Comportamento

Macbeth ou O Poder Corrompe


 
Eu que sou uma pessoa sarrista, poderia fazer um vídeo hoje com diversas conjecturas e trocadilhos sobre o acidente de ontem. Mas eu não vou fazer isso. Se você quiser ver teorias sobre o suposto acidente ou sobre o suposto crime, basta você abrir qualquer site ou abrir qualquer rede social, que está cheio disso lá. Sobre o que aconteceu ontem com a queda do avião, a gente tem duas perspectivas. Ou foi um acidente e a gente vai ter que admitir que o acaso é uma entidade de direita mesmo. O acaso está a serviço da direita. O que é horrível mas explica bastante coisa das nossas vidas, não é mesmo? Ou a gente vai ter que admitir que é crime. É bem fácil admitir que é crime, porque se você estudar um pouquinho sobre golpe de estado e acidentes, você vai conseguir fazer diversas relações. Mas a gente só vai ter certeza disso, vocês, não eu, porque daqui cinquenta anos eu não vou estar viva, então alguém vai ter certeza disso daqui uns cinquenta anos. Porque a gente não vai saber a verdade. Qualquer uma dessas duas perspectivas são tão aterradoras porque a gente fica com a sensação de que não tem limite, que não há possibilidade de mudança. Que qualquer coisa que acene como uma mudança, que nem era uma mudança ideal, era uma perspectiva de equilibrar um pouco a balança da justiça, vai ser acidentada. A gente fica olhando pra isso e pensando a que preço se faz isso? Qual é o preço desse poder e o quanto o poder tem a capacidade de corromper o que tem de humano na gente? E isso me lembra muito um clássico da literatura, clássico mesmo, no sentido mais puro da palavra, que é o Macbeth do Shakespeare. O Macbeth era só um guerreiro, muito virtuoso, eles estavam em guerra, é meio na Idade Média isso. Na Idade Média toda hora eles estavam em guerra, todo mundo contra todo mundo. Diferente de agora, a gente vive num estado muito diferente do que o medieval. Ele encontra no meio da floresta três bruxas que saúdam ele. Primeiro com dois títulos de nobreza e logo depois falam: Macbeth, que rei será. Todas as previsões das bruxas começam a se confirmar, até que ele fica completamente ambicioso. E essa ambição, é representada obviamente por uma mulher (porque será?) não vou entrar nesse assunto, mas é representada pela Lady Macbeth, faz com que ele na hora que ele recebe o rei, ele faz uma emboscada pro rei. Mata o rei a facadas, culpa os soldados de sentinela. Dá um jeito de ser ele na linha sucessória, ele vira rei. A pergunta é: se ele não tivesse matado, ele viraria rei? Não tivessem antevisto o futuro dele, acenado pra ele com uma coroa, ele teria matado o rei? A que preço que ele virou rei? E a que preço que ele se mantém no poder? E aí isso enlouquece ele. Começa a dar merda, claro que começa dar merda. E ele começa… aí ele mata o Banquo que fica aparecendo como fantasma pra ele o tempo todo. A Lady Macbeth enlouquece limpando a mancha de sangue da mão. Mas de fato a gente ainda nessa história está falando sobre donos do mundo, sobre reis. O que uma brasileira média como eu, o que a gente pode fazer perante tanta barbárie? O que dá um pouco de alento ao peito é saber que na verdade todo esse poder, todo esse dinheiro não significa nada. O Macbeth teve que trilhar tudo isso pra chegar a essa conclusão. Quase no fim da peça ele com a Lady Macbeth morta, morta depois de louca, no colo diz as seguintes palavras:
Amanhã, e amanhã, e ainda outro amanhã arrastam-se nessa passada trivial do dia para a noite, da noite para o dia, até a última sílaba do registro dos tempos. E todos os nossos ontens não fizeram mais que iluminar para os tolos o caminho que leva ao pó da morte.
Apaga-te, apaga-te, chama breve!
A vida não passa de uma sombra que caminha, um pobre ator que se pavoneia e se aflige sobre o palco – faz isso por uma hora e, depois, não se escuta mais sua voz.
É uma história contada por um idiota, cheia de som e fúria e significando nada.

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      Arde-nos o fogo eterno
      todo instante:
      líquidos,
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      humanidade.
      Recife, 21 de janeiro de 2017

  1. Avatar

    Qual é o preço desse poder e o quanto o poder tem a capacidade de corromper o que tem de humano na gente?
    – O preço do poder é nossa humanidade.
    – A capacidade corruptiva do poder depende da ambição.
    – Ambição é algo absolutamente humano.
    – Assim sendo não podemos culpar ninguém a não ser nós mesmos!
    Na Idade Média toda hora eles estavam em guerra, todo mundo contra todo mundo.
    – E hoje não?
    Em tudo que vejo
    É tanto falatório
    É tanta demagogia
    É tão pouca fé
    Prá tanta liturgia
    Que nem sei
    Se tudo isso devia…

  2. Avatar
    Mariangela Alvarez says:

    Parabéns… emocionada aqui .. arrasou menina linda !
    O Amanhã.. o amanhã.. o amanhã..
    Vale a pena ver uma nova geração com inteligência e sensibilidade humanística

  3. Avatar
    Mariangela Alvarez says:

    APAGA-TE, APAGA-TE, TOCHA FUGAZ !!!
    A VIDA NÃO É MAIS
    QUE UMA SOMBRA QUE PASSA .
    UM POBRE PALHAÇO QUE SE PAVONEIA
    E SE AGITA UMA HORA EM CENA,
    E, DEPOIS, NÃO SE OUVE MAIS FALAR DELE.
    A VIDA É UMA HISTÓRIA
    CONTADA POR UM IDIOTA,
    CHEIA DE SOM E DE FÚRIA,
    SIGNIFICANDO NADA ” Macbeth, ato v, cena v

  4. Avatar

    Bela Ana, continue sempre assim, por favor: falando de coisas sérias — seriíssimas! –, mas com todo esse humor. E, a propósito desse “a que preço?”, me lembro sempre de Gandhi, numa de suas greves d fome para estancar a barbárie das ruas: “Os poderosos de hoje, por mais poder que ostentem, vão passar…” O acidente é uma pequena prova disso.

  5. Avatar

    Nocaute ! Muito bem lembrado…Shakespeare é imortal por que ali estão os grandes temas do infortúnio humano ! A Tragédia de Macbeth é o roteiro de tudo que virá nessa insana luta pelo poder. No entanto, precisamos lutar pelo Poder ou seremos arrastados…Mesmo que ao final, como bem lembrou Machado de Assis : “Ao vencedor, as batatas “……

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