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Pós-jornalismo, o irmão da pós-verdade


 
PÓS-JORNALISMO

A palavra da moda é “pós-verdade”. É difícil passar um dia atualmente, sem topar com ela num texto ou numa fala.
Segundo a Universidade de Oxford, que recentemente a dicionarizou, a pós-verdade é um adjetivo “que se relaciona ou denota circunstâncias nas quais fatos objetivos têm menos influência em moldar a opinião pública do que apelos à emoção e a crenças pessoais”.
Não é um nome mais fresco para mentira, portanto. As pessoas sabem que determinado fato é ou pode ser verdadeiro, mas, se não gostam dele, preferem desconsiderá-lo.
Não querem que a crueza da realidade, essa chata, perturbe a tranquilidade de suas certezas.
Mas o curioso no discurso atual sobre a “pós-verdade” é que as redes sociais, sozinhas, pagam a conta por ela. São responsabilizadas pela alienação voluntária que o conceito expressa.
As pessoas estariam além da verdade por causa dos tais algoritmos do Facebook, do Twitter e etc, que organizam os conteúdos conforme os interesses e a visão de cada usuário, e com isso criam bolhas informativas, bolhas de opinião, onde a divergência nunca é bem vinda.
A imprensa se esbalda em publicar comentários sobre a “pós-verdade”, mas ainda não se dignou a analisar o próprio papel na expansão do fenômeno.
Porque se existe “pós-verdade”, existe também a “pós-notícia”, aquela que não conta exatamente o que aconteceu, mas o que a mídia julgou conveniente enxergar no assunto.
Para que exista a “pós-notícia”, existe a “pós-fonte”, aquela fonte de informação que não revela mais tudo que sabe sobre o fato, de forma transparente e honesta, mas joga com o que sabe, revela apenas o que a interessa, para obter determinado resultado com a publicação.
Existe também a “pós-pauta”, aquela que não é mais um guia de investigação dos fatos, mas de orientação do veículo sobre o que o repórter deve e o que não deve apurar.
Existe a “pós-edição”, aquela que não mais analisa o quadro de informações apuradas pela reportagem e oferece uma interpretação, mas que interpreta a priori, formula uma “tese” e usa do material apurado apenas aquilo que se encaixa nela.
Existe, enfim, um “pós-jornalismo”, que atua além e na contramão das práticas consagradas da atividade, e por isso mesmo é irmão siamês da “pós-verdade”.
Um “pós-jornalismo” que reduz a complexidade do mundo a versões digestivas, para consumo de cidadãos unidimensionais, cuja opinião ele forma, controla e dirige para as causas que lhe interessam.
Está bom para você? Tomara que sim, porque está bom para a maioria, e se você não gostar, pode chorar na cama, que é lugar quente. De verdade.

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