidade.
 
Entrevista Anderson Baltar – bloco 2

 
O financiamento das Escolas de Samba
O samba vem das populações marginalizadas, daquelas populações de subúrbio, de morro, né, da própria região da Praça Onze, onde o samba germinou ali com aquela turma do Estácio.
Era uma região do baixo meretrício, dos malandros, dos rufiões. Então o samba sempre tem um flerte ali né, com o submundo, isso é natural, é inegável.
Muitas pessoas acham que isso é uma coisa advinda da contravenção, não, o samba sempre transitou entre os becos e os salões. E também a gente vive num país onde os salões também não são lá muito limpos e éticos não. Os salões às vezes são mais sujos que os becos. A gente está vendo muita coisa aí para corroborar essa tese.
Então, na verdade, o financiamento das escolas de samba sempre foi muito complicado desde o início. Desde 1935 quando o prefeito Pedro Ernesto oficializa as escolas de samba, dá uma dotação orçamentaria, os desfiles das escolas de samba sempre foram, digamos de uma certa forma, as escolas nunca receberam o valor que elas precisavam para fazer seus desfiles. As escolas sempre recorriam aos livros de ouro, né. Que era um livro mesmo que você organizava, passava no comércio, nas pessoas do seu bairro e pedia ali uma ajuda para fazer o carnaval.
E o jogo do bicho entra no carnaval para cumprir essa função de mecenas. Num primeiro momento bancando realmente as escolas, num segundo momento estruturando a liga das escolas de samba como hoje nós conhecemos, e hoje em dia eu posso dizer que a influência do jogo do bicho, pelo menos no financiamento das escolas de samba é muito pequena. No máximo eles fazem ali um papel de capital de giro. Até porque, também, a dotação orçamentária que a prefeitura dá para as escolas de samba, ela não é paga no início do ano, geralmente esse dinheiro da prefeitura ele sai mais para o meio, da metade final do ano para o início do ano seguinte.
A televisão, que também contribui com uma parcela, só começa a pagar no segundo semestre. Outra renda é a venda de ingressos e a venda de cds, que também é mais pra frente.
Então muitas vezes uma escola de samba, a gente está aqui na Cidade do Samba, com todos os barracões, quando o desfile acaba o trabalho continua, porque as alegorias são desmontadas, você vê o que vai ser reaproveitado, muitas das esculturas são vendidas para escolas pequenas, ou dadas, ou doadas para escolas pequenas ou escolas de outras cidades.
Então existe toda uma economia nisso aí girando, que se a escola tiver um capital de giro para zerar o carnaval anterior e começar o seguinte mais rápido do que as concorrentes, ela sai na frente. Porque ela vai ter mais tempo para se preparar, ela vai comprar o material numa época em que ele está muito mais barato. Você comprar um material de carnaval em abril ou maio você paga um preço às vezes a metade do que você vai pagar em dezembro ou janeiro.
Então, a questão do financiamento do carnaval, ela é muito sensível, ela tem muitos detalhes. Tem o financiamento que as próprias escolas conseguem com seus patrocínios, com seus eventos de quadra, tem a parcela que a Liga repassa através do dinheiro da televisão, e tem a parcela da prefeitura.
E é importante destacar que o que a prefeitura gasta né – que aquele dinheiro na verdade não é gasto, é investimento – o que a prefeitura do Rio de Janeiro investe com as escolas de samba é uma ninharia perto do que é arrecadado para a cidade em relação a turismo, a entretenimento, a bares e restaurantes.
O Rio de Janeiro arrecada dois bilhões, três bilhões de reais por ano com o carnaval. E o investimento da prefeitura com as escolas de samba, se não me engano, chega a 40, 50 milhões de reais, segundo dados a que eu tive acesso no ano passado.
Cada escola do grupo especial recebe dois milhões, as escolas dos outros grupos, A, B, C, D e E, (E não, que o E não tem subvenção), mas do A ao D são escolas né, a do A desfila no grupo lá na Sapucaí na sexta e no sábado e as outras desfilam na Intendente Magalhaes, que é um carnaval que é feito no subúrbio, um carnaval com ar de 30, 40 anos atrás, com a população chegando ali, não pagando ingresso, assistindo, essas escolas dependem fundamentalmente do dinheiro público.
E aí a gente chega mais uma vez naquela discussão hipócrita, uma discussão mesquinha, uma discussão tacanha, uma discussão pequena de muitos governantes que muitas vezes não estão gastando o dinheiro no que devem gastar, e aí na hora de cortar gastos, de descobrir o vilão, dizem que o carnaval é o vilão. Porque o dinheiro do carnaval vai para a saúde e a educação. Isso é uma baboseira, uma falácia, quem conhece minimamente o que é um orçamento público sabe que a dotação de saúde, de educação, ela é regulamentada pela Constituição – apesar do que estão querendo fazer aí, né – ela é uma dotação regulada pela Constituição, e a verba que a secretaria de Cultura recebe ao longo do país, ao longo aí das cidades e estados é ínfima. Se chega a 1% você tem que dar graças a Deus.
Então, é um dinheiro que é da área da educação, educação não, minto, que é da área da Cultura e da área do Turismo, que é para ser investido nos eventos culturais que trazem benefícios, que trazem diversão para a população.
Então, me atendo ao caso do Rio de Janeiro, eu volto a dizer, são 40 a 50 milhões de reais que o poder público emprega nas escolas de samba, que juntamente com os blocos de rua fazem esse grande carnaval do Rio de Janeiro e atraem 2 a 3 bilhões de reais por ano pro orçamento da cidade.
Então, quer dizer, é aquela história, o investimento é irrisório perto do beneficio, do ganho que a cidade tem.
 
 
 

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